FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA DO RIO DE JANEIRO 2016

17.10.2016
por João Moris

Com o slogan “Aqui Você Vê o Mundo”, o Rio de Janeiro realizou seu festival internacional de cinema este ano entre os dias 6 e 16 de outubro. Embora tenha diminuído em tamanho e estrutura por falta de verba, o festival continua trazendo filmes e diretores prestigiados nas principais vitrines de cinema do mundo (Cannes, Berlim, Veneza, Toronto e Locarno). Neste ano, foram aproximadamente 250 filmes, vindos principalmente de países ocidentais.

O Festival do Rio é menos organizado, mais informal e menor do que a Mostra Internacional de São Paulo, mas cabe ressaltar que as sessões começaram pontualmente, não tinha filas imensas nem “muvuca” na entrada, para quem adquiriu o passaporte (permanente) era possível reservar os filmes para o mesmo dia pela ingresso.com sem taxa de conveniência, a maioria dos cinemas é confortável, com tela grande, som bom e ótima projeção. Estes detalhes podem não ser tão importantes quanto a qualidade dos filmes do festival, mas fazem a diferença para cinéfilos que assistem a vários filmes em dias seguidos, como eu. 

Neste festival, dei preferência a filmes premiados em mostras internacionais ou de diretores mais renomados. Dos 20 filmes que assisti, destaco os melhores abaixo (sem “spoiler”, espero!):

Eu, Daniel Blake (dir. Ken Loach, Grã-Bretanha) O mais recente filme do octogenário diretor britânico, declaradamente comunista, ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes deste ano e esbanja humanismo. Como é recorrente na obra do diretor, o filme retrata as dificuldades da classe trabalhadora britânica, empobrecida, depauperada e massacrada por políticas neoliberais excludentes. Acompanhamos com empatia e enternecimento a saga do operário sessentão Daniel Blake, que afastado do trabalho por problemas de saúde, passa por uma verdadeira via crucis kafkiana para conseguir o seguro-desemprego. Ken Loach sabe dirigir atores e cenas de improviso como ninguém e leva o espectador a se colocar no lugar dos protagonistas de seus filmes com muita naturalidade e sem chantagem emocional. Um filme tocante e engajado, facilmente identificável com a realidade vivida por grande parcela da população brasileira. Ao final da sessão em que eu estava, muitos na plateia gritavam “Fora Temer”. A boa notícia é que o filme entrará no circuito comercial em breve. Programa obrigatório!


Cena do filme “Eu, Daniel Blake”

Nocturama (dir. Bertrand Bonello, França) Um filme tenso, vibrante e atualíssimo sobre um grupo de jovens franceses multirraciais, que cometem uma série de atentados à bomba em Paris. A maioria destes jovens é de classe média e não tem mais do que 20 anos. Mas, o que querem estes jovens? O que os move? O diretor Bertrand Bonello, que já dirigiu L’Apollonide (2011) e Saint Laurent (2014), não dá respostas fáceis. Pelo contrário, leva o espectador a refletir sobre o estado do mundo hoje, a violência, as ideologias, as injustiças, a juventude, o consumo... o filme acabou se tornando visionário, visto que foi rodado antes dos atentados na França em 2015.


Cena do filme “Nocturama”

Afterimage (dir. Andrzej Wadja, Polônia) O último filme do grande diretor polonês Andrzej Wadja, falecido recentemente aos 90 anos, é uma biografia do pintor avant-guard polonês Wladyslaw Strzeminski (1893-1952), que foi contemporâneo de Kandinsky, Malevich e Chagall. O diretor volta à boa forma de seus primeiros filmes ao mostrar como a carreira de Strzeminski, que não tinha um braço e uma perna, foi sistematicamente dizimada pelo regime stalinista vigente na Polônia entre as décadas de 40-50. O pintor tinha ideias avançadas demais sobre arte para o conservadorismo e autoritarismo do regime, que pouco a pouco tirou todas as liberdades e destruiu vários trabalhos do artista, condenando-o ao ostracismo. Mesmo assim, o filme mostra que o pintor influenciou várias gerações futuras de artistas poloneses. Delicado, com uma fotografia que mais parece uma pintura, sutil e ao mesmo tempo cruel, um filme arrebatador. 


O ator polonês Boguslaw Linda em cena do filme “Afterimage”

A Região Selvagem (dir. Amat Escalante, México) Mais um trabalho vigoroso do diretor catalão radicado no México, Amat Escalante, que já nos deu Heli (2013) e Sangre (2005). Passado numa cidadezinha do México, o filme conta a história de um casal preso em um casamento infeliz e as traições que se seguem, tanto do homem quanto da mulher. Este microcosmo é completado pela presença de uma criatura alienígena, criada por um casal de cientistas no interior de uma cabana no campo. A criatura dá prazer ilimitado tanto para mulheres como para homens. Metáfora para a decadência moral e social do México? Alegoria de ficção científica? Crítica aos padrões sexuais estabelecidos por uma sociedade hipócrita? Amat Escalante nos conduz aos meandros labirínticos da psique humana de forma nada convencional, mas sempre provocadora. Viajei!


A atriz mexicana Simone Bucio em cena do filme “A Região Selvagem”

Paraíso (dir. Andrey Konchalovsky, Russia) Leão de Prata como melhor diretor no Festival de Veneza deste ano, em Paraíso o veterano diretor Andrei Konchalovsky mostra toda a sua verve. Rigoroso sob o ponto de vista estético e com uma fotografia P&B deslumbrante, Konchalovsky traça o caminho de três pessoas que se cruzam durante a 2ª Guerra Mundial: Olga, uma emigrante aristocrata russa enviada para o campo de concentração, Jules, um colaborador francês, e Helmut, um oficial de alta patente da SS nazista, ambos apaixonados por Olga. O filme traz um olhar profundo e inusitado sobre os horrores do Holocausto e cada personagem é minuciosamente dissecado pelo diretor. Um brilhante exercício de cinema!


Cena do filme “Paraíso”

O Fim (dir. Guillaume Nicloux, França) Com mais de 220 filmes no currículo e filmando sem parar, Gerard Depardieu é simbólica e literalmente um monstro do cinema. Aqui ele faz mais um filme sob medida para sua persona: um caçador solitário que entra numa floresta com seu cão para caçar coelhos. Mas, ele se perde no caminho e o que começa como algo certeiro e garantido se transforma num pesadelo. Mais do que um filme sobre o embate do homem com a natureza, o roteiro nos leva a lugares inexplorados da psique deste caçador. Será que ele se perde mesmo na floresta ou está perdido na vida? O diretor Guillaume Nicloux, que recentemente fez o enigmático O Vale do Amor (2015) e o atormentado A Religiosa (2013), nos convida para mais uma experiência com a natureza humana.


Gerard Depardieu no filme “O Fim”

Wiener-Dog (dir. Todd Solondz, EUA) O diretor independente Todd Solondz pode ser considerado o “patinho feio” do cinema americano. Seus filmes, em geral, tratam de temas tabus para a sociedade, tais como incesto, abuso sexual, bullying, adultério, solidão, desconexão etc. Foi assim com Bem-Vindo à Casa de Bonecas (1995), Felicidade (1998) e Histórias Proibidas (2001). Em Wiener-Dog, Tolondz volta à carga sem a mesma virulência dos filmes anteriores, mas com o mesmo estilo insólito e excêntrico. São três histórias interligadas por um cachorro basset, que passa de dono em dono, um mais problemático do que o outro. O cão serve de testemunho para as agruras e desventuras humanas. O resultado é irregular, mas nunca desinteressante. 


O ator Keaton Nigel Cooke em “Wiener-Dog”

Mapplethorpe, Look at the Pictures (dir. Fenton Bailey/Randy Barbato, EUA) Documentário sobre a vida e obra do controverso e badalado fotógrafo americano, Robert Mapplethorpe (1947-1989). Criativo, impulsivo e obsessivo em seu trabalho fotográfico, Mapplethorpe ficou mais conhecido por suas polêmicas fotos de nus masculinos, exibindo corpos, músculos e principalmente a genitália de homens em posições, digamos, nada pudicas. O fotógrafo foi implacavelmente perseguido pela direita conservadora americana e, nos anos 80, sua exposição “The Perfect Moment” chegou a ser proibida pelo senado dos EUA, levando a uma onda de protestos contra a censura naquele país. O filme é tão explícito quanto a obra do fotógrafo e mostra em detalhes toda a genialidade de Mapplethorpe, bem como sua vontade de transgredir, sua compulsão sexual e sua fome por fama e celebridade.


O fotógrafo Robert Mapplethorpe

Os Garotos nas Árvores (dir. Nicholas Verso, Austrália) Uma abordagem contundente ao batido tema do rito de passagem da adolescência para a vida adulta. O filme conta a história de dois skatistas na noite de Halloween em 1997, amigos de infância que se distanciaram e se reaproximam fazendo um acerto de contas com sua amizade e seus medos, ansiedades e inseguranças. Esta é uma viagem onírica, cheia de luzes, cores e máscaras, que a longa noite esconde e revela. Com diálogos surpreendentemente profundos mas informais, o diretor imprime ao filme um tom ao mesmo tempo lírico e trágico, assustador e redentor, valorizado por um trabalho excepcional de câmera e iluminação.


O ator Gulliver McGrath em “Os Garotos nas Árvores”

Cosmos (dir. Andrzej Zulawski, França/Portugal) O último filme do diretor polonês cult, nascido na Ucrânia e radicado na França, morto no início deste ano. Entre seus filmes mais conhecidos está o ultra hype Possessão (1981) com Isabelle Adjani, que mexeu com as plateias do mundo inteiro na época do seu lançamento. O diretor rodou Cosmos depois de 15 anos sem filmar. Esta é uma viagem vertiginosa ao mundo da literatura e da imaginação. Com uma narrativa anticonvencional e ágil, diálogos poéticos e por vezes desconexos, o filme se passa numa espécie de pousada onde os donos, hóspedes, empregados e visitantes se encontram, conversam e se digladiam. O filme é centrado em dois jovens estudantes, que atônitos buscam desvendar a série de acontecimentos incomuns que os envolve. A linguagem ousada torna o filme difícil de acompanhar e irá certamente desagradar aos que buscam linearidade. Por todos estes atributos, vale a pena experimentar e (talvez) embarcar nesta viagem.


Cena do filme “Cosmos”

Primeiro de Janeiro (dir. Dario Mascambroni, Argentina) Filme argentino belo e sensível feito por um jovem diretor independente. A história acompanha a viagem de um pai recém-divorciado com seu filho de 10 anos à pequena casa de campo da família para recolher os pertences e esvaziá-la. A relação de carinho e, ao mesmo tempo, de distanciamento entre os dois devido às circunstâncias da separação é o ponto alto do filme. As descobertas e a dor do menino diante do inusitado em sua vida são filmados de uma forma nunca piegas. Um pequeno filme, mas grande na sensibilidade e na humanidade.


Cena do filme argentino “Primeiro de Janeiro” 

Personal Shopper (dir. Olivier Assayas, França) Distanciando-se das reflexões e questionamentos levantados no seu filme anterior, o instigante Acima das Nuvens (2014), Assayas volta a trabalhar com a atriz americana Kristen Stewart para abordar o mundo da moda e da futilidade numa espécie de thriller psicológico. Maureen (Kristen Stewart) trabalha como personal shopper (compradora de roupas) para uma celebridade parisiense. A mistura de gêneros, o vai vem da protagonista e a falta de rumo para sua vida dão o tom e o ritmo do filme, que ora me instigou, ora me surpreendeu, ora me cansou, perdendo-se no final. Mesmo assim, um filme que acompanhei com interesse e que certamente terá seus admiradores.

Kristen Stewart em “Personal Shopper”

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3 comentários:

Vera Moris disse...

João obrigada por sua gentil e respeitosa descrição dos filmes que escolheu assistir no festival do Rio. Gostei muito de ler suas criticas, que não são criticas, mas uma descrição imparcial, gostosa, dos filmes. Tive vontade de assistir a todos. Você deveria ser contratado para fazer as sinopses dos filmes que eu assisto....certamente eu poderia ter outros olhos para apreciá-los! Vou aguardar com interesse os que você assistir do festival de SP. Passe as dicas logo.....

Ana Rosa disse...

Quero ver todos.

Anônimo disse...

joao ,Parabens! Sao ótimos os seus resumos.Continue,obrigada
Arcelina 19 de novembro de 2016