Z - A Cidade Perdida

18.06.2017
por Fernando Machado (*)

O que me chamou a atenção neste filme foi o seu tema singular: Percy Harrison Fawcett, o explorador inglês que entrou para a História quando desapareceu numa expedição pelo interior do Brasil no início do século XX, em busca de uma cidade perdida, chamada por ele “The Misterious Z” (“A Misteriosa Z”). 

Há alguns anos, já havia lido o livro sobre Fawcett escrito por Hermes Leal em 1996 (“Coronel Fawcett – A Verdadeira História do Indiana Jones”), mas confesso que ainda não tive a oportunidade de ler o livro lançado em 2009 por David Grann, homônimo à obra em cartaz e que inspirou o seu roteiro.


No filme, vemos a importância que a redenção do nome da família tem para Fawcett. Afinal, quem “escolheu mal seus antepassados” não poderia frequentar o círculo íntimo da estratificada sociedade inglesa da época... 

Essa oportunidade aparece na forma de uma tarefa perigosa e talvez fatal: o mapeamento da fronteira do Brasil com a Bolívia e ele, apesar de seu apego à sua amada esposa Nina e ao seu pequeno filho Jack, prontamente a agarra. 

Brasil e Bolívia, de acordo com o relato do Presidente da Royal Geographical Society a Fawcett, podem entrar em guerra se o trabalho de definição de suas novas fronteiras não for concluído, daí a importância da missão conferida ao militar/geógrafo/explorador.

Na verdade, nas últimas décadas do século XIX, um número crescente de brasileiros se aventurou cada vez mais no então território boliviano em busca da borracha, um produto obtido a partir das seringueiras dispersas pela floresta e com altíssima demanda para atender à nascente indústria automobilística, entre outras aplicações. 

O conflito foi inevitável, mas, no final, foi firmado o “Tratado de Petrópolis” em 1903, pelo qual o Brasil adquiriu o território do Acre da Bolívia por dois milhões de libras esterlinas (equivalentes, em 2017, a cerca de R$ 948,5 milhões). Nesse mesmo ano, a tonelada de borracha chegou a 400 libras esterlinas, o equivalente a cerca de R$ 189.710,00 em 2017. Fortunas incalculáveis foram, portanto, feitas com essa preciosa matéria prima até o início do declínio do ciclo da borracha, em 1910.

Em seu árduo trabalho selva adentro, entre 1906 e 1909, com a companhia do seu inseparável auxiliar Henry Costin (interpretado por Robert Pattinson), Fawcett teve contato com essa estranha e cruel sociedade da borracha, onde roupas elegantes e espetáculos de ópera convivem na selva com miséria abjeta, violência e escravidão. 

Fawcett leva a cabo sua tarefa com o auxílio de um índio escravizado pelo senhor da borracha local (este último interpretado por Franco Nero, numa pequena mas ótima interpretação, com algumas frases memoráveis como: “vou ajudá-lo, pois tenho interesse em que não haja guerra e que as coisas fiquem como estão”).

Ao chegar à etapa final do seu mapeamento, a nascente do Rio Verde, Fawcett ouve do seu guia índio a menção a povos antigos que haviam habitado aquela área. A princípio, imaginando-o louco, retoma seu obstinado trabalho, mas sua visão de mundo muda para sempre quando vê com seus próprios olhos vestígios desses povos: leva de volta para os incrédulos membros da Royal Geographical Society alguns fragmentos de “potes e panelas” para prová-lo, defendendo ardorosamente a ideia de uma nova expedição para achar “Z – A Cidade Perdida”, a derradeira descoberta de uma civilização que ele supunha ser mais antiga que a inglesa. 

No filme, sua esposa Nina acha em arquivos na Inglaterra um manuscrito antigo datado de 1753, que menciona uma “cidade perdida” em território da então colônia portuguesa do Brasil, e esse documento é utilizado para apoiar as suas teorias. Ela lhe pede para ir com ele na sua próxima expedição, mas é impedida por Fawcett, sob o argumento de que nenhuma mulher foi feita para aguentar as agruras da vida na selva. Todos os argumentos em contrário são rechaçados. Pelo visto, a visão de igualdade de gênero de Fawcett restringia-se, no máximo, ao lar.

Esse documento antigo existe mesmo e é conhecido no Brasil como “Documento 512”, ou “Manuscrito 512”, e atualmente encontra-se na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. O documento tem autoria desconhecida, mas realmente é do século XVIII e relata a descoberta de uma cidade perdida, situada em algum ponto do atual estado da Bahia, e foi mencionado pelo também explorador inglês Richard Burton em seu livro “Explorations in the Highlands of Brazil”, de 1869. Essa teria sido, segundo o livro que li, uma das maiores, senão a maior, fonte de inspiração para Fawcett. 

A partir daí, começaram as expedições em busca dessa cidade perdida, ficando a família (agora aumentada com o nascimento dos filhos Brian e Joan) mais uma vez em segundo plano. Dentre outras, destacam-se a expedição empreendida entre 1911 e 1914, que não foi bem sucedida. Após o retorno à Inglaterra Fawcett, lutou na primeira guerra mundial na França e ficou temporariamente cego quando foi atingido por gás. Infelizmente, a expedição de 1920/21 à Bahia, não foi retratada no filme, outra expedição fracassada. Nesse período turbulento, há a reconciliação do marido e pai ausente com a sua família, em especial com Jack, seu filho mais velho.

Finalmente, em 1925, Fawcett realizou sua derradeira expedição ao Brasil, com a companhia de seu filho Jack e de Raleigh Rimell (amigo de Jack, que não aparece no filme). O resultado é conhecido: todos desapareceram sem deixar vestígios.

Nascia o mito Fawcett. Ele e seus companheiros teriam finalmente encontrado a cidade perdida de “Z”, ou foram mortos pelos índios Kalapalos, no atual estado do Mato Grosso? Inúmeras expedições foram organizadas para encontrá-los nas décadas seguintes, e até uma ossada foi desenterrada naquela região em 1951 pelos irmãos Villas Boas, em local indicado pelos referidos índios Kalapalos, mas que não coincidiu com a estatura do coronel (o esqueleto tinha 1,68m e não 1,82m, a altura real de Fawcett).

No filme, o final é dúbio: Fawcett e Jack são capturados por índios hostis. De acordo com os chefes indígenas, como eles não pertencem a nenhuma tribo, deve-se achar um “local adequado” para seus espíritos. Aí eles são drogados e imaginam que certamente irão morrer...


No entanto, anos depois a bússola de Fawcett chega às mãos de sua esposa através de um viajante brasileiro, que afirma a ela que o explorador e seu filho estão vivos e vivendo entre os índios. 

Isso é o que ela conta ao entregá-la ao Presidente da Royal Geographical Society, dizendo que este foi um sinal combinado entre ele e Fawcett e que, portanto, só ele entenderia seu significado. Ela também pede para que fosse organizada outra expedição de busca. O presidente lembra que Fawcett lhe disse que, se encontrasse a cidade perdida de “Z”, lhe mandaria a sua bússola como um sinal...

Fica a dúvida: por que mandar só a bússola, e nada por escrito sobre a localização de “Z”? Se Nina sabia do sinal combinado, não poderia ter entregue outra bússola, falsa, para que outra expedição tivesse mais chances de ser organizada? No final do filme, um letreiro menciona a existência de supostas evidências encontradas no início do século XXI que iriam ao encontro das teorias de Fawcett. 

Realmente foram encontrados recentemente, tanto no Acre quanto em outras partes da Amazônia, geoglifos (figuras feitas no chão, a exemplo das famosas linhas de Nazca, no Peru). Seriam sinais deixados por uma civilização mais antiga? Afinal, em 1911, na própria época das expedições de Fawcett foi encontrada a “cidade perdida” de Machu Pichu, no Peru, pelo explorador americano Hiram Bingham. 

Há também intrigantes aspectos místicos na vida do famoso explorador que, infelizmente, ficaram de fora do filme. No livro que li foi mencionado um encontro de Fawcett e sua esposa grávida Nina com monges budistas no porto do Ceilão (hoje Sri Lanka), em 28 de fevereiro de 1903, onde lhes foi revelado que ela daria à luz em 19 de maio daquele ano a um menino especial, que acompanharia o pai anos depois em uma viagem para terras longínquas do Sul, onde ambos iriam desaparecer, e que esse menino seria o pai de uma nova raça. Poderia essa previsão ser verdadeira? Realmente Jack Fawcett nasceu em 19 de maio daquele ano, acompanhou o pai numa expedição ao interior do Brasil e ambos desapareceram. Como fica o resto da profecia?

Apesar de todas as questões em aberto, acho que o filme foi muito bem ambientado, as cenas na selva e os ataques indígenas são muito realistas, e os atores interpretaram muito bem seus papéis, com destaque para o protagonista (Charlie Hunnan) e sua esposa Nina (Sienna Miller). 

Só faria um reparo ao título: tanto o livro quanto o filme não deveriam chamar-se “Z - A Cidade Perdida”, pois apesar de serem baseados numa história real, no fundo todos esperam que a cidade perdida finalmente apareça, e infelizmente isso nunca acontece, frustrando o público.

Muitas reflexões podem ser feitas sobre as atitudes do explorador, a exemplo do tratamento gentil e não violento, apresentando-se como “Amigo” aos “nativos”, como ele os chamava, em comparação com os outros europeus, que a eles se referiam como “selvagens”.

Nota-se no filme uma crítica direta sobre os próprios europeus, que se consideram tão “civilizados”, mas que se matam mutuamente na carnificina que foi a Primeira Guerra Mundial, aliás apresentada com cenas muito bem filmadas e realistas. Afinal, o que é civilização?

Também é muito interessante a relação de respeito pela natureza por parte dos índios, que só pescam o que é estritamente necessário para atender a suas necessidades, em contraste com os homens brancos, que trazem à floresta males como a ganância, a violência, os excessos do álcool, a escravidão e a devastação do ambiente.

No fim das contas, seria “Z” uma referência mais abrangente a uma cultura mais antiga que a europeia, inferior a ela tecnologicamente, mas moralmente superior em outros aspectos? Quem sabe...

(*) Fernando T.H.F. Machado é economista e admirador da Sétima Arte.



1 comentários:

Ana Rosa disse...

Muito bom o artigo. Melhor ainda ter sentido de perto o entusiasmo de Fernando. Parabéns!