Reflexões aos 25 anos


01.07.2020
Por Rianete Lopes Botelho (Rian)


Hoje é 1º de julho de 2020 e eu, Grupo Cinema Paradiso, faço 25 anos. Sou filho da sétima arte, cuja essência me foi transmitida. Embora o intelecto tenha importante papel na feitura de filmes, sua força vem significativamente de um jeito de olhar o mundo e as pessoas além da aparência. Como a alma humana é tão complexa, tão contraditória, nesse campo de interesse cabem todos os abismos. Talvez, por isso, eu me sinto como se tivesse a idade do mundo.

Eu – extensão que sou do cinema – já sofri a dor do amor perdido, o encantamento do amor achado, o escuro da solidão com seus fantasmas aterradores, o ódio, o ciúme, a inveja, a traição, conheci terras estranhas, guerras (até interplanetárias!), quantas vezes lavei minha alma, lavei meus pecados, arrisquei pecar mais (mesmo com o risco de ir para o inferno), vivi desvarios... E me pergunto: como cabe tudo isso no meu coração de 25 anos? Aprendi que nessa vida não há nada de novo sob o sol. Então, por que tantos filmes tratam de temas tantas vezes repetidos como se novos fossem? Arrisco pensar que os afetos são sempre novos para quem os experiencia. As dores e alegrias de cada indivíduo, por serem particulares, são sentidas como uma realidade nova. Além disso, as circunstâncias em que se manifestam são diferentes das demais ocorrências, o que as tornam sempre únicas. Nada como um bom cineasta para dar originalidade e beleza aos velhos temas. Basta que, como Drummond, tenha em si o sentimento do mundo.

Acho que, por ser meu aniversário (sem as celebrações dos anos anteriores) e estar sob o peso desta trágica pandemia que nos leva a uma reclusão involuntária e que confirma dolorosamente a nossa vulnerabilidade, estou voltado um pouco para mim mesmo, para buscar alguma consistência em meio à ameaça de esfacelamento do que eu supunha sólido. É um reconhecimento de quem sou, da minha essência. Nesse mergulho vejo que há outro aspecto que me completa que é a minha existência. Se eu sou essencialmente o que o cinema é, eu existo concretamente através das pessoas que me dão corpo. Tenho um nome, um endereço, normas de funcionamento, critérios de escolha de filmes, etc., que me dão concretude. As pessoas que formam a minha identidade são de diversas origens, idades, profissões e têm em comum o interesse pelo cinema. Algumas estão comigo desde que eu nasci, outras vieram depois, muitas se foram e muitas chegaram, me renovando e me fortalecendo. Certamente o fato de eu ser um grupo aberto contribui para a minha longevidade, pois ideias e ares novos são sempre salutares.

Hoje, no meu aniversário de 25 anos, posso registrar que tenho cumprido a tarefa a que me propus desde a minha criação, ou seja, a de ser, não apenas um espaço dedicado ao prazer da discussão de filmes, mas que também permita que as pessoas se encontrem para descobrir o que antes olhavam sem ver. É bonito constatar que um bom filme pode provocar mais indagações do que respostas. Penso que esse é um bom exercício para se aprender a pôr em dúvida nossas confortáveis certezas. Nesta rememoração, como não lembrar do prazer que a beleza plástica e o tratamento poético de muitos filmes nos oferecem! As discussões ampliam a compreensão de cada filme e muitas vezes a reflexão sobre as contradições humanas e o quanto é difícil o ofício de viver.

Em meio a tantas lembranças sobre o meu percurso, sinto agora uma ponta de tristeza. Acho que estou com saudades de mim. Nossos encontros estão sendo virtuais, sem o calor da presença física. Estou aprendendo a viver sem conviver e me agarrando à ausência, que é a minha realidade possível agora. Também me entristece constatar que, assim como as crises pessoais e familiares trazem à tona as mágoas e ressentimentos jogados debaixo do tapete, uma catástrofe como a que nos atinge torna mais evidente a grave e vergonhosa desigualdade pré-existente no nosso país. Assim, embora todos estejam ameaçados, são os mais vulneráveis os que mais sofrem as consequências dessa tragédia.

Pois é, a vida está sempre jogando na nossa cara que temos muito menos poder de decisão sobre nossas escolhas do que nossa fantasia onipotente supunha. Quem sabe, a gente um dia consiga aprimorar nossos recursos internos para lidar melhor com as feridas narcisísticas que as crises provocam em nós, e a humanidade possa deixar de ser predadora de si mesma.

Mas hoje é meu aniversário, faço 25 anos e trago em mim todos os sonhos do mundo.

8 comentários:

Marcia Mesquita disse...

Lindo texto, maravilhoso!!

Claudinha disse...

Rianete sempre afiadíssima em seus textos!!! Obrigada por mais esta contribuição/reflexão sobre nosso grupo! Você é figura imprescindível em nossos debates. Mesmo na era virtual, precisamos de você, querida Rian. Beijos

Oziris disse...

Lindo texto, Rian. A mesma doçura e sabedoria de sempre! Obrigada.

Maria Emília, a Mila disse...

Rian, querida, obrigada por mais essa partilha. Seu texto é extraordinariamente sensível. E me representa. Sinto a mais imensa saudade dos nossos encontros presenciais! Beijos.

Ana Rosa disse...

Parabéns, Rian, pelo saboroso texto cheio de bossa e jovialidade.

Joanile disse...

Lindo texto <3

Unknown disse...

Homenagem sensível e merecida Rian!! Parabéns por sua generosidade!
Estou no grupo há 2 filmes e parece já ter desfrutado muito! É revitalizante conhecer e passar a fazer parte dessa história!!

FLAVIA MARONI SIMONSEN disse...

adorei seu texto e quero ler seu livro !