PO**@, ANTHONY HOPKINS!!!

Apontamentos sobre o filme MEU PAI, de Florian Zeller

21.04.2021
Por Toninho Gonçalves


Estamos envoltos neste turbilhão pandêmico, neste desgraçado país, contando mortos aos milhares, chorando entre quatro paredes e se despedindo de gente querida por rede social. Ficamos à espera das boas notícias coletivas e de um naco de felicidade pessoal. E nessa cota de alegria que nos cabe fazem parte músicas, livros e filmes, além dos entes amados.

Em relação ao "cinema em casa", depois de ver alguns bons longas, várias porcarias e filmes meia-boca, me deparei ontem com MEU PAI [disponivel nas plataformas de streaming no NOW, Itunes, Google Play, Sky Play e Vivo Play]. THE FATHER é, a meu ver, um filmaço, o mais perturbador da era Covid. E esse crédito se deve a um promissor diretor (e também escritor da peça adaptada para teatro e cinema) Florian Zeller e, principalmente, a um monstro das telas: Anthony Hopkins. Sua atuação é superlativa e irreparável.

Não, Hopkins não faz o papel do monstro assustador ou um novo Hannibal Lecter - o inesquecível psiquiatra e psicopata assassino de O Silêncio dos Inocentes. Em MEU PAI, ele é tão somente um pai. "O" pai que vive um processo de demência. The Father.

Pra começar, o título original, com artigo definido, é mais apropriado à perspectiva subjetiva das percepções e perturbações do protagonista. O diretor Florian Zeller não se distancia do personagem, não narra o que está se passando com a vida de Anthony, do ponto de vista objetivo de contar uma história sobre alguém. Muito menos é o ponto de vista de uma filha e seu pai. A perspectiva da narração se dá nas ações do próprio protagonista que está vivenciando um processo desconcertante de demência. As confusões de tempo, espaço, situações e pessoas não embaralham somente a mente do personagem, embaraçam também a nossa mente, pois estamos ali participando dos mesmos sobressaltos de Anthony em confronto com as "suas" realidades.

Vivenciamos, na hora e meia de filme, a mesma realidade perturbada e dilacerante de Anthony. Por isso o título brasileiro "meu" pai não corresponde plenamente, por não ser uma história contada por um filho ou uma filha que vai narrar momentos dolorosos da demência de um pai. No longa, a perda da memória de Anthony, não é um processo externo. É interno, pessoal e intransferível. "O" pai na visão do autor - do escritor e do cineasta - é esse ser universal que se constitui confusamente por seus atos, pensamentos, falas, desaforos, irritações, transtornos, angústias e silêncios. Esse ponto de vista de realidade incerta, de passado e presente indefinidos, de confundir lugares e pessoas próximas ocupam o espaço cênico, restrito a, praticamente, ambientes fechados: a casa de Anthony e a casa da filha. Aliás, a filha Anne, é interpretada pela também magistral atriz britânica Olivia Colman.

Em tempos de isolamento e muito sofrimento, não deixa de ser assombroso assistir a essa exasperante história de dissolução e perda do controle de uma vida. Mas toda essa dor desaparece por mágica pelo ambíguo prazer de assistir a esta pequena grande obra iluminada pela vitalidade transbordante de Anthony Hopkins.

O Oscar de melhor atuação parece que já tem o seu dono.

4 comentários:

Anônimo disse...

artigo muito bem escrito e que define com clareza a angustia do espectador que se envolve nos dilemas do protagonista , numa situação que é frequente no dias de hoje. O artigo Faz jus ao enorme alento de um grande ator que conquistou merecidamente o Oscar conforme previsto.

Ana Maria Falsarella disse...

Muito bom seu comentário. Exatamente isso: as sensações da própria pessoa que vai se tornando senil. Hopkins está magistral.

Iara Ramos Brito disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
flavia m s disse...

esse artigo mostra com muita propriedade a situação do protagonista que vai nos envolvendo com suas lembranças e nos faz pensar como ele , confunde o passsado com o presente e a realidade vai se tornando cada vez mais distante... o ator interpreta de forma magistral o personagem que nos faz pensar sobre a vulnerabilidade de cada um de nós ... um filme brilhante com um personagem à sua altura