A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese 
e
O Artista, de Michel Hazanavicius

Ecos da Discussão de 04.03.2012
por Cláudia Mogadouro

          

No último dia 4 de março de 2012, antes da reunião propriamente dita ter início, exibimos dois curtas metragens de Georges Méliès: Um Homem de Cabeças (Unhomme de tetês, 1898) e o lendário Viagem à Lua (Le voyagedanslalune, 1902). Fiz também uma pequena apresentação sobre o chamado “primeiro cinema” (1896-1915), como introdução à nossa discussão sobre dois filmes que se reportam a essa época e ao advento do cinema sonoro. Curiosamente, tanto O Artista como A Invenção de Hugo Cabret disputaram cada prêmio do Oscar, além de outros festivais internacionais. Por mais que nosso gosto não coincida com o do Oscar, é difícil não entrarmos nesse clima de comparação entre os dois filmes, mesmo reconhecendo que ambos são excelentes. Optamos que cada um, ao se manifestar, já falasse sobre os dois filmes. Algumas pessoas haviam assistido apenas a O Artista, mas foi sobre o filme de Scorsese que mais deu pano pra manga. 

Foi feita uma relação sobre a situação de Hugo proteger-se dentro de um relógio e a pré-adolescência, período em que há muito medo de se enfrentar o mundo, momento de muitos conflitos internos. O mundo lá fora é difícil e, paradoxalmente, o relógio marca o tempo, a vida real. É bom sonhar, mas é preciso manter os pés no chão. Na verdade, há muito mais perdas do que ganhos em nossa vida e o filme fala muito das perdas. O autônomo estava perdido, o policial perdera a perna na guerra, a chave estava perdida, os filmes do primeiro cinema estavam perdidos. Hugo perdera seu pai e buscava achar um sentido para sua história. Falamos também das desfuncionalidades que antes eram escondidas; no filme estão à mostra em vários personagens (especialmente no policial muito bem interpretado por Sacha Baron Cohen). A guerra é uma marca de dor e traz à tona “o diferente”. 

Foi ressaltado também o papel poético com que a ciência é tratada na fábula de Hugo Cabret. O desenvolvimento científico e tecnológico é relacionado a uma matriz racional, fria. No entanto, o cinema, que é pura tecnologia, traz o sonho, a magia. O conserto do autômato também. É uma máquina que depende de uma chave (em formato de coração). É o afeto que pode auxiliar Hugo a decifrar o enigma da chave, que tem a ver com sua própria história. É da falsa dicotomia máquina versus sonho que se fala. 

Falamos também do diálogo literatura e cinema. A garota Isabelle apresenta a Hugo o encantamento proporcionado pelos livros e ele, em troca, lhe mostra o mundo mágico do cinema. Foi notado que o único livro que Hugo conhece é Robson Crusoé, a história do menino que se isola. Um dos filmes que os divertem é de Harold Lloyd, em que ele se equilibra no alto de um relógio (cena reproduzida ao final do filme). Por falar em citação, a maior sacada de Scorsese é nos trazer a mesma (ou equivalente) emoção de 1895, da chegada do trem na estação, mostrada pelos Irmãos Lumière, só que agora com a tecnologia 3D. Metalinguagem finíssima! Aliás, falamos que o 3D é um recurso técnico. Só isso. Por si só, não garante um bom filme. A suposta nostalgia de Scorsese está questionando o próprio 3D e a essência do cinema hoje. 

O grupo destacou a importância das crianças no filme de Scorsese e discutimos bastante o forte efeito dessa opção para o marketing, na cinematografia atual. Mas também lembramos a fala de Mélliès no filme: o cinema “faz o homem sonhar durante o dia”. O cinema foi destruído na França, com a guerra, sentido simbólico da perda da capacidade de sonhar. As crianças não haviam presenciado a guerra, portanto, elas é que dão conta de elucidar o enigma. 

Sobre O Artista, as falas foram mais consensuais, mas todos gostaram muito do filme, também. A ousadia dessa obra é discutir a expressividade humana, principalmente através da luz e do som. Também é um filme que oferece uma experiência sensorial além do comum, pois nos leva a sentir o mesmo que o espectador do final da década de 20. 

Citamos duas cenas que talvez se tornem antológicas: a cena em que Peppe Miller veste parte do paletó de George e imagina que ele a abraça; e o pesadelo de George com a sonoplastia. O som dentro do filme, resultado do desenvolvimento tecnológico, propõe novos parâmetros culturais e o filme fala da dificuldade de nos adaptarmos a essas novidades e da tensão da transição. 

O Artista também fala da personalidade egocêntrica de George (ele não saía do personagem), mas também da generosidade tanto dele, ao dar espaço para que ela apareça, como dela (Peppe Miller) que faz tudo para salvá-lo. Falamos também que o cachorro (personagem que não fala) é que merecia o Oscar.

Como um todo, o grupo adorou os dois filmes, mas demonstrou preferência por A Invenção de Hugo Cabret. Reunião intensa e também antológica, como os dois filmes.

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