Golpe de Sorte em Paris
(Coup de Chance), França, EUA, Reino Unido, 2023, 93 min)
O filme estreou em 19/09/24 e pode ser visto em algumas
sessões e salas de exibição em São Paulo. Veja nosso guia de programação neste
site.
Direção e
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Lou de Laâge (Fanny), Melvil Poupaud (Jean), Niels Schneider
(Alain), Valérie Lemercier (Camille, mãe de Fanny)
Sinopse: Fanny e Jean formam um casal ideal. Ela trabalha para uma casa
de leilões. Ele é um investidor que fez fortuna com o dinheiro dos outros. Vivem
em um grande apartamento de classe alta em Paris e estão apaixonados. Até que,
um dia, Fanny reencontra um amigo de escola, Alain, um escritor que confessa que
sempre foi apaixonado por ela. Começa, então, um triângulo amoroso.
Sobre o
diretor:
Allan Stewart Königsberg nasceu em 1º de dezembro de 1935, no bairro do
Brooklin, em Nova Iorque. Filho de comerciantes de classe média, Allan, que
nunca fora um aluno brilhante, passou a escrever piadas para alguns periódicos e
a se sustentar com o humor. Aos 16 anos, criou o pseudônimo Woody Allen
(que ele achara engraçado) para não ser reconhecido por seus colegas de escola.
Nunca chegou a concluir nenhum curso universitário. Nos anos 1960, ficou
conhecido escrevendo programas de humor e fazendo comédias stand-up.
Destacava-se pela qualidade dos diálogos e rapidez com que criava situações e
textos engraçados.
Em 1965, foi convidado a participar do roteiro do filme O que é que há, gatinha?
e acabou sendo escalado também para o elenco. O filme fez muito sucesso e Woody
Allen se popularizou como roteirista e ator. O primeiro filme dirigido por ele
foi Um assaltante bem trapalhão (1969) e, desde então, tem realizado, em
média, um filme por ano. Seus mais de 50 filmes têm um público cativo no Brasil,
mas nos Estados Unidos nem sempre ele é bem quisto, pois revela um humor ácido
contra a forma de vida dos norte-americanos. Já foi premiado com alguns Oscar,
porém, toda vez que é indicado, não costuma comparecer à premiação, como forma
de explicitar seu desprezo pela poderosa indústria cinematográfica de Hoollywood.
Woody Allen constantemente aparece atuando em seus filmes, nem sempre como o
protagonista. O personagem que ele representa, ao contrário de muitos outros
comediantes do cinema, como Chaplin ou Groucho Marx, não usa qualquer tipo de
disfarce. Ele sempre faz o papel de um homem comum, nem feio nem bonito, cheio
de defeitos e incertezas, atormentado por tentar alcançar o sentido da vida. Por
isso mesmo, seus filmes são universais. Mesmo quando não atua nos filmes, muitas
vezes o seu alterego é facilmente identificado, como em Celebridades
(1998) ou Meia Noite em Paris (2011), pois é extremamente popular em
todos os cantos do mundo.
Embora seja conhecido por suas comédias, que apresentam diálogos cortantes,
Woody Allen tem fases diversas em sua filmografia, não só em relação a temas e
gêneros, mas também no processo de produção. Fã incondicional do cineasta Ingrid
Bergman, realizou alguns filmes considerados “bergmanianos”, densos e
intimistas, como Interiores (1978), Setembro (1987) e A Outra
(1988). Realizou grandes trabalhos com reconstituição de época como em A
Era do Rádio (1987) e o pseudo-documentário (mockmentary) Zelig
(1982) (esse. Em relação à produção, embora tenha conseguido razoável
independência, o diretor ligou-se à Dreamworks – produtora de Steven
Spielberg – entre os anos de 2000 e 2003, realizando algumas comédias de sucesso
como Trapaceiros (2000), O Escorpião de Jade (2001) e Dirigindo
no Escuro (2002), que não agradaram à crítica especializada. Neste último –
em que ele é um diretor de cinema que fica cego e realiza um péssimo filme –
fracasso de público e crítica – Woody Allen antecipa sua fase seguinte, ao
dizer: “ainda bem que existem os franceses que entendem os meus filmes”. Essa
brincadeira, na verdade, revela o cinema no qual ele acredita: o cinema autoral,
isto é, em que o diretor deixa sua marca, como é predominante na cinematografia
europeia. Nos EUA, desde os primórdios do cinema, são raros os diretores que
conseguiram autonomia em relação aos produtores, os chamados diretores do cinema
independente norte-americano, em oposição à forte indústria cinematográfica dos
EUA.
Apaixonado assumido pela cidade de Nova Iorque, sempre faz homenagens à beleza e
à efervescência cultural de sua cidade natal, como no filme Manhattan
(1979). Assim mesmo, realizou grandes filmes na Europa: Match Point (2005
– Inglaterra, produção britânica), Vicky Cristina Barcelona (2008,
Espanha/EUA), Meia-noite em Paris (Midnight in Paris, 2011,
Espanha/EUA), Para Roma, com Amor (To Rome with Love, 2012,
Espanha/EUA/Itália) .
Depois, voltou a filmar nos EUA: Blue Jasmine (2013), Magia ao Luar
(Magic in the Moonlight, 2014), O Homem Irracional (Irrational
Man, 2015), Café Society (2016), Roda Gigante (Wonder Wheel,
2017), Um Dia de Chuva em Nova York (A Rainy Day in New York,
2019). Volta a fazer filmes na Europa com O Festival do Amor (Rifkin’s
Festival, 2020, EUA/Espanha e Itália) e agora Golpe de Sorte em Paris
(Coup de Chance, EUA/França e Reino Unido, 2023). Golpe de Sorte em
Paris é seu primeiro filme em língua não inglesa.
Woody Allen cria um forte diálogo com as outras forma de arte, como a
literatura, artes plásticas e teatro. Em seus filmes, a criação artística é
sempre um tema de relevância e, entre seus protagonistas, muitos são escritores,
dramaturgos, atrizes, donas de galeria de arte, cineastas. Em Tiros na
Brodway (1994), o protagonista está sem inspiração para terminar o roteiro
de sua peça de teatro e é salvo pelas ideias do segurança do gângster que produz
a peça. Em Desconstruindo Harry (1997), ele mesmo interpreta um escritor
com bloqueio criativo. Em Poucas e Boas (1999) o protagonista é um músico
de jazz. Em muitos filmes, faz homenagens explícitas ao cinema, como em
Neblina e Sombras (1992), em que ele recria toda a ambiência do
expressionismo alemão. Em Poderosa Afrodite (1995), o alerta às
atrapalhadas do protagonista é dado por um grupo de teatro grego. Em Match
Point (2005) a história conversa o tempo todo com Crime e Castigo de
Dostoiévski.
Com o filme A Rosa Púrpura do Cairo (1985), ele fez, senão a maior, uma
das maiores homenagens ao cinema já realizadas. A história de Cecília que busca
no cinema a válvula de escape para seus problemas cotidianos – a ponto de entrar
na tela – é uma de suas obras primas. Outra das suas obras que brinca com o
cinema, a partir da metalinguagem, temos Melinda e Melinda (2005), uma
discussão sobre o drama e a comédia que acaba sendo uma aula de roteiro.
Outra marca de Woody Allen é a música. Com exceção de Match Point (2005)
em que ele nos leva para o mundo da ópera, o diretor escolhe sua trilha sonora
com o melhor do jazz clássico. Ele, que também é músico (toca clarineta em um
clube de jazz em Nova Iorque), faz uma ponte para que muita gente, a partir de
seus filmes, passe a se interessar por jazz.
Toda a sua filmografia é criativa, diversificada e, indiscutivelmente, rica em
temas e expressões artísticas. Mesmo entre seus fãs, alguns de seus filmes são
considerados melhores que outros. Qual seria sua obra prima? A Rosa Púrpura
do Cairo (1985)? Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977)? Manhattan
(1979)? Hanna e suas Irmãs (1986)? Parece que essa é uma pergunta
impossível de ser respondida, como se viu, por exemplo, com o sucesso de crítica
e público de Meia-noite em Paris (2011). Inspiradíssimo, neste filme ele
mobiliza todos os ícones dos anos 20, da literatura às artes plásticas, para
falar de sonho e utopia. Como Chaplin, ele fala de temas extremamente sérios em
tom de comédia.
O que parece consenso é que Woody Allen realizou muitas obras primas e alguns
filmes considerados “menores”, mas mesmo estes são filmes muito melhores que a
maioria exibida nos cinemas. Woody Allen ganhou a Palma de Ouro em Cannes, em
2002, pelo conjunto de sua obra.
O “cancelamento”. Em 1992, Woody Allen e Mia Farrow protagonizam uma das
maiores brigas públicas da história do cinema. Mia descobre que Woody Allen
namorava sua filha adotiva Soon-Yi_Previn (com quem está casado há 27 anos e tem
duas filhas). Entre as brigas no tribunal, surge a denúncia de que ele teria
abusado de sua filha Dylan, então com 7 anos de idade. A briga dividiu o mundo,
apesar de não haver provas contra ele e ele sempre declarar sua inocência. Em
2018, o caso voltou à tona, já em um contexto mais polarizado. Woody Allen
perdeu financiamento, foi abandonado por anunciantes. Vários atores e atrizes
que trabalharam em seus filmes (e fizeram muito sucesso) se declararam
arrependidos. Allen contornou a situação voltando a filmar na Europa e, apesar
de tanto imbróglio, mantém-se relevante da História do Cinema Mundial. O
Grupo Cinema Paradiso sempre separou essas acusações de sua obra e discutiu
boa parte de sua filmografia.