Foxcatcher: a solidão de homens solitários

Artigo de 19.02.2015
por Marcos Eça

O filme Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo (2014, EUA), dirigido por Bennett Miller (Capote, 2005, e O Homem que Mudou o Jogo, 2011), é baseado em uma história real passada às vésperas dos Jogos Olímpicos de Seul em 1988. O longa narra um momento triangular entre o milionário americano John du Pont (Steve Carell de O Virgem de 40 Anos) que convida o campeão olímpico de luta Mark Schultz (Channing Tatum de Magic Mike) e seu irmão mais velho David (Mark Rufallo de Minhas Mães e Meu Pai) a fazerem parte de sua equipe de lutas (Foxcatcher) e participarem das Olimpíadas de Seul. Como o filme estrutura-se por meio do cruzamento desses três personagens, tratarei de discorrer acerca de cada um e levantar algumas hipóteses interpretativas.
Mark é um sujeito distante e recluso que vive isolado. No início do filme, realiza uma palestra em uma escola infantil, no lugar de seu irmão David, sobre o que é ser campeão. Porém, parece não ter a menor sensibilidade para falar a crianças, pois o faz de maneira mecânica, como se estivesse discursando para um grupo de acadêmicos. Fascinou-me o trabalho de Channing Tatum pela forma como seu personagem, Mark, é construído. Seus movimentos assemelham-se a um animal e ele anda como se fosse um macaco. Talvez seja este o melhor termo para definir Mark: um primata. O rosto do ator está mais retangular do que o normal, reforçando ainda mais seu traço primitivo. Mark é um homem pouco lapidado e não sabe lidar com seus sentimentos e emoções, predominando quase sempre o primitivo e o isolamento em sua forma de ser e estar no mundo. A única pessoa com quem ele tem sintonia é seu irmão David e isto pode ser constatado nas conversas de ambos ao longo do filme. O cuidado e o carinho que David nutre por Mark é observado em várias passagens, principalmente quando ambos se abraçam e se apoiam na testa um do outro, parecendo dois animais se acariciando.
David (em atuação primorosa de Mark Rufallo) é também um campeão olímpico e um excelente treinador de lutas. Foi ele quem sempre treinou Mark para as competições olímpicas. David é casado, tem dois filhos, parece ser feliz com sua família, ao contrário de Mark que é a solidão personificada – não tem amigos, não namora, não se diverte, apenas vive em função de seu instinto de lutar. Dá a impressão que se não lutar, outros virão e será passado para trás. David, por sua vez, parece ser mais ambicioso e centrado. No entanto, quando é convidado por John du Pont a ser lutador na equipe Foxcatcher ao lado de Mark e participar das Olimpíadas, David declina alegando estar estabilizado e não querer mudar de cidade com sua família naquele momento. Mas, isto ocorrerá posteriormente no filme. Apenas Mark, nessa ocasião, aceita o convite de John du Pont. A meu ver, este é um gesto faustiano na medida em que, aceitar trabalhar para um milionário excêntrico, significa vender a alma ao diabo e entrar em um processo de declínio.
John du Pont (incrível interpretação de Steve Carell) pertence a uma família tradicional e poderosa dona de vários haras nos Estados Unidos. Quando Mark vai morar em sua imensa e luxuosa propriedade, recebe uma fita de vídeo cassete e descobre quem é essa família. Como hobby, John lidera com mão de ferro a equipe de lutadores Foxcatcher. Mais do que um passatempo, esses homens são objetos de seu controle, são seus títeres. A mãe, Jean du Pont (interpretada por Vanessa Redgrave), é dominadora e não o incentiva nas lutas, afirmando tratar-se de um esporte inferior. Ela mantém o filho sob as suas rédeas e o recrimina por suas escolhas profissionais; como também por seu filho gostar de lutas, esporte que não a atrai em nada. As imagens que abrem o filme mostram os cavalos da propriedade dos du Pont e entendemos a importância desses animais na vida e na gênese da família. Na propriedade, há vários cavalos puro sangue campeões de corrida. Quando a Sra. du Pont morre, John liberta-se das rédeas de sua mãe e, talvez para vingar-se dela, solta todos os cavalos a fim de que sejam livres.


Ao tratar do tema da liberdade, o filme traz uma questão interessante. Assim como Mark, John du Pont aparece quase sempre sozinho, rodeado de serviçais. Há um momento em que ele conta a Mark que em sua infância tinha um amigo, filho de um empregado. Porém, anos mais tarde descobriu que esse rapaz não era realmente seu amigo, visto que sua mãe pagara à família para que o jovem estivesse próximo a ele. John não tem amigos, não namora, não se casou e aparece apenas trabalhando na academia rodeado por seus lutadores. Ele também tinha outra paixão: os pássaros. Talvez desejasse ser livre como eles. O filme elabora vários aspectos da personalidade de John e, apesar de não ser explícito, fica claro que ele era um homossexual enrustido que não conseguia lidar com sua sexualidade. Por este motivo, colecionava “bonecos”, isto é, seus lutadores para realizar de forma manipuladora suas vontades e desejos.
Tanto Mark quanto John du Pont são personagens extremamente solitários e, por este motivo, parecem dar-se bem em um primeiro momento. Contudo, à medida que o filme transcorre, a relação desanda e, uma vez que a alma foi vendida, virá a cobrança e a convivência entre ambos torna-se insustentável. Com um tapa, John subjuga Mark física e emocionalmente e se desinteressa pela sua habilidade de lutador. As Olimpíadas se aproximam e John decide convidar David, irmão de Mark, a ser treinador da equipe Foxcatcher, e ele aceita. Isto mais magoa Mark do que o alivia. Mas, o tiro sai pela culatra, e de caçador John passa a ser presa.
A meu ver, a solidão, a perda, a falta de esperança são o leit motif do filme. Ou seja, Mark que não teve quase ninguém durante sua vida, agarrou-se à luta para continuar sobrevivendo, mas ainda assim acaba de forma decadente. John du Pont, desde o berço tinha tudo para ser feliz, mas também era um ser solitário e precisou agarrar-se à luta para poder realizar-se como ser humano; acaba também de maneira decadente. A solidão marca a vida desses homens e me faz pensar sobre um Estados Unidos que foi glorificado apenas no início e no fim do filme. Ou seja, vejo esses homens solitários como uma alegoria acerca de um país só e isolado, que precisa ser aclamado para criar a ilusão de que tudo transcorre na normalidade. Mas será que transcorre mesmo? Foxcatcher é um filme hollywoodiano de extrema qualidade. Consegue nos entreter, ao mesmo tempo em que nos faz refletir sobre o mundo atual. Imperdível!

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