Cinema e Luz

24.03.2015
Elaboração: Profª Drª Cláudia Mogadouro

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) proclamou que o ano de 2015 será o Ano Internacional da Luz e das Tecnologias baseadas em Luz. A ideia é ressaltar a importância da luz e das tecnologias ópticas no nosso cotidiano, o que só tende a aumentar no futuro. O que o Cinema, que tantas marcas culturais têm deixado em nossas vidas, tem a ver com a luz?

Os estudos da luz e da óptica

Os estudos da luz e da óptica vêm desde a Antiguidade, quando Euclides criou a câmera escura, para demonstrar que a luz viaja em linha reta. A câmara escura é uma caixa com um único orifício. A luz externa passa por ele e atinge uma face interna da caixa, onde é reproduzida a imagem invertida. O princípio desse pequeno experimento tornou-se base para a invenção e desenvolvimento de aparelhos como o microscópio. Alguns pintores renascentistas, na busca de aprimorar a luz das suas obras, utilizavam-se da câmera escura. Um deles era o pintor holandês Johannes Vermeer (1632-1675), cuja vida é o tema do belíssimo filme Moça com Brinco de Pérolas (2003), dirigido por Peter Webber. É possível assistir ao trecho em que o Vermeer (Colin Firth) mostra à jovem Griet (Scarlett Johansson) como funciona a câmera escura, no link.

Mais tarde surgiu a lanterna mágica, que consistia em uma caixa cilíndrica iluminada à vela, que projetava imagens pintadas em vidro fino. Esse invento é considerado o primeiro projetor de imagem em movimento. Logo depois, essas invenções levaram ao desenvolvimento da fotografia (aproximadamente, em 1826), cujo nome vem do grego e significa “desenhar com a luz”. Nesta mesma época, Peter Mark Roget explica o fenômeno denominado “persistência retiniana”. Segundo o cientista, uma imagem captada pelo olho humano persiste na retina por uma fração de segundo. Se várias imagens forem projetadas de forma sequencial e rapidamente, a retina as associa e a ideia é de movimento ininterrupto, criando, portanto, uma ilusão de óptica. Anos mais tarde, Joseph Plateau descobriu que o tempo que a imagem fica retida na retina equivale a 1/10 de segundo, o que faz com que o movimento mais rápido que essa fração seja imperceptível para o olho humano.

Luz e cinema 

Há controvérsia sobre a invenção do cinema, ou, como se chamava na época, cinematógrafo. São vários os pioneiros: Thomas Edison registrou a patente do seu aparelho, o quinetoscópio, em 1893. Edison tinha uma equipe muito grande de inventores e técnicos em seu laboratório, em New Jersey (EUA), e todas as 2.332 invenções que fizeram foram patenteadas apenas em seu nome. Os irmãos alemães Max e Emil Skladanowsky fizeram uma exibição de 15 minutos do bioscópio, seu sistema de projeção de filmes, em um grande teatro de vaudeville de Berlim (Alemanha), dois meses antes da apresentação feita pelos irmãos Lumière, na Paris 28 de dezembro de 1895, na França. Todos esses marcos demonstram como a revolucionária invenção resultou de uma sequência de pesquisas e descobertas, todas relacionadas ao controle da luz e à ilusão de óptica das imagens em movimento.

O quinetoscópio de Thomas Edison possuía um visor individual por meio do qual se podia assistir, mediante a inserção de uma moeda, à exibição de uma pequena tira de filme, na qual apareciam imagens em movimento de números cômicos, animais amestrados e bailarinas. Para fazer esses filminhos ele usava o quinetógrafo. Outra novidade de Edison é a construção do primeiro estúdio de cinema, que foi apelidado de “Black Maria”, por se parecer com os camburões da polícia na época, que tinham esse nome. Totalmente pintada de preto, tinha um teto retrátil, para deixar entrar a luz do dia, e que girava sobre si mesma, para acompanhar o sol.

               

Perseguir a luz do sol passou a ser a razão de muitos cineastas. Os sets passaram a ser construídos em grandes caixas envidraçadas, para garantir a presença da luz do dia por mais tempo. Aos poucos, foram descobrindo que era possível acrescentar a iluminação artificial à natural. 

Na fase inicial do cinema, a maior parte das produções norte-americanas era realizada na costa leste dos EUA, em Chicago ou Nova York. A partir de 1910, algumas companhias independentes começaram a explorar os cenários da costa oeste do país. O clima de calor e o sol intenso foi um dos motivos determinantes para que a maior indústria de cinema do mundo, a de Hollywood, se instalasse na região da Califórnia.

A luz como parte da linguagem 

O mestre do cinema italiano Federico Fellini, em seu livro “Fazer um Filme”, escreveu sobre a luz no cinema: 

A luz é a substância do filme e é porque a luz é, no cinema, ideologia, sentimento, cor, tom, profundidade, atmosfera, narrativa. A luz é aquilo que acrescenta, reduz, exalta, torna crível e aceitável o fantástico, o sonho ou, ao contrário, torna fantástico o real, transforma em miragem a rotina, acrescenta transparência, sugere tensão, vibrações. A luz esvazia um rosto ou lhe dá brilho... A luz é o primeiro dos efeitos especiais, considerados como trucagem, como artifício, como encantamento, laboratório de alquimia, máquina do maravilhoso. A luz é o sal alucinatório que, queimando, destaca as visões. 

Durante os primeiros 20 anos do cinema, a luz era uma condição muito necessária para captar a imagem, mas ela era usada sem criatividade, apenas como recurso técnico. Aos poucos, a luz passou a fazer parte da narrativa. Fotógrafos começaram a fazer experimentos para obter efeitos mais suaves com a luz, como na imagem, da atriz Lilian Gish, em O Lírio Partido (Griffith, 1919). A atmosfera poética conseguida por Griffith neste filme passou a ser referência como estética a ser alcançada pelos fotógrafos.


No período da República de Weimar, em 1920, na Alemanha, surge um movimento cinematográfico que influenciou o cinema mundial: o expressionismo alemão. Com ênfase na organização das cenas (luz, decoração, arquitetura, distribuição das figuras) com reforço do figurino e maquiagem estilizados, a ideia do movimento era criar um clima de deformação que expressasse o mal estar vivido naquele país, especialmente com o fim da primeira grande guerra. 

Utilizando-se de uma luz mágica, o movimento abusava dos contrastes, dos efeitos de luz e sombra, para simbolizarem a luta entre o bem e o mal. Muitos dos filmes expressionistas advêm da literatura romântico-fantástica. A estética altamente sofisticada amparava-se na composição dos planos, na fotografia e na iluminação, lembrando que ainda se estava no cinema silencioso, sendo os elementos estéticos os únicos responsáveis pela compreensão da narrativa pelo espectador. Nesta época de vanguardas estéticas dos anos 1920, a pesquisa com experimentos de iluminação no cinema alcança o seu auge.

               

Nos anos 1930 e 1940, após a depressão nos EUA, alguns filmes se propõem a refletir o clima de pessimismo daquele país, baseados em romances policiais. Não eram grandes produções, ao contrário, talvez justamente por se filiarem aos chamados “filmes B”, sem expectativa de grande bilheteria, obtinham certa liberdade de produção. Esse conjunto de filmes que quase sempre traziam detetives como protagonistas, com louras fatais e cenas noturnas com iluminação sofisticada, foi chamado de Cinema Noir.

Anos mais tarde, o mestre do cinema de suspense Alfred Hicthcock esmera-se em criar efeitos de iluminação antológicos, como no filme Suspeita (1941), em que uma mulher desconfia que seu marido quer envenená-la. Na cena em que o ator Cary Grant sobe as escadas, levando um copo de leite para sua esposa, o diretor colocou uma luz dentro do copo, criando um clima de absoluto suspense para o espectador com apenas um truque de iluminação. O mesmo diretor, no filme Janela Indiscreta (1954), usa a luz como arma, na cena em que o fotógrafo, interpretado por James Stuart usa os flashes de sua máquina para cegar o assassino.


Cinema brasileiro

O cinema brasileiro também tem ótimos exemplos de bons usos da luz e de excelentes diretores de fotografia. Por exemplo, no filme Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, a luz estourada é tão intensa, que o espectador quase sente calor e sede ao ver a saga de uma família no nordeste brasileiro. 

Como na nossa vida cotidiana, no cinema a luz é essencial, mas nem sempre percebemos sua importância. Independente de ser um recurso técnico ou estético, seus efeitos é que trazem a magia para a narrativa.

"Artigo escrito e publicado no Portal NET Educação: www.neteducacao.com.br"

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