Acima das nuvens, de Olivier Assayas

Ecos da Discussão de 31.01.2015
por Cláudia Mogadouro com colaboração de João Moris


Começamos nossas atividades de 2015 com um filmaço, que foi unanimidade: Acima das Nuvens de Olivier Assayas. O grupo estava saudoso dos encontros e ainda recebemos vários participantes novos: João Moris, Márcia Ridenti, Mônica Cândido e Alexandre Guimarães. Renata Hernandes nos deu a alegria do seu reaparecimento, visto que participava do grupo na primeira fase durante os anos 90. Isto mostra que entre nós não existem ex-integrantes. A reunião contou com 22 pessoas e todos tinham feito a “lição de casa”.
Tentarei sintetizar aqui a densa discussão que tivemos em 18 de janeiro, mas adianto que aceito com prazer discordâncias e complementos.

Vários filmes dentro de um filme
Todos concordaram que há muitos filmes dentro do filme Acima das Nuvens, até porque é uma obra metalinguística que soube provocar o espectador com esse jogo. Nem todos se sentiram bem com as provocações: houve quem achasse cansativo, mas a maioria dos presentes valorizou o caráter “cerebral” do filme, o que levou muitas pessoas a reflexões no cinema e fora dele. A intertextualidade criava “pegadinhas”, deixando o espectador em dúvida se o diálogo era do filme ou da peça lida e ensaiada pelas personagens centrais Maria e Valentine. Isso aconteceu em várias outras situações, como no momento em que ambas estão no cinema ou quando Maria assiste no tablet os escândalos da jovem atriz Jo-Ann, muito bem representada por Chloë Grace Moretz. O espectador assiste estas cenas pelos olhos de Maria. Além disso, há várias personas em Juliette Binoche, como bem nos lembrou Hirao: a própria atriz Juliette, a que interpreta Maria, a que interpretou Sigrid há 20 anos e a que vai interpretar Helena.

O ego das atrizes – não é nada simples envelhecer
Uma das questões centrais do filme é a discussão sobre o ego das atrizes (visto que é um filme sobre personagens femininos). Segundo Flávio, o envelhecimento possivelmente é mais doloroso para as mulheres do que para os homens, mas é ainda pior para as atrizes, porque a decadência física pode representar a decadência profissional. Joka nos mostrou que essa insegurança é exposta no filme durante a discussão sobre qual é o papel principal ou secundário da peça sendo ensaiada. Maria foi revelada ao mundo das artes quando interpretou o papel de Sigrid aos 18 anos, no auge de sua juventude. Para Maria, Sigrid é a principal e ela tem certo desprezo pela personagem Helena, a quem agora é chamada a interpretar. Aceitar o papel que ela considera secundário é muito difícil, pois essa escolha evidencia seu envelhecimento (ou amadurecimento?)

Cinema Europeu X Cinema Hollywoodiano
Outra questão colocada por mim, e reiterada por muitos, é que o filme também discute a questão do cinema europeu versus cinema hollywoodiano. Ou ainda: a dicotomia entre a atriz clássica (de teatro e cinema) versus a atriz do cinema ultra-comercial americano, que fabrica sucesso e cultiva celebridades efêmeras. Não por acaso, Assayas escolheu a atriz Kristen Stewart (que fez Crepúsculo e está sempre na mídia) para atuar ao lado de Binoche como sua assistente. Todos gostaram da atuação de Stewart como Valentine, até mesmo a crítica. Mônica Mogadouro achou (e alguns concordaram) que a assistente não suportou a intensidade com que Maria se atira à preparação da personagem Helena, por isto desaparece do filme repentinamente. Maria sofre para compor a personagem, vai ao local de criação da peça, corta os cabelos, se entrega com profundidade, o que é compreensível para a geração de Binoche. Mas Valentine, além de ser bem mais jovem, não é atriz, portanto não está preparada para esse mergulho muitas vezes doloroso.
Também achamos que foi uma ótima sacada do diretor o fato de Val compreender o desaparecimento da personagem Helena como um “sair de cena” e não como suicídio. Logo depois, ela mesma toma chá de sumiço.

O velho e o novo
Muitos concordaram com que o filme trata da contraposição entre as gerações, o que foi mostrado por muitos ângulos e com muita complexidade pelo diretor. Cristina achou que o tema central é “preconceito”, as ideias cristalizadas que se negam a aceitar as novas. E o quanto precisamos repensar nossas certezas. Muitos se identificaram com a personagem Maria, porque também se sentem deslocados nesse mundo mega conectado, com atualizações e fluxo de informações constantes. O que fazer com nossa experiência acumulada? Ela cabe em algum lugar nesse contexto ou de nada serve? Flávio sintetizou a tensão vivida por Maria: ela se sentia uma diva e acreditava que seu chão seria permanente; no entanto, o chão começa a se quebrar e ela demora a perceber isso. Muitas pessoas de meia idade, que já têm história construída, se sentem também sem chão no mundo atual.

Mas muitos do grupo se irritaram com a postura de Maria, vendo como arrogância a forma como ela tratava sua assistente, desqualificando tudo o que ela trazia de “novo”. Muitos relembraram relações de trabalho conflituosas parecidas com a relação de poder que Maria estabelecia com Valentine, em que o pessoal e o profissional se misturam muito, fazendo com que o elo mais fraco não suportasse mais a relação.

Nada é absoluto
O grupo foi relembrando várias cenas em que a questão velho versus novo está colocada e a maioria achou que o filme não assume uma posição simplista. Cito apenas alguns exemplos, entre os muitos levantados:
- a cena em que as duas mulheres se jogam na água, apenas Maria fica nua (coragem de Juliette!), enquanto Val veste uma calçola. Lembramos que as adolescentes de hoje parecem muito mais avançadas, no entanto, demonstram vergonha em situações em que a geração de Binoche é mais arrojada.
- Alexandre achou que o diretor tomou uma posição ao lado da geração mais velha, ridicularizando o novo, por exemplo, quando mostra o filme de mutantes de forma tosca; ao mesmo tempo, apresenta a serpente de nuvens (fenômeno simbólico e tradicional daquele lugar) de forma muito mais elaborada artisticamente, em cena belíssima. Todos concordaram que foi uma opção estética, no entanto, há outros elementos do filme que equilibram essa posição;
- João, por sua vez, acha que o conflito de gerações foi colocado pelo diretor de forma equilibrada e respeitosa, sendo mostrado não apenas no despreparo e surpresa de Maria diante do novo, mas também na maneira que as gerações mais novas colocam em xeque os pressupostos que Maria, como celebridade, acumulara ao longo da vida. Assim sendo, João sente que a geração mais nova no filme é mostrada não apenas como alienada diante de certas questões, mas questionadora, inquieta e criativa.
- ao final, o jovem diretor (de 25 anos, que nem tinha currículo) defende para Maria que seu personagem futurista é atemporal e que ela – uma mulher mais velha – poderia perfeitamente fazer o filme;
Por último, registro aqui a inspirada fala de Mila que viu no movimento do trem, no início do filme, uma sugestão de que ele vem do passado. A serpente de nuvens vem do futuro para o presente. O filme fala do presente, não linearmente mas em espiral. Mila lembrou também da .importância do passado para compor o presente e da sublimação vivida nos relacionamentos (entre o escritor e Maria jovem; entre Maria mais velha e Valentine, por exemplo). Renata Melo nos brindou com esta máxima: o mundo é daqui para o futuro!
Espero que gostem da síntese. Sugestões bem-vindas.

1 comentários:

Marcia Perígolo disse...

Claudia querida,
Assisti este filme em BH neste mesmo período em que pelos registros do site do grupo vocês realizaram o encontro quinzenal. Que maravilha de filme, suas cenas, diálogos e impressões estiveram por muito tempo rodeando a minha memória. Admiro os diálogos que nos fazem sair do lugar comum principalmente os temas que permeiam com frequência e profundidade o nosso momento presente. Neste fim de tarde da capital das Minas Gerais, onde me encontro agora, depois de quase dois anos após você ter escrito este texto, eu pude relembrar e novamente sentir a alegria das vezes que quando morava em Sampa estive presente nos encontros do Grupo de Cinema Paradiso. Saboreando os quitutes postos à mesa como as proveitosas interpretações e impressões de cada colega presente sobre o filme, até hoje me alimentam a alma. Saudade de todos, dos que conheci e dos que ainda estão por vim. Abraço grande, minha amiga !