Novas tecnologias, novas mudanças, adeus à linguagem?

04.09.2015
por Marialva Monteiro (*)


Por que as novas tecnologias, às vezes, são consideradas ruins e associadas ao lado negativo da modernidade?. 
Jean Luc Godard aos 84 anos de idade realizou o filme Adeus à linguagem e usou a técnica 3D como ninguém havia utilizado até então. No filme ele diz: “a pintura e a música nunca receberam um prêmio Nobel, só a literatura”. E ainda: “Eu busco a pobreza na linguagem”. E acrescenta: “ Você sabia que em russo câmera quer dizer prisão?”. De uma forma bastante provocadora Godard mistura texto escrito com texto audiovisual usando nesta proposta a imagem tempo, a imagem espaço e a imagem movimento. Não utiliza a técnica 3D para assustar o espectador com cenas de ações que batem na nossa cara. Ele inova usando o espaço do plano tridimensional com imagens fixas sem utilizar o movimento, empregando a duração do plano. Isto incomoda o espectador, que está acostumado com a ação em movimento. O filme me fez pensar em como ainda desconhecemos a linguagem cinematográfica! 

Não só o filme, mas uma experiência que vivi recentemente me fez matutar sobre o assunto – técnica e linguagem - e querer divagar um pouco sobre este tema. 
Quando me chamam para participar, como jurada, em algum festival, fico muito feliz, pois assim tenho oportunidade de conhecer novas cinematografias e novas terras. E já participei de muitos, festivais infanto-juvenis, em vários países como Rússia, Bulgária, Polônia, França, Venezuela, Bolívia e outros. 
O último convite me chegou em maio deste ano para ser jurada no DIVERCINE, festival infanto-juvenil que já está na sua 24ª edição e acontece em Montevideo. Mas desta vez foi diferente. Eu não teria que sair de casa para viajar até lá. “Que pena”, pensei. Não iria rever aquela cidade com o seu ar europeu que já havia conhecido em outra ocasião, também como jurada. 

A proposta era ver os filmes pela internet e depois, através do Skype, me reunir com as outras duas juradas, uma que mora em Buenos Aires, Argentina e outra que vive em Bogotá, Colômbia. Pensei: “isto não vai dar certo!” Mas tudo funcionou muito bem! 

Pudemos assistir a 13 curtas metragens de animação, 8 curtas de ficção, 2 curtas documentários e 2 longas metragens. 
No dia 30 de julho combinamos o horário da reunião por Skype. 
Aconteceram fatos interessantes. A reunião era às 18 horas e, ainda, às 17: 30, eu estava preocupada por não chegar para a decisão final em casa, pois estava presa dentro de um táxi num engarrafamento na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Assim que cheguei em casa, me conectei ao skype e não obtive resposta da colombiana. Logo ela se comunica por e-mail, dizendo que também estava num “tráfico horrible” e que eu só ligasse o skype às 18:30. Rio de Janeiro e Bogotá nesta hora se tornaram muito semelhantes. 

Mariana, a jurada argentina também não conseguiu chegar em casa no horário previsto porque estava viajando e o avião atrasou. Tivemos que nos comunicar por e-mail. 

Novos tempos, novas mudanças, novas formas de se comunicar! 

Tive que “sucumbir” às novas tecnologias! O catálogo do festival me foi enviado por meios virtuais e pude folheá-lo, vendo todas as sinopses e fotos dos filmes. Recebi também as fotos da cerimônia de encerramento, onde não estive presente fisicamente, mas participei ativamente, até colaborando no texto que escrevemos para justificar os prêmios, que foi lido nesta ocasião. 

É todo um novo aprendizado que temos que receber para não ficarmos atrasados e defasados diante das mudanças do mundo contemporâneo. 

Mas ainda continuo pensando que nada substitui a visão dos filmes no “escurinho do cinema”. Nada substitui o prazer de folhear as páginas de um livro sentindo o cheiro de uma nova edição recém saída do prelo, ou o cheiro de papel velho da edição que consegui encontrar no sebo. 

Ah Dieu! Oh! langage! diz Jean Luc Godard no filme. 

(*) Marialva Monteiro nasceu em Salvador/BA. É filósofa, com pós-graduação em Filosofia da Educação. É fundadora do CINEDUC – Cinema e Educação, entidade que trabalha há 45 anos com o uso da linguagem audiovisual no processo educativo. É de sua autoria, com Elisabete Bullara, o livro Cinema: uma janela mágica, sobre linguagem cinematográfica destinado aos jovens leitores. A re-edição do livro sairá em breve.

1 comentários:

Janete disse...

Muito bom o texto da Marialva.
Há pouco tempo, meu marido participou de uma banca de doutorado em casa. A banca estava em Salvador. Outro arguidor estava no Rio de Janeiro. Deu tudo certo. Não houve atrasos. Aconteceu assim, por que a Universidade em Salvador não tinha verbas para pagar os gastos de transportes e estadias dos arquidores. Eu, particularmente, acho ótimo que tudo isso aconteça, pois adoro tecnologia.
Mas, infelizmente, o contato humano se perde. Como comemorar com um almoço depois? Tirar fotos juntos? Abraçar os amigos e familiares? É meio triste...
E, concordo com a autora do texto: o "escurinho do cinema" é insubstituível!!!