Estreias Brasileiras de Janeiro a Abril de 2016

02.05.2016
por João Moris


Nos quatro primeiros meses deste ano foram lançados 30 filmes brasileiros nos cinemas. Equivale a uma média de 7 a 8 filmes por mês, o que é um número considerável. Como sempre, o grave problema do lançamento de filmes brasileiros em uma ou duas salas da cidade em horários reduzidos, o que dificulta muito o acesso do público ao cinema nacional. 

Além de Os Dez Mandamentos – lançado em 28/01 em 1.000 salas pelo Brasil afora com muito estardalhaço e uma bela jogada de marketing em que a produtora (TV Record) comprou os ingressos dos cinemas antecipadamente para dar a impressão que se esgotaram – os filmes que mais atraem público e contam com um bom lançamento continuam sendo as comédias e aventuras com atores famosos vindo da TV (Vai Que Dá Certo 3, Até Que a Sorte nos Separe 2, Reza a Lenda etc). Enquanto as novelas no Brasil continuarem a reinar como o entretenimento de massa número 1 do País, os filmes brasileiros de maior bilheteria deverão ser aqueles “colados” à telenovela ou à estética televisiva. Mas, há sinais de esgotamento deste modelo e, para bem ou para mal, algumas propostas diferentes estão surgindo, mesmo entre os filmes mais comerciais. 

Dos filmes nacionais que assisti este ano, há sempre os instigantes que valem o ingresso e merecem nosso prestígio. Há de se ressaltar que nenhum desses filmes tem violência explícita, cenas apelativas ou apenas reproduz nossas mazelas sociais, características estas geralmente atribuídas ao nosso cinema e que supostamente afugentam o público. Há de se reconhecer, entretanto, que muitos de nossos filmes têm pouco apelo comercial e geralmente não são voltados ao “grande público” 

Seguem abaixo meus comentários sobre alguns filmes brasileiros lançados entre janeiro e abril por ordem de preferência:

Para Minha Amada Morta (dir. Aly Muritiba) Um brilhante exercício de cinema, o filme retrata o drama de um introspectivo fotógrafo forense, que juntamente com seu filho de 10 anos buscam superar o trauma da morte precoce da esposa. Com um clima ora de tensão ora de suspense e mistério, o filme se revela aos poucos, sem nunca descambar para o óbvio. É acima de tudo um envolvente filme sobre vínculos (afetivo, sexual, de confiança, de interesse, de convivência...) que nos faz refletir sobre a precariedade das relações humanas.


Sinfonia da Necrópole (dir. Juliana Rojas) O quê? Um filme musical passado num cemitério? O inusitado é a marca registrada desta comédia de humor negro paulistana muito bem bolada sobre morte, passagem do tempo e rito de passagem. As músicas melodiosas com letras inteligentes tornam-se um aporte interessante ao filme, sem nunca interferir na trama ou diminuí-la. Apesar da temática, o filme deixa uma sensação de leveza quando termina. A diretora e roteirista, Juliana Rojas, foi a mesma que nos deu o diferente Trabalhar Cansa (2011). Uma promessa talentosa do cinema nacional, a ser observada de perto.


A Bruta Flor do Querer (dir. Andradina Azevedo / Dida Andrade) Filme de baixo orçamento e com muitas qualidades, provando que falta de recurso não é sinônimo de pouca criatividade. Conta as agruras, dilemas e frustrações de um jovem cineasta na casa dos 20-30 anos que não consegue se firmar no mercado de trabalho e tem de viver de bicos filmando casamentos. Com certeza, o filme agradará a muitos jovens nesta fase da vida, principalmente os que vivem em cidade grande. O filme tem uma estrutura narrativa interessante, com um tempo todo próprio, sem aqueles movimentos de câmera frenéticos típicos do cinema independente atual que cansam o espectador. Os próprios diretores formam o casal central do filme, que tem uma trilha sonora muito bem colocada, dando um destaque todo especial às cenas. 

Boi Neon (dir. Gabriel Mascaro) Um lançamento bastante aguardado, é mais um ótimo filme vindo do já consagrado polo pernambucano de cinema. O roteiro parte de uma premissa muito peculiar: um vaqueiro que viaja pelo Nordeste como ajudante das famosas vaquejadas e que sonha em se tornar estilista de moda. No meio da rudeza do ambiente em que os personagens vivem, o filme tece muitas camadas sutis. Seu grande mérito é trazer matizes diferentes aos padrões sociais impostos pelo machismo, pelo autoritarismo e pela pobreza. A narrativa do filme busca fugir da linearidade. Não é um filme para todos os públicos, mas quem embarca na proposta se vê imerso num universo ambíguo e sedutor.

Mundo Cão (dir. Marcos Jorge) Uma espécie de thriller policial com uma história surpreendente e cheia de reviravoltas, ritmo ágil e direção firme. O filme amarra bem a trama sem apelar para a violência gráfica, exigindo a participação e cumplicidade do espectador. A história gira em torno de um funcionário do Departamento de Combate à Zoonose, cuja vida é transformada quando captura um rottweiller, aparentemente abandonado, mas que pertence a um chefão do crime violento. Pena que o filme se torne um tanto frouxo e previsível do meio para o fim, criando quase um anticlímax. Ainda assim, um filme de qualidade. Teve um lançamento péssimo e ficou pouco tempo em cartaz nos cinemas. Uma lástima, uma vez que tem tudo para agradar qualquer tipo de público.

Nise, o Coração da Loucura (dir. Roberto Berliner) Outro lançamento bastante aguardado, o longa conta a trajetória da revolucionária psiquiatra alagoana Nise da Silveira (1905-1999), que na década de 40 desafiou o cruel sistema psiquiátrico brasileiro vigente na época, introduzindo técnicas humanistas no tratamento de pacientes com esquizofrenia, cujos distúrbios mentais eram até então tratados à base de eletrochoques. Contado de maneira convencional, o filme não arrisca muito, mas tem seus momentos, principalmente nos trechos em que expõe as belíssimas imagens do subconsciente dos internados. O filme é importante para conhecer o trabalho desta grande mulher e cientista brasileira que foi Nise da Silveira.

Exilados do Vulcão (dir. Paula Gaitán) Dirigido pela viúva de Glauber Rocha e ganhador de prêmios em festivais, este é um filme extremamente rigoroso do ponto de vista estético e narrativo. Um primor de fotografia, iluminação, planos e edição, o longa conta a trajetória de uma mulher que perde o amado e, ao se deparar com o diário deste homem, decide percorrer o caminho feito por ele, conhecendo as pessoas que ele conheceu e os lugares pelos quais passou. Este é somente o fio condutor de uma história fragmentada, contada sem diálogos, apenas com frases declamadas em off em um filme difícil de acompanhar, cheio de contrastes, imagens oníricas e que não faz concessão ao cinema comercial. Os que se arriscarem a embarcar nesta viagem cinematográfica de 120 minutos poderão se sentir imensamente recompensados.

A Frente Fria Que a Chuva Traz (dir. Neville de Almeida) Dirigido por um cineasta veterano (o mesmo de A Dama do Lotação) e baseado em peça teatral do dramaturgo Mario Bortolotto, o filme se passa na laje de uma favela do Rio de Janeiro onde jovens endinheirados participam de festas regadas a muita droga, bebida, funk e palavrão (o sexo é apenas sugerido, nunca mostrado). O longa flerta com o cinema marginal, tem alguns momentos interessantes e diálogos afiados e até engraçados, mas não consegue se descolar da dramaticidade do teatro e acaba perdendo força, principalmente no final. A sensação que fica ao término do filme é que o roteiro ficou incompleto e que os personagens não foram devidamente trabalhados pelo diretor.

Ela Volta na Quinta (dir. André Novais Oliveira) Um filme mineiro que mistura documentário e ficção. O diretor filmou os próprios pais e o irmão para contar a história de um casal de idosos que atravessa uma crise conjugal e como isto afeta a vida dos filhos e da família. Não é um filme fácil de assistir, por seu estilo narrativo um tanto repetitivo e circular com longas falas, mas ainda assim fiquei preso à trama esperando para ver o que ia acontecer. Em alguns momentos, o filme nos pega de surpresa pela naturalidade dos diálogos (será verdade? será ficção?). Em outros momentos, não consegui me envolver com os personagens pela opção narrativa (cansativa) do diretor. Dito isto, vale a pena conferir.

Surpreendentemente, entre os lançamentos de filmes nacionais nos quatro primeiros meses deste ano, houve poucos documentários. A destacar, Yorimatã (dir. Rafael Saar) sobre a dupla de compositoras, cantoras e percussionistas Luli e Lucina, cuja carreira deslanchou nos anos 60 na época dos grandes festivais. Desconhecida do grande público, a dupla tem um vasto repertório de músicas de uma beleza ímpar, tocadas e cantadas com um estilo muito pessoal, harmônico e vigoroso. Algumas composições ficaram famosas, como “O Vira”, “Fala” e “Bandoleiro”, todas gravadas por Ney Matogrosso, que dá uma canja no filme. O documentário possui uma edição caprichada e dá um mergulho no universo musical e pessoal destas duas artistas, que têm uma história realmente fascinante.


Outro documentário bastante comentado, Eu Sou Carlos Imperial (dir. Renato Terra / Eduardo Calil), conta a história conturbada do polêmico produtor e compositor do show business brasileiro. Imperial esteve envolvido no lançamento das carreiras de vários nomes importantes da música brasileira, entre eles Roberto Carlos, Elis Regina, Tim Maia e Clara Nunes. Contado em estilo tradicional, com depoimentos de várias pessoas que conheceram e conviveram com Imperial, o documentário mostra que, além da fama de “cafajeste”, “pilantra” e “mulherengo”, ele também era vingativo e mentiroso contumaz. Entre as mentiras que disseminou, a notícia da cenoura introduzida no ânus do ator global Mário Gomes na década de 70, amplamente “comprada” pela mídia da época, o que destruiu a carreira do ator, então no auge. 

O Futebol, do documentarista brasileiro radicado na Espanha Sérgio Oksman, vencedor do festival É Tudo Verdade deste ano, parte de uma premissa interessante: o resgate da relação do diretor com o pai após 20 anos de ausência em um registro autobiográfico. O reencontro entre os dois acontece durante a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, em que buscam algo que (re)estabeleça o vínculo entre eles – no caso o futebol. Apesar de passarem muito tempo juntos durante o mês da Copa, o distanciamento da relação pai-filho e a falta de afeto entre ambos dão o tom do documentário. Isto acabou por me distanciar do filme, que talvez propositadamente não me passou nenhum tipo de emoção ou envolvimento com os protagonistas.

Um outro documentário, que não teve muita repercussão nos cinemas, é Quanto Tempo o Tempo Tem (dir. Adriana Dutra), com fotografia do renomado diretor Walter Carvalho. O filme entrevista filósofos, escritores, jornalistas, cientistas e psicólogos brasileiros e estrangeiros (entre eles, Domenico de Masi, Marcelo Gleiser e André Comte-Sponville) para fazer um questionamento sobre a falta de tempo e a aceleração do mundo contemporâneo. O filme também faz uma reflexão sobre civilização e o futuro da existência humana. O documentário busca se aprofundar nas questões que se propõe, mas a linguagem cinematográfica quadrada e a ambição intelectual do filme acabaram provocando um distanciamento e um cansaço mental neste espectador. 

Nos primeiros quatro meses do ano, houve também curiosas produções brasileiras em parceria com produções estrangeiras lançadas em nossos cinemas. A mais notória foi Zoom (dir. Pedro Morelli), coprodução da O2 Filmes com o Canadá. O longa mistura animação com ficção em três histórias que se mesclam ao longo do filme, com algumas grandes sacadas. Contando com atores como Gael Garcia Bernal, que foi todo filmado em animação, e a brasileira Mariana Ximenes, o filme tem uma proposta interessante na mistura de linguagens e enredos, mas o resultado fica aquém do inicialmente esperado. O Brasil é mais uma vez retratado como o país tropical com mulheres sensuais e cheias de tesão. 

Outra coprodução, desta vez entre o Brasil e Portugal, também dirigida por um brasileiro, é o filme Histórias de Alice (dir. Oswaldo Caldeira), que conta a trajetória de um brasileiro quarentão que vai a Portugal tentar resgatar (e entender) as raízes de sua família. Embora tenha uma direção de arte caprichada e um certo clima de nostalgia, o filme está recheado de clichês, diálogos sofríveis e atuações irregulares. Em que pese o esforço da coprodução de aproximar o Brasil e Portugal (ainda tão distantes!), o cinema ainda nos deve filmes melhores sobre nossa relação com os portugueses.

Por fim, não posso deixar de registrar uma curiosa produção britânica chamada Onde o Mar Descansa (“Sea Without Shore” dir. André Semenza / Fernanda Lippi), dirigida por um suíço e uma brasileira radicada em Londres, interpretada por duas atrizes/dançarinas brasileiras e falada em sueco. O filme é ambientado nas florestas da Suécia no final do século XIX e busca dialogar com o universo da poesia, da pintura e da dança. Apesar da fotografia deslumbrante, trata-se de um filme experimental e fechado com uma linguagem que não me cativou, mas que certamente sensibilizará aqueles ligados a estas formas de arte. 

Cabe aqui uma menção honrosa ao Espaço Itaú de Cinema, ao Cine Caixa Belas Artes e ao CineSESC por serem os poucos (dos 40 circuitos exibidores existentes no Brasil) a exibir filmes brasileiros não-comerciais como alguns destes que comentei acima. É lamentável que os vários cinemas da cidade de São Paulo (são mais de 300 salas!) não se disponham a passar mais filmes nacionais. Poderiam oferecer um cardápio mais amplo de filmes (como os nossos excelentes documentários, curtas e médias metragens, por exemplo) em mais horários. Parece que muitos exibidores e programadores de filmes desconhecem o cinema nacional ou não acreditam no seu potencial. Perdem a oportunidade de ampliar os hábitos de seu público e alcançar um público mais diversificado. Vamos torcer para que vingue a ótima iniciativa da Prefeitura de São Paulo de exibir filmes nas salas do Circuito SpCine de Cinema gratuitamente e que mais pessoas tenham acesso e conheçam melhor o cinema nacional. 

Fontes de consulta: Adoro Cinema (www.adorocinema.com) | IMDB (www.imdb.com)


1 comentários:

Marcos Peter Pinheiro Eça disse...

Que fôlego, João! Gostei bastante dessa síntese que você elaborou do cinema brasileiro dos primeiros meses de 2016. Ela é bem pertinente e, apesar de suas ressalvas, valoriza nosso cinema. Poderíamos enviarmos esse texto para as salas exibidoras de filmes a fim de perceberem a força de nosso cinema. E quem sabe não começam a passar filmes nacionais que não somente tenham a grife Globo Filmes ou TV Record. Torço pela salas do Circuito SpCine. Enfim, seu poder de síntese é ótimo e nos permite ter noção desse apanhado do cinema brasileiro. Muito bom. Marcos Eça