Estreias Brasileiras Maio-Agosto 2016

12.09.2016
por João Moris

De maio a agosto deste ano foram lançados 38 filmes brasileiros nos cinemas, totalizando 68 filmes nos primeiros 8 meses de 2016. 

Apesar dos problemas costumeiros de distribuição e exibição dos filmes nacionais, o cinema brasileiro continua “mandando bem” em termos de qualidade, comprovando que, se houver incentivo e interesse público, nosso cinema pode produzir obras cada vez melhores. 

Dos filmes nacionais que assisti entre maio e agosto deste ano, destaco por ordem de preferência:

Aquarius (dir. Kleber Mendonça Filho) O filme mais aguardado do ano estreia em grande estilo e chega como um ato de resistência aos abusos de poder e às injustiças cometidas no Brasil de hoje, ontem e sempre. Um filme geracional e nunca piegas que emociona do começo ao fim. A coragem e a dignidade da personagem Clara, feita sob medida para Sonia Braga que aqui recupera sua condição de grande atriz, me inspiram e me fazem acreditar que vale a pena insistir, resistir e persistir no que acredito para ajudar a construir um país mais digno. Sem dúvida, um dos melhores filmes do ano e que presente do diretor Kleber Mendonça a nós, brasileiros! Para completar, o filme tem como tema a música do Taiguara, “Hoje”, que continua mais viva e atual do que nunca.

Ponto Zero (dir. José Pedro Goulart) Um filme brilhante em todos os aspectos (enredo, fotografia, narrativa, linguagem...). Trata do rito de passagem de um adolescente de 14 anos, filho de uma família disfuncional de Porto Alegre. Contado de maneira não convencional, o filme me pegou de surpresa logo nas imagens iniciais. O longo plano-sequência do garoto na chuva na segunda parte do filme é uma das mais belas cenas do cinema brasileiro dos últimos anos. Não é para menos: o diretor gaúcho José Pedro Goulart foi um dos fundadores, juntamente com Jorge Furtado, da Casa de Cinema de Porto Alegre, importante polo cinematográfico do país. O filme foi discutido pelo Grupo Cinema Paradiso em 12/06.

Mãe Só Há Uma (dir. Anna Muylaert) Palmas para a diretora Anna Muylaert, que teve a coragem de lançar um filme ousado e muito diferente do seu filme anterior, Que Horas Ela Volta?, que foi um grande sucesso de bilheteria. Este filme transgride os padrões vigentes ao contar a história do jovem Pierre, de 17 anos, que descobre ter sido raptado da maternidade ao nascer e foi criado por uma mãe “adotiva”. Pierre curte meninos e meninas, pinta as unhas, usa rímel, batom. Quando se muda para a casa da família biológica, passa a usar vestidos provocantes. Gosto da forma fragmentada como o filme se desenvolve, desafiando nossos pressupostos e causando incômodo, características de muitos filmes brasileiros dos últimos anos. Infelizmente, o filme não foi escolhido para discussão do Grupo Cinema Paradiso.

Naomi Nero, em Mãe Só tem Uma, de Anna Muylaert (2016)

Paulina (La Patota – Argentina/Brasil/França – dir. Santiago Mitre) Apesar de ser uma coprodução internacional liderada pela Argentina, este filme tem participação da VideoFilmes, produtora de Walter Salles, e portanto é considerado um filme brasileiro também. Um dos melhores lançamentos do ano, Paulina é um filme vigoroso, atual e pungente sobre relações de poder e desigualdades sociais na América Latina. Conta a história de Paulina, filha de juiz influente de Buenos Aires, que decide largar a carreira de advogada para se tornar professora de uma escola nos confins da Argentina. Imperdível! Pena que este filme também não foi incluído na discussão do Grupo Cinema Paradiso. O jovem diretor argentino Santiago Mitre fez o filme O Estudante e roteirizou filmes importantes, como Elefante Branco, Abutres e Leonera.

Dolores Fonzi em Paulina, de Santiago Mitre (2015)

Campo Grande (dir. Sandra Kogut) Mais um grande filme brasileiro que cutuca nossas mazelas sociais com criatividade e sem clichês ou estereótipos. Conta a história de duas crianças da periferia do Rio de Janeiro deixadas na porta de um prédio de Ipanema, portando um bilhete com o nome e telefone de uma moradora do edifício. A “casa grande” e a “senzala” se chocam nesse microcosmo, num filme nunca previsível, de grande carga emocional e complexidade. Há uma cena memorável com uma das crianças ouvindo um piano pela primeira vez ao som da música "Love", de John Lennon. Não deixe de ver!

A Despedida (dir. Marcelo Galvão) Um filme seminal sobre um dia importante na vida de um idoso de 92 anos (num tour de force impressionante do ator Nelson Xavier), que decide sair sozinho pelas ruas de São Paulo e acertar contas com o seu passado, inclusive seu relacionamento com a mulher da sua vida, 55 anos mais nova do que ele. Com movimentos de câmera e iluminação impecáveis e com um tempo todo próprio, o filme emociona e inspira a reflexão sobre a passagem do tempo e a velhice. Pequeno grande filme!

Juliana Paes e Nélson Xavier em A Despedida, de Marcelo Galvão (2015)

Brasil S/A (dir. Marcelo Pedroso) Mais um filme autoral de um diretor vindo do chamado Polo Pernambucano de Cinema, que há 20 anos nos brinda com filmes provocadores e instigantes. Este filme experimental situa-se entre o documentário e a ficção para mostrar as transformações pelas quais passam o Brasil contemporâneo: a mecanização crescente do campo, a explosão urbana brasileira, o desenvolvimento a qualquer custo e como isto afeta as relações sociais. Com uma fotografia de tirar o fôlego, o filme conta a história do Brasil atual sem diálogos e em apenas 70 intensos minutos. Obrigatório!

Brasil S.A, de Marcelo Pedroso (2014)

Big Jato (dir. Chico Assis) O filme mais “ameno” do polêmico diretor pernambucano Chico Assis é também seu filme mais sentimental e envolvente. Baseado no livro do escritor e jornalista Xico Sá, a partir de suas memórias, o filme é um registro afetivo da infância e juventude do autor passadas numa cidadezinha do sertão de Pernambuco. O pré-adolescente Francisco é amante de poesia, sonha ser escritor e trabalha com seu pai, que dirige um caminhão limpa-fossa pelos vilarejos do interior pernambucano. Como o slogan diz, trata-se de “um filme que fede verdade e cheira sonho”. Vale o ingresso.

Espaço Além – Marina Abramović e o Brasil (dir. Marco Del Fiol) – Um documentário sobre a famosa e polêmica artista de performance iugoslava, Marina Abramović. O filme trata do envolvimento da artista com a espiritualidade e o misticismo do Brasil e sua passagem por vários lugares considerados místicos e sagrados no país (Abadiânia, Chapada dos Veadeiros, Salvador, Chapada Diamantina etc). O diretor Marco Del Fiol é respeitoso com as pessoas e os rituais que aparecem no seu documentário, mas muitas vezes senti que o filme é feito para alimentar o ego da artista. O filme também me trouxe à mente uma questão crucial da construção do cinema documental que é a relação do diretor com o objeto do filme enquanto representação da realidade. De qualquer forma, o filme se distancia do Brasil cartão-postal e mostra locais e rituais que muitos brasileiros desconhecem.

O Diabo Mora Aqui (dir. Dante Vescio/Rodrigo Gasparini) Uma raridade nos nossos cinemas: um filme brasileiro de terror. Embora contenha os clichês típicos do gênero (casarão isolado no meio da natureza, evocação de espíritos, tramas diabólicas etc), o filme é muito bem feito e nada fica a dever aos similares importados. E tem o mérito de apresentar uma história com personagens tipicamente brasileiros e referências à escravidão, aos senhores de engenho e exus presos em porões, inclusive com um personagem maléfico e assustador, o Barão do Mel. Um filme que se assiste com um misto de curiosidade e suspense. Apesar dos exageros, um filme bem feito.

Menino 23 – Infâncias Perdidas no Brasil (dir. Belisario Franca) Um instigante e estarrecedor documentário que fala da escravização de crianças no Brasil durante o Estado Novo por simpatizantes do nazismo. Eugenia, racismo, trabalho infantil, o fascismo no governo Getúlio Vargas e instituições oficiais duvidosas são temas abordados no filme, desmascarando a noção falsa da democracia racial e da cordialidade do povo brasileiro. Nos créditos finais, uma estatística que mostra bem as contradições do Brasil quanto à questão racial: 55% dos brasileiros se considera pardo ou negro, 93% dos brasileiros diz que existe racismo no Brasil, mas apenas 1,3% do Brasil se considera racista.

Amores Urbanos (dir. Vera Egito) Primeiro longa dirigido pela jovem cineasta Vera Egito, oriunda da publicidade e da TV, o filme é um belo retrato da geração MTV, que hoje está beirando os 30 anos, e suas angústias, medos e preocupações. Em tom de comédia e com diálogos ágeis e interpretações verossímeis, conta a história de três amigos, Julia, Mica e Diego, que moram sós em São Paulo e vão a festas, dançam, bebem, contam segredos e partilham alegrias, tristezas e desilusões amorosas. Embora direcionado a um público específico, o filme tem grande potencial para cativar plateias mais adultas. 

Trago Comigo (dir. Tata Amaral) Apesar da importância do tema e de ser dirigido por uma realizadora consagrada, o novo filme de Tata Amaral não me cativou. Conta a história de um renomado diretor de teatro, interpretado por Carlos Alberto Riccelli, que depois de afastado dos palcos por muitos anos, volta a dirigir uma peça sobre uma parte da sua história – bloqueada emocionalmente por ele – quando foi guerrilheiro na ditadura militar e se apaixonou pela mulher de sua vida, Lia, ambos presos e torturados. Memória e esquecimento, ética nas relações, luta armada, a violência da ditadura brasileira e o choque de gerações são o motor deste longa e trazem um tom dramático e emocionado ao filme. Foi discutido no Grupo Cinema Paradiso em julho com ótima receptividade por parte dos presentes. 

Uma Noite em Sampa (dir. Ugo Giorgetti) Em tempos bicudos, uma comédia metafórica de fundo político de Ugo Giorgetti, veterano diretor paulistano, é sempre bem-vinda. Conta a história de um grupo de pessoas de classe média alta do interior paulista, que vão ao teatro em um ônibus fretado, mas à saída do teatro o motorista do ônibus some e elas ficam presas do lado de fora, no meio da noite em São Paulo em um local que não conhecem. A premissa do filme é muito interessante, começa de forma realista e termina de forma absurda, mas o resultado ficou um tanto aquém do que eu esperava. Não consegui me envolver com o filme.

Fome (dir. Cristiano Burlan) Filme curioso entre o ficcional e o documental, dirigido pelo jovem e eclético diretor paulistano Cristiano Burlan e estrelado por Jean-Claude Bernadet, um dos maiores estudiosos e pesquisadores de cinema em atividade no Brasil. O filme causa certo incômodo ao mostrar um velho mendigo que vaga pelas ruas do centro de São Paulo empurrando um carrinho de supermercado com seus pertences. A fotografia preto e branco impecável realça o tom ficcional do filme, mas a presença de uma pesquisadora fictícia, entrevistando moradores de rua reais para sua tese, tira a força inicial do filme e confunde o espectador. 

A Luneta do Tempo (dir. Alceu Valença) O famoso cantor e compositor pernambucano levou 14 anos para conseguir filmar este que é considerado um faroeste brasileiro, contando a saga do lendário cangaceiro Lampião e sua companheira Maria Bonita, cujo bando é caçado no sertão nordestino pela polícia liderada por Antero Tenente. Ambientado na década de 30, o filme tem uma fotografia bonita, músicas atraentes, narrativa pouco convencional, atuações convincentes. Mas, talvez pela falta de experiência do diretor ou falha de roteiro, o filme padece de um ritmo um tanto arrastado e chega ao fim sem empolgar. 

Mundo Deserto de Almas Negras (dir. Ruy Veridiano) Um filme autoral que tem um ponto de partida provocador: uma cidade de São Paulo em que a elite é formada por pessoas negras, enquanto os brancos vivem na periferia. O filme tem uma estética própria e o estranhamento típico dos filmes experimentais, mas o diretor não se decide entre a narrativa realista e a ficcional e o filme desanda. Mesmo assim, assisti-lo pode ser uma experiência diferente. 

Prova de Coragem (dir. Roberto Gervitz) / O Outro Lado do Paraíso (dir. André Ristum) / Vidas Partidas (dir. Marcos Schechtman) Embora tratem de temas relevantes (crise matrimonial, criação de Brasília e violência doméstica, respectivamente) e sejam protagonizados por artistas famosos, estes filmes deixam a desejar na maneira como estes temas são abordados na tela. Talvez por fazerem muitas concessões ao cinema comercial, são filmes com roteiro frouxo, previsíveis e até monótonos. Não há nada de novo na narrativa ou na linguagem, apesar de cada filme ter seu momento marcante.

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