Sugestões para a 43ª Mostra de SP

21.10.2019
Por H. Hirao

Sem Túmulo
The Graveless

Direção: Mostafa Sayyari
Irã, 2018, 80’
Um homem idoso acaba de falecer na cidade de Shiraz. Seus quatro filhos resolvem levar o corpo para a remota vila de Ahvaz, a aproximadamente 600 km de distância, onde o pai deles queria ser enterrado. 
Uma das características mais marcantes dos filmes iranianos é uma situação simples que desencadeia o filme, um fato que pode ser banal, como um menino que precisa encontrar a casa de um amigo ou um grupo de meninas que querem assistir a uma partida de futebol no campo. Obviamente, a morte do pai não é um fato banal, mas é o que inicia um road movie, em que três irmãos e uma irmã, cada um com personalidade diferente, são obrigados a viajarem juntos. Eles não se encontravam há alguns anos e sentem-se desconfortáveis, desconfiados e precisam se reconhecer como família de novo. Afinal, por que o pai queria ser enterrado naquele lugar? 

Petra Belas Artes, 17/10/19 (Quinta), 15:50
Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 3, 18/10/19 (Sexta), 13:30
Circuito Spcine Olido, 20/10/19 (Domingo), 19:30
Circuito Spcine Paulo Emilio – CCSP, 22/10/19 (Terça), 15:00
Cinearte 2, 25/10/19 (Sexta), 18:20


Cães do Espaço
Space Dogs
Direção: Elsa Kremser e Levin Peter
Áustria / Alemanha, 2019, 91’
Lembram do documentário turco Gatos (2016), sobre gatos de rua nas ruas de Istambul? Pois é, esse é sobre cachorros nas ruas de Moscou. No caso dos gatos, os cineastas inventaram engenhocas, robôs com câmeras embutidas para captar a naturalidade dos bichinhos sem assustá-los com humanos perseguindo-os pelas ruelas. Cães do Espaço não revela como as cenas foram filmadas, os animais também agem naturalmente, como se a câmera não estivesse lá, sem um observador humano filmando. Além disso, o filme intercala cenas de arquivo do programa espacial russo, da década de 1950 e 60. Laika, uma cachorra de rua, foi o primeiro ser vivo a ser enviado ao espaço, a bordo da nave Sputnik 2, em 3 de novembro de 1957. Também foi o primeiro ser vivo a morrer no espaço, algumas horas depois do lançamento. Há cenas fortes, como a caça a um gato, que pode chocar os “gatófilos” (eu sei, essa palavra não existe). Faz parte da natureza dos cães, assim como gatos caçam ratos, não?

Recebeu dois prêmios no Festival de Locarno 2019.
Espaço Itaú de Cinema – Augusta 1, 17/10/19 (Quinta) , 20:00
Cinearte 2, 18/10/19 (Sexta), 16:20
Sesc Belenzinho, 22/10/19 (Terça), 19:00
Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 3, 30/10/19 (Quarta), 19:10


Afterlife
Hiernamaals

Direção/roteiro Willem Bosch
Holanda, 2018, 93’
Aos 14 anos, a adolescente Sam sofre com a morte da mãe. Forçada a se tornar adulta, abre mão de seus sonhos e assume as responsabilidades de cuidar da casa, do pai e dos irmãos gêmeos menores. Quando a garota também morre, descobre uma forma de retornar à mesma vida, com a diferença de levar uma única lembrança que pode (ou não) salvar sua mãe.
A Holanda tem certa tradição em filmes para crianças e jovens, que raramente chegam por aqui e essa pode ser uma boa oportunidade para conhecer uma fantasia adolescente simpática, na linha de filmes como Se Eu Ficar (2014) ou Efeito Borboleta (2004). Pode não agradar cinéfilos em busca de reflexões mais sérias. Mas é bom lembrar que uma das atividades mais importantes da Mostra é formar um público jovem, trazendo estudantes de escolas públicas para sessões especiais.

Espaço Itaú de Cinema – Augusta 4, 17/10/19 (Quinta), 20:00
Circuito Spcine Paulo Emilio – CCSP, 19/10/19 (Sábado), 15:00
Cinearte 2, 20/10/19 (Domingo), 14:00
Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 4, 27/10/19 (Domingo), 15:45


Viver para Cantar
To Live to Sing
Direção/roteiro: Johnny Ma
China / França, 2019, 100’
Elenco: Zhao Xiaoli, Gan Guidan e Yan Xihu
Uma trupe amadora de atores de ópera luta para manter a tradição e o seu teatro. Eles têm um público fiel, mas reduzido, basicamente de idosos, pois os mais jovens não se interessam por ópera. Além disso, o teatro corre perigo de ser destruído pela gentrificação, o bairro está sendo demolido para dar lugar a modernos arranha-céus.
Um filme que contrasta as belas imagens das apresentações da ópera – roupas coloridas, efeitos de luz e fumaça, maquiagem, música – com as cenas de grandes máquinas derrubando paredes e levantando poeira. Um filme urgente e universal, que discute se é necessário destruir as tradições e a cultura para construir modernidade e avanços tecnológicos.
Já tem distribuidora, a Arteplex Filmes, está legendado em português e, provavelmente, deve estrear em breve nos cinemas.

Petra Belas Artes, 18/10/19 (Sexta), 17:10
Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 2, 19/10/19 (Sábado), 19:20
Cinearte 1, 20/10/19 (Domingo) , 16:50
Cinesesc, 25/10/19 (Sexta), 15:45
Cinesala, 29/10/19 (Terça), 21:45


Nimic
Alemanha / Reino Unido / EUA, 2019, 12’
Direção/Roteiro: Yorgos Lanthimos
Elenco: Matt Dillon, Lizzi Ceniceros e Susan Elle
Um violoncelista profissional encontra uma pessoa estranha no metrô. Ela o segue até sua casa e toma o lugar dele.
O Grupo Cinema Paradiso discutiu A Favorita (2018), do diretor grego Yorgos Lanthimos. Quem estava naquela reunião lembra que eu disse que Favorita não é um filme característico desse diretor. Nesse curta, Lanthimos volta a dirigir um filme “estranho”, mais próximo de seus longas Dente Canino (2009), O Lagosta (2015), e O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017). Estanho porque mostra uma situação surreal, o personagem do violoncelista perde seu lugar na família, no trabalho, enfim, no mundo. E ninguém parece se dar conta da troca. Notem as imagens fotografadas com lente grande angular que Lanthimos usou e abusou em Favorita. Na Mostra, o curta está sendo exibido com o longa grego O Garçom.

Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 1, 17/10/19 (Quinta), 17:15
Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 2, 18/10/19 (Sexta), 21:25
Reserva Cultural, 26/10/19 (Sábado), 18:10
Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 3, 29/10/19 (Terça), 20:40


Parasita
Parasite
Coreia do Sul, 2019, 131’
Direção: Bong Joon-ho
Roteiro: Bong Joon-ho e Jin Won Han
Elenco Kang-ho Song, Sun-kyun Lee e Yeo-jeong Jo
A família Kim é bastante unida, mas é pobre e sobrevive fazendo trabalhos temporários. Até que o filho mais velho é indicado para ensinar inglês para a filha mais velha da família Park. A família Park é rica e isso traz perspectivas de renda para os Kim.
O diretor coreano Bong Joon-ho faz um ótimo uso de cinema de diferentes gêneros para fazer crítica social. É o caso do kaiju movie (filme de monstros) em O Hospedeiro (2006), a investigação de um crime em Mother – A Busca pela Verdade (2009), e a ficção científica em Expresso do Amanhã (2013). Parasita é um drama familiar, que levanta questões como a crise do desemprego e a diferença de classes. Os cinéfilos vão reconhecer o ator Kang-ho Song, o “Ricardo Darín da Coreia do Sul”. Prestem atenção que a casa da família Park também é um personagem. Parasita venceu da Palma de Ouro no Festival de Cannes e é indicado da Coreia do Sul a uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro. Já conta com a distribuição da Pandora, está legendado em português e deve estrear em breve.

Petra Belas Artes, 18/10/19 (Sexta), 21:10
Cinearte 1, 19/10/19 (Sábado), 21:20
Espaço Itaú de Cinema – Augusta 1, 27/10/19 (Domingo), 21:15


Ninja Xadrez
Ternet Ninja
Direção: Anders Matthesen e Thorbjørn Christoffersen
Dinamarca, 2018, 83’
Animação em 3D com um visual próximo aos filmes da Disney ou Pixar, sobre um boneco que ganha vida. Mas não se engane, não tem nada a ver com Toy Story. Está mais para as séries Beavis e Butthead, South Park ou a infame Happy Tree Friends que a MTV exibia na década e 2010. Logo no começo, há uma cena violenta em que uma criança é castigada a pauladas. Então, um espírito ninja japonês encarna em um boneco de pano, que sai em busca de vingança. O filme trata de assuntos sérios como trabalho infantil, bullying na escola, a exploração de países pobres pelo capitalismo inescrupuloso, e para completar, um tio alcoólatra que ensina seu sobrinho a comprar drogas. Eu gosto de filmes que subvertem conceitos. Lembrando que no universo de fantasia, não se deve questionar como um espírito japonês aprendeu a falar dinamarquês, ou por que ele sabe falar mas não sabe ler.


Honeyland
Direção/Roteiro: Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska
Macedônia do Norte, 2019, 85’
Hatidze é uma mulher de uns 50 e tantos anos, que mora em uma região isolada, cercada de belíssimas paisagens montanhosas. Ela colhe mel como quem colhe frutas ou legumes na floresta: de forma respeitosa, canta para acalmar as abelhas antes de coletar metade e deixar metade na colmeia. A única pessoa com quem Hatidze tem contato é sua a sua mãe, doente e acamada. Até que uma família de nômades resolve se instalar em um terreno ao lado de Hatidze.
Um dos melhores filmes dessa Mostra, por enquanto. A Macedônia do Norte é um país que foi formalizado com esse nome apenas em janeiro de 2019, portanto, menos de um ano. Com belíssimas imagens de tirar o fôlego, Honeyland está classificado como documentário, mas traz uma situação que beira a ficção. Participou de diversos festivais e ganhou vários prêmios, entre eles, o Grande Prêmio do Júri da seção World Cinema de documentários no Festival de Sundance. É o candidato da Macedônia para concorrer a uma vaga ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.


Mataindios
Direção/Roteiro: Oscar Sánchez e Robert Julca
Peru, 2018, 76’
Elenco Carlos Solano, Nataly Aures e Glicerio Reynoso
Dividido em quatro capítulos, além de um prólogo e um epílogo, o filme mostra os preparativos da festa em homenagem ao santo padroeiro de uma pequena aldeia no Peru. Nos quatro capítulos, vemos a colheita das flores, a confecção da capa, o ensaio dos músicos, e a missa seguida de procissão com a imagem do santo.
O filme exige do espectador atenção nos detalhes, pois pouco é explicado mas muito é mostrado. A imagem do santo se assemelha a de São Jorge matando o dragão, mas no lugar do dragão, há uma pessoa. Quem é essa pessoa? Qual a história desse padroeiro? Observe também que algumas pessoas que participam da procissão carregam cruzes com uma data, a mesma data para todos. O que aconteceu nessa data? Destaque criativo para o prólogo e o epílogo, em que as imagens são vistas através do buraco de uma fechadura. Em espanhol, patrón pode significar tanto patrão, chefe, dono, quanto patrono ou padroeiro, e isso faz muita diferença no entendimento do filme e do título.


Cicatrizes
Savovi / Stitches
Direção: Miroslav Terzic
Sérvia, 2019, 97’
Roteiro: Elma Tataragic
Elenco: Snezana Bogdanovic, Marko Bacovic, Jovana Stojiljkovic
Em Belgrado, capital da Sérvia, Ana é uma mulher de meia idade, tem uma pequena oficina de costura. Seu marido é segurança noturno. Quando ela está em casa, ele sai para trabalhar, e vice-versa, o que desgasta a relação. Eles têm uma filha adolescente. Parece uma família como muitas outras. Porém, Ana tem um olhar angustiado, seu rosto traz marcas de sofrimento. Por que ela vai sempre à delegacia de polícia? O que ela busca? O que falta em sua vida?
Inspirado em fatos, o filme vai revelando peças de um quebra-cabeças, que remonta ao período pós-Guerra da Iugoslávia. Um filme-denúncia, importante e necessário, é possível fazer paralelos com ditaduras na América Latina. Um destaque para a atriz Snezana Bogdanovic, que conduz o filme todo e que, por vezes, lembra Charlotte Ramplig e seus olhos tristes.


Mente Perversa
Kopfplatzen
Direção/Roteiro: Savas Ceviz
Alemanha, 2019, 99’
Elenco: Max Riemelt, Oskar Netzel, Isabell Gerschke
Esse é o filme que eu citei na reunião em que discutimos Coringa. Markus é jovem, bonito, arquiteto bem-sucedido, mora em um apartamento moderno. Aparentemente tímido, não tem namorada, nem sai para um happy hour com seus colegas. Markus reconhece que tem um problema: ele se sente sexualmente atraído por meninos. Ele não fez nada criminoso ainda, mas seu desejo é uma tortura, ele sabe que não conseguirá manter o controle por muito tempo.
Um filme corajoso e angustiante ao tratar o pedófilo como um doente que precisa de ajuda e não como um criminoso que deve ser punido. Também mostra o despreparo de médicos e psicólogos que não sabem como tratar adequadamente e sem preconceitos o seu caso. Ora, não é óbvio que é melhora prevenir do que remediar? Cuidar do pedófilo antes que ele cometa um crime que afetará outras vidas? O ator Max Riemelt ficou famoso como um dos personagens principais da série Sense8.


Papicha
Direção/Roteiro: Mounia Meddour
França/Argélia/Bélgica/Catar, 2018, 106’
Elenco: Lyna Khoudri, Shirine Boutella e Amira Hilda Douaouda
No ano de 1997, a Argélia está vivendo momentos tensos em plena Guerra Civil. Nedjma é uma jovem estudante de moda e se recusa a deixar que o conflito a impeça de sair com as amigas, dançar, beber e de levar uma vida normal. O movimento islâmico ganha força e exige que as mulheres usem burca, cobrindo todo o corpo. A universidade passa a receber ameaças e pressões. Nedjma decide lutar por liberdade e independência.
Um filme feminino, que não poderia ser mais atual. Apesar de uma parte significativa da moda ser tratada como fútil, usada para ostentar e exibir grifes, a moda também tem um sentido mais amplo, cultural, define a identidade de um povo ou de uma época. O filme usa a moda como forma de resistência, o corpo feminino em oposição à submissão, os tecidos leves e claros contra o obscurantismo. Parafraseando a terceira lei de Newton: quanto maior o ataque, maior o contra-ataque. A jovem atriz Lyna Khoudri empresta uma grande força à sua personagem, um rosto delicado e de olhar esperançoso mas determinado, obstinado, ela tem a “mirada do tigre”, como a canção-tema de Rocky III (1982). O filme tem distribuição garantida pela Pandora Filmes e deve estrear nos cinemas em breve.


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