FILMES QUE VI NA 44ª MOSTRA DE SP – PARTE 1

Por João Moris 
26.10.2020

Nota de complemento do artigo:

A Mostra acaba de divulgar os filmes que farão parte da sua tradicional Repescagem, que vai do dia 5/11 a 8/11. É uma ótima oportunidade para aqueles que não acompanharam a Mostra ou deixaram de assistir a algum filme que gostariam de ter assistido.

 Um lembrete importante é que ao comprar o ingresso na plataforma da Mostra (https://mostraplay.mostra.org/), você terá no mínimo três dias para assistir ao filme. Uma vez que você clicar Play, você terá apenas 24h para ver o filme. Os filmes estarão disponíveis até às 23h59 do dia 8/11.

Veja os títulos disponíveis da Repescagem no link https://44.mostra.org/jornal-da-mostra/repescagem

 Os títulos mais badalados ou “imperdíveis” da lista abaixo são: A DEUSA DOS VAGALUMES / A PASTORA E AS SETE CANÇÕES / BERLIN ALEXANDERPLATZ / COZINHAR F*DER MATAR / CRIANÇAS DO SOL / DIAS / FILHO DE BOI / LUA VERMELHA / MÃES DE VERDADE / MOSQUITO /  MATE-O E DEIXE ESTA CIDADE / NÃO HÁ MAL ALGUM /   O CHARLATÃO / PARI / SUOR / VALENTINA



A 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo teve início na semana passada, em versão quase que totalmente online, com 198 filmes no cardápio. Vários desses filmes podem ser vistos a qualquer momento até o dia 4/11, isto é, se os ingressos não estiverem esgotados. O processo de aquisição dos ingressos (R$ 6,00) é relativamente fácil e pode ser feito pela plataforma https://mostraplay.mostra.org/

A seguir alguns filmes da Mostra a que assisti, por ordem de preferência:

NOVA ORDEM (Nuevo Orden – México/França – diretor: Michel Franco)
Vencedor do Grande Prêmio do Júri do Festival de Veneza deste ano, este é um filme que não deixa ninguém indiferente. À primeira vista, parece ser um filme sobre luta de classes em que um ataque radical e coordenado de grupos armados toma de assalto vários bairros de classe média da Cidade do México, saqueando casas, matando e sequestrando seus moradores. Na medida em que o filme se desenrola, coloca a nu as complexas e profundamente desiguais estruturas da sociedade mexicana levando a um final estarrecedor. Um filme com soluções apressadas e ideias muitas vezes mal alinhavadas, mas eletrizante, muito bem dirigido e altamente coadunado com nossos tempos. Recomendadíssimo!

PARI (Grécia/França/Holanda/Bulgária – diretor: Siamak Etemadi)
Até que ponto uma mãe pode chegar para encontrar um filho desaparecido? A julgar por Pari, a mãe iraniana que ao visitar o filho estudando na Grécia descobre que ele desapareceu, não há limites. Pari e seu marido vagam pelos lugares mais sórdidos de Atenas buscando por Babak, o filho desaparecido, e aos poucos descobrem pistas de seu paradeiro e o que o teria levado a sumir. Dirigido por um iraniano radicado na Grécia, este é um filme de relações humanas, choques culturais, indiferença, solidariedade e, em última instância, uma jornada de descoberta de uma mulher criada nos padrões rígidos da cultura islâmica e disposta a tudo o que vier pela frente para achar o filho. Adorei!

A impressionante atriz iraniana Melika Foroutan em Pari (Foto: Divulgação)

WELCOME TO CHECHNYA (EUA – diretor: David France)
Um documentário inquietante que denuncia as atrocidades cometidas pelo governo militar checheno contra a população LGBTQ daquele país, que tortura gays e lésbicas para que denunciem uns aos outros, sob o olhar complacente de Putin. O filme narra os esforços de uma ONG russa para retirar os LGBTQs clandestinamente da Chechênia e buscar asilo em países ocidentais. Por vezes, o documentário com sua câmera escondida tem um quê de sensacionalista e maniqueísta. Mas, diante dos retrocessos em relação às minorias que vemos multiplicar nos quatro cantos do planeta em pleno século XXI, e que muitas vezes nem nos damos conta, talvez denúncias como esta sejam cada vez mais necessárias.

COZINHAR F*DER MATAR (Záby bez jazyka - Chéquia/Eslováquia – diretora: Mira Fornay)
Um título infeliz para um filme que é um mergulho na psique de um homem (Jaroslav), que está se separando da mulher e vários aspectos de sua personalidade e da sua história pessoal vêm à tona. Recheado de simbolismos e com raízes no teatro do absurdo e nas tragédias gregas, o filme é contado de forma circular em que o protagonista não consegue escapar do seu destino (trágico) não importa quantas vezes recomece. Uma alegoria do patriarcado, do machismo e da violência doméstica. Um olhar feminino criativo e perspicaz sobre o masculino sem ser panfletário e sem perder o humor.

EEB ALLAY OOO! (Índia – diretor: Prateek Vats)
Você já ouviu falar de espantador de macacos profissional? Só mesmo de um país tão inusitado e diverso como a Índia poderia vir um filme com esta temática. Apesar do tom de comédia, acompanhamos com tristeza a trajetória de Anjani que, para sobreviver em Nova Déli, se submete a aceitar o emprego de espantador dos macacos que invadem as ruas da capital. Nota: Anjani morre de medo dos bichos e não tem nenhuma habilidade ou talento para o cargo. Um filme que aborda de forma diferente a precarização do trabalho, o desemprego e a degradação crescente entre o homem e a natureza. Atenção: Este filme está disponível gratuitamente pela plataforma Looke ou SpCineplay durante o período da Mostra.

O ator indiano Shardul Bharadwaj que faz o espantador de macacos em Eeb Allay Ooo! (Foto: Divulgação)

KUBRICK POR KUBRICK (Kubrick by Kubrick – França – diretor: Gregory Monro)
Documentário meticuloso sobre a vida e obra de um dos maiores – senão o maior – diretores de cinema do século XX: Stanley Kubrick (1928-1999). O documentarista Greg Monro teve acesso a imagens inéditas do acervo pessoal de Kubrick e entremeia fotos, memorabilia e depoimentos de atores e equipe técnica com trechos dos grandes filmes do diretor, como 2001, Uma Odisseia no Espaço, A Laranja Mecânica, Barry Lyndon e O Iluminado. Um filme para fãs ardorosos do Kubrick (como eu!), ou para aqueles familiarizados com a sua obra, e que talvez fizesse mais sentido ter sido realizado por ocasião da morte do diretor há mais de 20 anos.

MAMÃE, MAMÃE, MAMÃE (Mamá, Mamá, Mamá – Argentina – diretora: Sol Berruezo Pichon-Rivière)
Um delicado filme argentino em que praticamente todo o elenco e equipe técnica é formado por mulheres. O filme acompanha a adolescente Cleo, que acaba de perder a irmã mais nova numa tragédia. A mãe entra em depressão e Cleo vai para o campo passar um tempo com a tia e as três primas. Desse encontro emergem tristezas, brincadeiras, fantasias, risos e muito carinho. Pausas para reflexão. Ritos de passagem. Laços familiares. Afeto, contato e conexão entre as gerações. O feminino. A vida segue seu curso incerta, insegura e sem garantias.

MOSQUITO (Portugal – diretor: João Nuno Pinto)
O filme se passa em 1917 durante a partilha colonialista da África quando Portugal guerreava com a Alemanha pela posse de Moçambique. O inexperiente Zacarias, de apenas 17 anos, deixa Lisboa e parte para a África decidido a lutar ao lado do exército português. Ao chegar em Moçambique se perde da sua infantaria e vaga a esmo pelo país enfrentando toda a sorte de intempéries, inclusive a malária, que o leva ao delírio. Mas, o que é realidade e o que é alucinação na jornada de Zacarias? O filme tem o mérito de envolver o espectador imageticamente e sensorialmente na trajetória do protagonista, apesar de alguns descompassos que tornam o ritmo um tanto arrastado.

O ator português João Nunes Monteiro, interpretação brilhante em Mosquito (Foto: Divulgação)

LIMIAR (Threshold – Armênia/Canadá/Geórgia/Turquia – diretores: Rouzbeh Akhbari e Felix Kalmenson)
Um diretor de cinema armênio busca locações para o seu próximo filme. Nada parece no lugar neste filme dentro do filme, que borra as fronteiras entre a ficção e o documentário. O diretor visita vários locais da Armênia sem manter uma conexão com as pessoas e sem esboçar qualquer reação. Então, qual seria sua verdadeira motivação? E qual a motivação deste filme? Apesar de instigante, o filme deixa vários pontos de interrogação e a sensação que me deu é que ficou inacabado ou que algum aspecto cultural escapou da minha compreensão. Um filme para os que gostam de charadas.

MISS MARX (Itália/Bélgica – diretora: Susanna Nicchiarelli)
Cinebiografia sobre a filha mais nova de Karl Marx, Eleanor “Tussy” Marx (1855-1898), que aparentemente foi uma mulher além do seu tempo, lutando pela causa operária, pelo sufrágio universal e adepta do relacionamento livre. Mas, por que uma personagem histórica tão rica e tão cheia de nuances ficou reduzida a um estereótipo de mulher burguesa, recatada e do lar e, paradoxalmente, feminista e preocupada com questões sociais? O filme é um equívoco total do começo ao fim, com direito a discursos panfletários feministas modernosos e muita resignação em relação ao companheiro mulherengo e cafajeste. E também omite a verdadeira razão do suicídio da protagonista.

A atriz britânica Romola Garai interpreta a filha caçula de Marx em Miss Marx (Foto: Divulgação)

0 comentários: