1º FESTIVAL DO CINEMA RUSSO ONLINE

Por João Moris 
09/12/2020 

Começa hoje e vai até o dia 30 de dezembro o 1º Festival do Cinema Russo no Brasil, um evento totalmente gratuito e online produzido pela Roskino, o órgão cinematográfico do Ministério da Cultura da Rússia para a difusão do cinema russo no mundo. A mostra traz 8 filmes contemporâneos lançados nos últimos três anos, todos de excelente qualidade. Vale a pena um olhar mais atento e aberto a estas produções russas.

Com a recente expansão das cinematografias de vários países no mundo oriental, como Irã, Turquia e Coreia, o cinema russo também parece emergir potente e vibrante, como mostra esta pequena seleção do Festival. Há um certo estranhamento em assistir a filmes num idioma irreconhecível aos ouvidos de falantes de línguas latinas, como nós brasileiros, mas uma vez superado este e outros pequenos ‘entraves’ culturais, o desfrute é total.

Uma curiosidade do 1º Festival do Cinema Russo: a maioria dos filmes aborda questões relativas a jovens (abaixo dos 40 anos), mostrando como vivem numa sociedade quase sempre desigual e excludente sob um regime autoritário disfarçado de democrático, onde a injustiça social, a falta de ética, a corrupção, o preconceito e as relações de poder são um fardo para seus cidadãos. Mazelas bem conhecidas da maioria dos brasileiros.

A programação do 1º Festival do Cinema Russo pode ser conferida e assistida gratuitamente no site da SpCine: www.spcineplay.com.br

Abaixo, meus filmes favoritos por ordem de preferência:

O HOMEM QUE SURPREENDEU A TODOS (Chelovek, kotoryy udivil vsekh – 2018 – Rússia/Estônia/França – diretores: Natasha Merkulova e Aleksey Chupov) Como você reagiria se soubesse que está com uma doença terminal e tem dois meses de vida? Esta é uma curiosa adaptação contemporânea de um antigo conto siberiano no qual um homem consegue enganar a morte incorporando uma mulher. Aqui um guarda florestal, casado com uma jovem grávida do segundo filho do casal, se descobre com uma doença terminal. Após vários exames médicos e ao ser tratado por uma curandeira local, o homem muda de comportamento e passa a se vestir de mulher, para o horror da ultraconservadora comunidade local. Instigante, para dizer o mínimo!

O ator russo Evgeniy Tsyganov em O Homem Que Surpreendeu a Todos (Foto: Divulgação)

O TEXTO (Tekst – 2019 – Rússia – diretor: Klim Shipenko)
Um filme eletrizante e perturbador sobre vingança, lealdade e dupla identidade. Baseado na obra do escritor Dmitry Glukhovsky, que assina o roteiro, o filme acompanha a descida aos infernos de Ilya Goryunov, um rapaz de 27 anos condenado injustamente por porte de drogas e que, ao sair da prisão, vai atrás do homem que o prendeu, Pyotr Khazin, um jovem policial traficante, filho de um general. Ilya acaba assumindo por whatsapp a identidade de Pyotr com consequências desastrosas e desdobramentos imprevisíveis. O filme tem um quê de thriller do cinema americano e dá várias alfinetadas nas elites e nas máfias que dominam a sociedade russa na era pós-soviética.

O ator Alexander Petrov é o protagonista de O Texto (Foto: Divulgação)

ARRITMIA (Aritmyia – 2017 – Rússia/Finlândia/Alemanha – diretor: Boris Khlebnikov)
Uma comédia doce-amarga sobre um casal de jovens médicos: Oleg, um paramédico pouco ortodoxo, e sua esposa, a intensivista Katya. Ambos trabalham num hospital de uma cidade de médio porte russa. O casamento deles está em rota de colisão devido principalmente ao comportamento de Oleg, impulsivo, beberrão e emocionalmente imaturo. Katya o ama verdadeiramente, mas cansou da insensatez do marido. Enquanto isto, o hospital em que trabalham passa a implantar regras desumanas no tratamento aos pacientes atendidos na rua por Oleg, o que o leva a se rebelar cada vez mais contra o sistema que o oprime. Uma história muito bem contada, sem clichês românticos e de gênero.

O ator Aleksandr Yatsenko e a atriz Irina Gorbacheva fazem um casal em crise em Arritmia (Foto: Divulgação)

O CORAÇÃO DO MUNDO (Serdtse mira – 2018 – Rússia/Lituânia – diretora: Nataliya Meshchaninova)
Ambientado na zona rural da Rússia, o filme conta a história de Egor, jovem que trabalha como veterinário e cuidador de animais domésticos e silvestres numa pequena fazenda, cujo dono cria raposas para competições com cães da raça alabai. Egor é tímido e arredio às pessoas e parece se sentir mais à vontade na companhia dos animais. Mas, o afeto humano represado o leva a um redemoinho de emoções ao se confrontar com seu passado, como a mãe alcoólatra que ele odeia, e com o seu presente, na relação com o chefe autoritário e na atração por sua filha. Um filme de nuances, que mergulha a fundo na psique do personagem principal.

 O ator Stepan Devonin faz Egor, um veterinário tímido e reprimido em O Coração do Mundo (Foto: Divulgação)

O FRANCÊS (Frantsuz – 2019 – Rússia – diretor: Andrey Smirnov)
Este filme é um delicioso mergulho na vida e na história da União Soviética do final dos anos 50. O jovem francês de origem russa, Pierre Duran, viaja à URSS para estágio de um ano na Universidade Estatal de Moscou. Lá, ele entra em contato com a sociedade e a cultura soviética da época, que respiravam um certo ar libertário, ciceroneado por um fotógrafo avant-garde e uma bailarina do Balé Bolshoi, por quem se apaixona. Temas como ideologia comunista e burguesa, liberdades individuais e a intervenção do Estado, a cultura do Realismo Socialista e os efeitos do regime stalinista sobre os cidadãos perpassam o filme, às vezes de forma esquemática, mas nunca desinteressante.

O ator Anton Rival e a atriz Evguenya Obraztsova em O Francês (Foto: Divulgação)

BOLSHOI (Bolshoy – 2017 – Rússia – diretora: Valeriy Todorovskiy)
A repisada história de uma jovem bailarina tentando alcançar o estrelato tem aqui uma pegada diferente. Yulia é uma adolescente pobre, geniosa e rebelde, que mora num vilarejo no interior da Rússia. É levada a Moscou por um ex-bailarino alcoólatra para treinar na academia preparatória do famoso Balé Bolshoi. Chegando lá, ela cai nas graças da rígida e veterana bailarina soviética Beletskaya, que é professora na academia e está perdendo a memória e o prestígio. O filme explora muito bem a relação entre as duas (quem domina quem?) e habilmente evita a armadilha de contar uma história edificante e de superação, como é típico neste tipo de filme. O espectador agradece!

As atrizes Margarita Simonova e Anastasiya Prokofeva em Bolshoi (Foto: Divulgação)

VAMOS NOS DIVORCIAR! (Davay razvedyomsya! – 2019 – Rússia – diretora: Anna Parmas)
Uma comédia russa sobre a crise de um casal classe média com filhos pequenos? Você já viu este filme antes e, no caso deste aqui, é uma comédia farsesca com muitos equívocos e pouco riso. O roteiro é um amontoado de clichês: Masha é uma médica ginecologista de 40 e poucos anos, workaholic e estabanada, que descobre que seu marido Misha, desempregado e entediado, arrumou uma amante mais nova, sua professora de fitness. Masha tenta por todos os meios salvar o que restou do casamento, se humilhando, embebedando e fazendo sandices. Até que ela decide mudar o jogo. De longe, o filme mais fraco da ótima safra de filmes deste festival russo.

Cartaz do filme Vamos nos Divorciar! (Foto: Divulgação)


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