Em Chamas


FILME: Em Chamas
(Beoning, Coreia do Sul, 2018, 148 min)

 

Reunião dia: 29.08.2021

Nota atribuída pelo grupo: 8,30


Direção: Lee Chang-Dong

Roteiro: Lee Chang-Dong, Oh Jung-mi (livremente inspirado em "Barn Burning" de Haruki Murakami).

 

Elenco: Ah-In Yoo, Steven Yeun, Jong-seo Jeon, Soo-Kyung Kim, Seung-ho Choi, Seong-kun Mun, Bok-gi Min, Soo-Jeong Lee, Hye-ra Ban, Mi-Kyung Cha, Bong-ryeon Lee.


Sinopse: O terceiro longa do diretor Lee Chang-Dong traz, novamente, a literatura para sua película: seja como um de seus personagens ou na forma da narrativa que se expande para uma temporalidade e ritmos incomuns ao cinema de entretenimento. Em "Poesia" (seu filme imediatamente anterior, de 2010) o diretor traz uma protagonista às voltas com o processo de escrita de um poema, em meio a contundentes dilemas pessoais... Em "Em chamas" além da livre e explícita inspiração no conto "Queimar celeiros" de Haruki Murakami, outros autores (como Faulkner, também pela coincidência do título?) comparecem ao longo da detida construção de seu protagonista Jong-su, também tocado pelas letras. O protagonista observa o mundo a sua volta (através da reflexiva câmera de Chang Dong) com uma receptividade que pode soar incômoda aos espectadores incendiados pela aceleração própria ao contemporâneo, contudo, a postura contemplativa dará o tom e o contraste para o que irá se apresentar ao longo do filme.

No lento desenrolar da trama que assume, de início, uma atmosfera literária de um romance despretensioso, com filmagens de singelas passagens cotidianas do que poderia ser um encontro romântico de um potencial jovem casal (Hae-mi e Jong-su), perpassando pelos contrastes de uma Coréia agitada e portentosa (e ao mesmo tempo, com precariedades mais ou menos explícitas) até paisagens rurais perdidas no tempo, o espectador é capturado e convidado a imaginar (se não mesmo, a se questionar): de onde vem as chamas do título neste filme tão "sereno"?

As chamas surgem, dentre outros, através da aparição de um terceiro personagem no filme, que traz a marca da diferença (de classes, de cultura e, sobretudo, de postura perante o outro), e irá incendiar não só a imaginação do protagonista (que buscava inspiração para sua escrita), mas também a trama! Se no início quase nos perguntamos se "Fervura" existe de fato; a ideia de queimar celeiros demarca e abre um outro plano no filme: conduz a uma reflexão crítica sobre uma Coréia (ou um mundo?) em rápida mutação, os efeitos dessa aceleração sobre os sujeitos, a solidão, seus lugares sociais; e por fim, qual a nossa postura/posição sobre as chamas que consomem "celeiros"?

O filme de Nadine Labaki, que além de diretora é co-roteirista – e faz uma ponta como a advogada de Zain – é um libelo contra o abandono da infância e uma denúncia das condições desumanas em que vive um grande contingente da população, a que vive abaixo da linha da pobreza, a que é obrigada a recorrer a todo tipo de expediente para subsistir, e que só aparece como estatística, não como seres com direito a uma vida minimamente digna.

Há que se destacar as ótimas interpretações dos personagens, especialmente porque não são atores profissionais, particularmente do protagonista Zain (ele mesmo um imigrante sírio, que na época das gravações vivia há 8 anos como refugiado no Líbano, segundo informa o site omelete.com.br), uma criança que personifica com maestria o peso do abandono e da privação, tanto material quanto afetiva.

 

Sobre o Diretor:

Lee Chang-Dong (pronuncia-se Í-Tchan-Don) nasceu em 1954*, em Daegu, terceira maior cidade da Coreia do Sul. Em 1981, graduou-se em Literatura Coreana pela Universidade de Kyungpook. Nessa época, escrevia e dirigia peças de teatro e lecionava Língua Coreana no Ensino Médio. Publicou seu primeiro romance, “Chonri”, em 1983 e a coletânea de contos “There’s a Lot of Shit in Nokcheon”, em 1992, premiado pelo The Korea Times. Lee não tinha nenhuma formação em cinema, mas foi convidado pelo cineasta Park Kwang-su para escrever o roteiro de Geu seome gago shibda (Para a ilha estrelada**, 1993). Para aceitar essa tarefa, Lee pediu – e conseguiu – um posto de diretor assistente, mesmo sem nenhuma experiência. Em seguida, Lee escreveu o roteiro de Jeon tae-il (Uma única faísca**, 1995). Encorajado pelos colegas, Lee escreveu e dirigiu seu primeiro filme Chorok mulkogi (Peixe verde**, 1997) que ganhou diversos prêmios locais e internacionais, entre eles, nos festivais de Rotterdam e Vancouver. Seus filmes seguintes são: Bakha satang (Bala de hortelã**, 1999); Oasiseu (Oásis**, 2002), que recebeu quatro prêmios no Festival de Veneza, entre eles, o Leão de Prata de Melhor Diretor, e foi o candidato da Coreia do Sul ao Oscar. Entre 2003 e 2004, Lee foi convidado a assumir o cargo de Ministro da Cultura e do Turismo no governo do presidente Roh Moo-hyun. Lee batalhou por uma política de reserva de tela para filmes independentes, enfrentando uma forte oposição da indústria de filmes sul-coreana. Seu esforço foi reconhecido por um país distante: em 2006, a França lhe concedeu a condecoração de Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra, por defender a diversidade cultural. O quarto filme de Lee, Sol Secreto (Milyang, 2007), prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes, foi exibido no Festival do Rio. Poesia (Shi, 2010), prêmio de Melhor Roteiro em Cannes, participou da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e foi exibido comercialmente, tornando o diretor conhecido no Brasil. Em Chamas (Beoning, 2018) é seu filme mais recente e recebeu dezenas de prêmios em diversos festivais pelo mundo. Desde 2002, Lee tem boicotado o prêmio Blue Dragon de Cinema Coreano, patrocinado pelo jornal conservador Chosun Ilbo.

* Há divergências quanto a data de seu nascimento, algumas fontes afirmam ser 1º de abril, outros, 4 de julho. Há fontes que fornecem as duas datas.
** Traduções livres, quando não há título em português.


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