23.10.2022
H. Hirao
A seguir, indico 10 filmes e que assisti.
Estação Catorze
Estación Catorce
Direção/Roteiro: Diana Cardozo
México, 2021, 87’
Estación Catorce é uma pequena cidade, no centro do México, cortada por uma linha férrea. Lá, vive Luís, um menino de sete anos como qualquer outro de sua idade. É alegre, curioso e explorador, bom aluno na escola, gosta de animais, de brincar com os amigos, de aventura e emoções fortes. Tudo muda quando acontece um ataque na cidade. A família de Luís se esconde em um quarto, no escuro, em silêncio, enquanto na rua ouvem carros, gritaria, tiros. O que o garoto vê a seguir o deixa perplexo, a morte dos vizinhos, a indiferença da população que aproveita para saquear a casa das vítimas. A violência não abala mais os adultos. O medo se tornou um sentimento banal. Luís ajuda seu pai, Manuel, a levar um grande sofá para casa. Luís está sempre em cena, a câmera o acompanha sempre na altura dos seus olhos, aprendemos junto, observamos o mundo, as pessoas, o exemplo do pai, o machismo e a fragilidade da vida. A diretora e roteirista Diana Cardozo consegue dar leveza mostrando as crianças brincando, contrastando com a inevitável sensação de que algo perigoso está para acontecer.
Faz parte da Perspectiva Internacional.
Luís e seu pai carregam um sofá no filme Estação Catorze.
Direção: Tiago Guedes
Portugal / França, 2022, 126’
Roteiro: Tiago Gomes Rodrigues, Tiago Guedes
Em 1995, alguns homens participam de uma tradição pagã numa vila do interior de Portugal. Eles usam máscaras e saem aterrorizando – mais ou menos de brincadeira – as mulheres. Um grupo de adolescentes mascarados persegue a jovem Judite. Laureano, que faz parte do grupo, percebe que a brincadeira está indo longe demais e interfere. Ele é espancado violentamente pelos companheiros mascarados. 25 anos depois, Laureano é um homem com problemas mentais, consequência da surra. Judite é mãe da adolescente Salomé. Paulo é policial, casado com Judite. Vítor, o pai de Salomé, está separado de Judite há alguns anos. Samuel é um empresário, pai de Pedro. Esses personagens serão confrontados pelo passado quando um grave incidente abala a aparente ordem dessa comunidade. O filme tem um bom ritmo, o roteiro avança em seu tempo. Para quem acha que o cinema português é lento e aborrecido, esse filme merece uma chance. O filme cresce no terço final, quando temas como ética e moral, vingança e culpa, preconceito e intolerância, são colocados em questão.
Faz parte da Perspectiva Internacional. Exibido no Festival de Cannes.
O jovem Laureano no filme Restos do Vento.
El Visitante
Direção/Roteiro: Martín Boulocq
Bolívia / Uruguai, 2022, 86’
Roteiro: Rodrigo Hasbún, Martín Boulocq
Humberto acaba de cumprir sua pena na prisão e volta para casa. Ele sabe que agora carrega um estigma, que será difícil arrumar um trabalho e voltar à vida em sociedade. Seu maior desejo é reconstruir seu relacionamento com a filha, Aleida. Enquanto o pai estava preso, a garota ficou sob os cuidados dos avós maternos, dom Carlos e dona Elizabeth, uma família abastada. Norma trabalha para a família. Norma é a mãe de Humberto. Ou seja, Humberto é o filho da empregada que se casou com a filha dos patrões. Humberto é um exímio cantor de árias de óperas e consegue alguns trabalhos cantando em velórios. Mas não é suficiente para conseguir a guarda da filha e lhe proporcionar uma vida juntos. Os avós da criança são pastores evangélicos e não estão dispostos a abrir mão da única neta. Um filme bem interessante, que vai crescendo, enredando o personagem Humberto em situações cada vez mais complicadas. O roteiro sutil vai revelando fatos do passado, apenas o suficiente para o espectador deduzir, por exemplo, o que aconteceu com a mãe de Aleida. O ator Enrique Araoz (Humberto) conduz o filme muito bem, é ele mesmo quem solta a voz para cantar as árias. E tem a participação do uruguaio César Troncoso, de O Banheiro do Papa (2007), ótimo como sempre. O filme lembra o brasileiro Divino Amor (2019) por questionar a religião e seu poder de manipulação.
Faz parte da Perspectiva Internacional. Vencedor do Prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Tribeca.
Humberto e sua filha Aleida no filme O Visitante.
Direção/Roteiro: James Gray
EUA / Brasil, 2022, 115’
1980. A família Graff tem origem judaica da Ucrânia. Esther e Irving são os pais de Ted e Paul. Ted frequenta uma escola elitista, enquanto Paul, o caçula, está no 6º ano de uma escola pública. Paul é um ótimo desenhista, mas ninguém leva seu talento a sério, nem na escola, nem em casa. Na escola, ele faz amizade com Johnny. Em casa, o único que o entende é seu avô, Aaron. A família não é pobre, mas precisa controlar seus gastos. Pouco a pouco, Paul vai percebendo que ele e Johnny não fazem parte do mesmo mundo. Uma história de amadurecimento, centrada em Paul, com aspectos autobiográficos do diretor e roteirista James Grey. Os garotos Banks Repeta (Paul) e Jaylin Webb (Johnny) estão bem à vontade, especialmente Banks, que tem um olhar esperto e ingênuo. Anthony Hopkins, que interpreta o avô, doce e compreensivo, mas realista, suas palavras ecoam na cabeça de Paul. Jessica Chastain também aparece em um papel pequeno mas potente.
Exibido no Festival de Cannes. Co-produzido por Rodrigo Teixeira/RT Features. Frequentemente, James Gray usa suas memórias de infância para retratar famílias imigrantes, muitas vezes envolvidas com o crime organizado. Estreou na direção em 1994 com Fuga para Odessa (Little Odessa), que recebeu o Leão de Prata no Festival de Veneza. Depois dirigiu Caminho sem Volta (The Yards, 2000), Os Donos da Noite (We Own the Night, 2007), Amantes (Two Lovers, 2008) e Era Uma Vez em Nova York (The Immigrant, 2013), todos presentes na competição principal de Cannes. Ele mudou seu estilo nos dois filmes anteriores Z: A Cidade Perdida (2016) e Ad Astra: Rumo às Estrelas (2019). Felizmente, voltou a filmar dramas familiares. Durante a primeira cena de jantar, está tocando “Só Danço Samba”, de Tom Jobim, interpretado por João Gilberto, Stan Getz e Jobim.
Johnny e Paul em Armageddon Time. Percebem alguma diferença entre eles?
Quién lo Impide
Direção/Roteiro: Jonás Trueba
Espanha, 2021, 220’
Uma mistura de documentário e ficção, depoimentos misturados com reencenações. Um retrato dos adolescentes nascidos no início do século 21 e que recentemente atingiram a idade adulta. Eles falam sobre amor, amizade, política, educação, futuro, sobre coisas que sempre importam, em qualquer idade. Só faço uma observação quanto a esse filme: os jovens são espanhóis de classe média. Não há, por exemplo, jovens negros em papéis de destaque, ou alguém que precisa parar de estudar para trabalhar. Obviamente, há questões universais entre os adolescentes, mas talvez um pouco longe da realidade no Brasil. Outra coisa: não se assustem com a duração de 220 minutos, ou 3 horas e 40. Há dois intervalos de 5 minutos a cada 1h15.
Faz parte da Perspectiva Internacional. Vencedor do prêmio da crítica e de melhor atuação para o elenco no Festival de San Sebastián.
Xiiiiis... o elenco do filme Quem os Impede.
Direção: Cristèle Alves Meira
Portugal / França / Bélgica, 2022, 85’
Roteiro: Cristèle Alves Meira, Laurent Lunetta
A cada verão, a pequena Salomé retorna ao vilarejo de sua família nas montanhas portuguesas para passar as férias. A estadia começa num ambiente descontraído, até que sua avó morre repentinamente. Enquanto os adultos entram em desespero por causa do funeral, Salomé é assombrada pelo espírito daquela que era considerada uma bruxa. A menina Lua Michel interpreta Salomé de forma natural. Com diversos momentos de realismo fantástico, é mais um filme sobre crescimento, ritos de passagem, descoberta do mundo. Há vários filmes nessa Mostra com esse tema.
Faz parte da Competição Novos Diretores. Exibido na Semana da Crítica do Festival de Cannes. Primeiro longa da diretora que dirigiu 3 curtas anteriormente.
Salomé e sua avó no filme Alma Viva.
Franklin, Historia de un Billete
Direção: Lucas Vivo García Lagos
Argentina, 2022, 80’
Roteiro: Lucas Vivo García Lagos, Marcelo Slavich, Walter Slavich
Correa é um boxeador que vai se aposentar. Ele começa a trabalhar para Bernal, um mafioso local. Logo na sua primeira missão, Correa acaba preso. Três anos depois, ele é solto. Ele planeja sair do país com Rosa, uma prostituta de bom coração, a única pessoa que o visitava na prisão. Começa assim uma trama inteligente que envolve a gangue de Bernal, policiais corruptos, traficantes de drogas e sequestradores amadores, perseguições alucinantes, tiroteios e muita porrada. Não pisque! Não percam o Franklin de vista. Há referências a clássicos do gênero, como O Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola, ou os primeiros filmes de Guy Ritchie, como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998) e Snatch: Porcos e Diamantes (2000). É um filme de ação, diferente do estilo de filmes que os cinéfilos da Mostra curtem. Uma curiosidade: apesar da violência, o filme será distribuído pela Disney.
Faz parte da Competição Novos Diretores.
Bernal não está contente no filme Franklin, A História de um Bilhete.
O Natal de Bruno Aleixo
Direção/Roteiro: João Moreira e Pedro Santo Portugal, 2022, 91’
Alguém assistiu a O Filme do Bruno Aleixo (2019)? Então, o personagem mais esquisito do cinema português está de volta. Bruno é um... bem, não sei bem o que ele é, uma pessoa com cabeça de cachorro ou ursinho de pelúcia. Seus amigos são o monstro da lagoa negra, chamado Renato Alexandre; uma estátua de Napoleão, apropriadamente chamado Busto; o Homem do Bussaco, que parece o Pé-Grande, de fala enrolada que precisa de legendas; o dr. Ribeiro, um médico invisível, entre outros. A trama é bem simples: às vésperas do Natal, Bruno (que odeia Natal) sofre um acidente e entra em coma. Inspirado no conto “Um Conto de Natal”, de Charles Dickens, Bruno revive alguns natais do passado, o Natal presente e sonha com um possível Natal futuro. O humor de Bruno lembra muito o do comediante norte-americano Larry David. Ele é mau-humorado, sarcástico, desbocado, antissocial, irritado, azarado, acaba se metendo em encrencas que ele mesmo cria. Ou seja, hilariante! Tenho certeza que muitos vão se identificar com Bruno em algum Natal.
Faz parte da Competição Novos Diretores.
Bruno Aleixo não quis ser fotografado.
Domingo e a Neblina
Domingo y la Niebla
Direção/Roteiro: Ariel Escalante Meza
Costa Rica / Qatar, 2022, 92’
Em algum lugar nas montanhas tropicais da Costa Rica vive Domingo, um homem viúvo e solitário. Ele é dono de um pedacinho de terra onde planta e cria seus animais. O problema é que uma nova rodovia está sendo construída e vai passar justamente pelo terreno de Domingo. Teimoso e obstinado, Domingo recusa todas as “ofertas irrecusáveis” dos empreiteiros. Os vizinhos venderam suas propriedades e abandonam a região. Até que a situação se torna violenta. Mas por que Domingo não vai embora? O que o prende ali? Um filme com visual belíssimo e um som excelente (prestem atenção na movimentação das motos). Em vários momentos, lembrei da situação dos indígenas na Amazônia, cujas terras estão cercadas por mineradores, latifundiários, grileiros.
Faz parte da Competição Novos Diretores. Exibido na seção Um Certo Olhar do Festival de Cannes e no Festival de Toronto.
Domingo envolto pela neblina no filme Domingo e a Neblina.
2 comentários:
Hirao, Que presente maravilhoso vc nos deu!!! Comentários preciosos que nos ajudam a decidir qual filme ver, não dá p ver todos, né?
Muito obrigada!!!!
Hirao vou postar de novo pois não saiu meu nome VANDA NOVENTA
Hirao, Que presente maravilhoso vc nos deu!!! Comentários preciosos que nos ajudam a decidir qual filme ver, não dá p ver todos, né?
Muito obrigada!!!!
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