FILMES LATINO-AMERICANOS EM 2017

15.01.2018
Por João Moris

Muitos filmes estimulantes estão sendo produzidos e lançados na América Latina, mas quantos latino-americanos veem estes filmes? Quantos filmes latinos você viu em 2017? Tirando os festivais de cinema, há pouca chance de serem vistos, até mesmo em seus países de origem, pois geralmente são lançados em circuito restrito e o cinema norte-americano continua a dominar as salas do continente. Mesmo em plataformas de vídeo, como a Netflix, Amazon e outros serviços de streaming, dificilmente são encontrados lançamentos recentes de fitas latino-americanas. 

Dentre os países que mais produzem filmes de qualidade no continente, a Argentina continua a reinar suprema. Mas, três países despontaram nos últimos anos como produtores de filmes potentes: República Dominicana, Colômbia e Costa Rica. Há também um número crescente de coproduções entre os países latinos, o que aumenta a chance de serem vistos em mais países. O Brasil lançou aproximadamente 150 filmes no ano passado (muitos deles, excelentes), apesar da política sistemática de desmantelamento da Cultura ora em curso no nosso país. A boa notícia é que há um número crescente de mulheres à frente das câmeras na América Latina e, muitas dessas diretoras, estão retratando o universo masculino nas telas, além do feminino. 

Abaixo, compilei alguns filmes latinos que assisti em 2017 nos festivais de Buenos Aires (BAFICI), Curitiba (Olhar de Cinema), Rio de Janeiro, São Paulo e Havana (Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano). São filmes não lançados no Brasil e que considero representativos e importantes para a filmografia recente da América Latina:

Abrazame Como Antes (dir. Jorge Ureña – Costa Rica) Um belo representante da Costa Rica, o filme trata a questão da identidade de gênero de uma forma lúcida e complexa. Conta a história de uma transgênero que trabalha nas ruas de São José e, no caminho de um programa com clientes, o carro em que está atropela um adolescente. Penalizada, ela leva o rapaz para a sua casa e passa a cuidar dele. A vida destes dois estranhos se entrelaça sem que o filme caia no previsível. Estreia no Brasil em 31/5.


Aos Teus Olhos (dir. Carolina Jabor – Brasil) – Um filme que traz a questão do abuso infantil ao centro da trama. Um professor de natação é acusado de dar um beijo na boca de um dos seus alunos (de 9 anos) na escola em que dá aula. O grande mérito do filme é mostrar a complexidade do tema sem julgar, nem propor soluções fáceis ou maniqueístas. Estreia prevista para 12/4.

Arábia (dir. Affonso Uchoa e João Dumans – Brasil) – Enfim, um filme sobre um jovem de baixa renda que não é retratado como delinquente ou em situação de vulnerabilidade. Este sensível filme conta a trajetória de Cristiano, operário solitário e nômade que rala muito para sobreviver nas cidades do Brasil. Estreia prevista para 5/4.

Baronesa (dir. Juliana Antunes – Brasil) é um documentário pungente que ganhou vários prêmios em festivais do mundo. Retrata o cotidiano de duas amigas (Andreia e Lidiane) na periferia de Belo Horizonte, sendo que elas próprias conduzem suas histórias.

Carroña (dir. Sebastián Hiriart – México) Um ótimo exemplar do cinema mexicano moderno. Um casal viaja a um paraíso tropical remoto na costa mexicana com a intenção de reavivar sua relação, mas com o passar dos dias, essas férias idílicas se transformam em pesadelo ao se envolverem num triângulo amoroso que se desenrola de maneira violenta e inesperada. Um filme surpreendente.


Chaco (dir. Juan Fernandez Gebauer, Ignacio Ragone e Ulises de la Orden – Argentina) Instigante documentário sobre os povos indígenas da região do Chaco argentino e falado na língua qom. Em tom de denúncia, o filme relata a colonização da região pelo homem branco e entrevista os anciãos e líderes locais, que contam dos massacres da população indígena pela polícia argentina ao longo do século XX, sendo o último em 2010, quando os indígenas protestavam contra as arbitrariedades cometidas pelo Estado.

Cínicos (dir. Raúl Perrone – Argentina) O veterano Raúl Perrone, praticamente desconhecido no Brasil, é um dos diretores autorais mais cultuados da Argentina. Seus filmes não fazem concessão ao cinema comercial e propõem uma reflexão profunda. Em Cínicos, todo filmado em preto e branco com uma fotografia deslumbrante, Perrone faz uma analogia ao estado do mundo atual ao resgatar a ideologia dos filósofos cínicos da Grécia Antiga, que viviam como mendigos, consideravam que a civilização era um mal e, por isto, desprezavam as riquezas e repudiavam as ciências, as normas e as convenções. 

Cocote (dir. Nelson Carlo de los Santos Arias - República Dominicana/Argentina/Alemanha) Um drama antropológico que mistura questões sociais e religiosas na República Dominicana. Alberto, um jardineiro evangélico, retorna a seu povoado natal para o enterro de seu pai, assassinado por um homem influente. Neste retorno, se verá obrigado a participar de cultos religiosos contrários a suas crenças e vontade. O filme é uma verdadeira experiência sensorial. 

Dedo na Ferida (dir. Silvio Tendler – Brasil) – Este documentário brasileiro aborda os meandros do sistema financeiro e suas contradições. Por meio de entrevistas com autoridades e especialistas, traça um panorama bem didático de como o capital está intimamente ligado com a política e os governos.

El Bar (dir. Alex de La Iglesia – Espanha/Argentina) O novo filme do radical diretor basco Alex de La Iglesia conta a história de um grupo totalmente heterogêneo de pessoas, que ficam presas num bar nada glamoroso no centro de Madri quando dois frequentadores são alvejados e mortos na porta. Atônitas, essas pessoas descobrem que terão de se virar por conta própria contra o perigo que vem de fora. Um filme de humor negro sobre paranoia, terrorismo, guerra bacteriológica e, em última instância, sobre vínculos de confiança entre as pessoas.


El Pampero (dir. Matías Lucchesi – Argentina/Uruguai) Um filme íntimo e minimalista passado num veleiro no Rio da Prata, envolvendo um homem com uma doença terminal, uma mulher que testemunhou um crime e um policial solitário. Com uma sólida construção de personagens e narrativa envolvente, o filme cativa e se revela aos poucos. Ótimo representante do cinema independente argentino. 

La Educación del Rey (dir. Santiago Esteves – Argentina) – Mais um filme que mostra o estado de vulnerabilidade que muitos rapazes latino-americanos, vivendo na periferia das grandes cidades, se encontram. Ao escapar de seu primeiro roubo com uma gangue, que dá errado, o jovem adolescente Rey cai acidentalmente no quintal do metódico policial aposentado, Carlos Vargas. O jovem passa a morar na casa do policial e sua esposa, e uma relação pai-filho às avessas começa a se desenvolver entre os dois. 

La Libertad del Diablo (dir. Everardo Gonzáles - México) Documentário que expõe as mazelas sociais latino-americanas através da violência causada pela guerra do tráfico, que anualmente custa a vida de mais de 20 mil pessoas no México. O documentário entrevista os familiares de alguns mortos e desaparecidos nessa guerra, que dão depoimentos contundentes sobre sua dor, sofrimento e medos. Os depoimentos são dados com a cabeça dos familiares encapuzadas, apenas os olhos e os lábios aparecem, o que dá um aspecto ainda mais marcante ao filme.

La 4ª Compañia (dir. Mitzi Vanessa Arreóla, Rafael Almir Cervera – México/Espanha) Um filme mexicano forte e intenso dirigido por uma mulher, passado dentro de uma prisão masculina no final dos anos 70. Zambrano é um jovem delinquente que chega à rígida Penitenciária Santa Martha com a esperança de juntar-se à equipe de futebol americano do local. Além de jogadores, esta equipe, também conhecida como a 4ª Companhia, atua como esquadrão da morte a mando das autoridades da penitenciária e de políticos. 

La Soledad (dir. Jorge Thielen Armand - Venezuela/Canadá/Itália) – José, um jovem pai venezuelano, luta para sobreviver na periferia de Caracas e descobre que a mansão decadente em que mora de favor com sua família será demolida. Guiado por espíritos ancestrais que vivem na mansão, José embarca numa busca mística para encontrar umas pepitas de ouro que dizem estar enterradas na casa. Uma poderosa metáfora para a situação atual da Venezuela. 

La Vendedora de Fósforos (dir. Alejo Moguillansky – Argentina) Uma fábula moderna e triste, entre o documental e o ficcional, inspirada no conto de Andersen “A Pequena Vendedora de Fósforos”. Conta a história da relação entre um casal argentino, marido e mulher músicos da orquestra do Teatro Colón, que está em greve, e as dificuldades deste casal para sobreviver e criar sua filha pequena. Uma metáfora sobre a situação atual da Argentina. Com uma edição ágil, uma bela trilha sonora e uma homenagem ao cineasta francês Robert Bresson. 

Lucía (dir. Humberto Solás – Cuba, 1968) Considerado uma obra-prima, um dos filmes cubanos mais emblemáticos de todos os tempos, conta a trajetória de três mulheres de nome Lucía, de classes sociais diferentes em épocas distintas da história de Cuba: durante a guerra da independência com a Espanha (1893), durante a ditadura de Gerardo Machado no período neocolonial (1930) e dez anos após a Revolução Socialista Cubana (1968). Foi exibido no Festival de Havana de 2017 em cópia restaurada pela Cinemateca de Bolonha. 

Matar a Jesús (dir. Laura Mora – Colombia/Argentina) – Um filme arrebatador que mostra a tensão e a ruptura das relações sociais na Medelin atual. A estudante universitária Paula testemunha o assassinato de seu pai, mas a polícia arquiva o caso. Alguns meses depois, Paula encontra casualmente Jesús, o jovem que matou seu pai. Uma relação tensa se desenvolve entre os dois. A diretora Laura Mora, que teve o pai assassinado em circunstâncias semelhantes, se baseou na própria história para fazer o filme. 


Medea (dir. Alexandra Latishev Salazar – Costa Rica) Um longa metragem vigoroso sobre uma jovem solitária de classe média de 25 anos que mora com os pais, joga rugby, de personalidade forte, que vive sua sexualidade com a máxima liberdade e se descobre grávida. Ela faz de tudo para esconder a gravidez de todos à sua volta, inclusive dela mesmo. Filme direto e seco, um ótimo recorte da juventude atual em toda a sua complexidade.

Memórias do Subdesenvolvimento (“Memorias del Subdesarrollo” – Cuba, 1968), dirigido pelo veterano cineasta cubano Tomás Gutiérrez Alea, esta é uma obra essencial, metafórica e altamente didática sobre como a ideologia burguesa se instaura e se articula na América Latina. Um dos filmes latino-americanos mais importantes já feitos, foi exibido no Festival do Rio de Janeiro em cópia restaurada. 

Santa & Andres (dir. Carlos Lechuga – Cuba/Colômbia/França) A história se passa em 1983 em uma aldeia cubana e mostra uma camponesa de 30 anos (Santa), que é designada pelo Partido Comunista a vigiar as atividades de um escritor homossexual de 50 anos (Andres), suspeito de manter atividades contrarrevolucionárias. A aproximação e o convívio de duas pessoas com ideologias distintas, mas profundamente humanistas, dão o tom do filme, sem nunca resvalar para o piegas. Programado para ser exibido no Festival de Havana de 2016, o filme foi proibido em Cuba. 

Sergio & Serguéi (dir. Ernesto Daranas – Cuba/Estados Unidos) Ambientado em 1991, conta a história do cubano Sergio, um aficionado de rádio e professor de marxismo na universidade, que busca dar um novo rumo para sua vida. No espaço sideral, está Serguéi, o último cosmonauta soviético, que se encontra em uma estação orbital avariada. Ambos se comunicam via rádio, dando origem a uma inusitada amizade. O filme mais aguardado e popular do Festival de Havana de 2017.

Todo Sobre el Asado (dir. Gaston Duprat e Mariano Cohn – Argentina) Um divertidíssimo documentário sobre o mais emblemático símbolo da cultura argentina: o churrasco. Além de ter uma sequência didática dos vários tipos de cortes de carne e diferentes preparos do churrasco existentes no país, o filme faz uma ácida crítica ao sacrossanto hábito dos argentinos de comer asado e como isto influencia sua atitude e visão de mundo. O filme é narrado de maneira sarcástica, com o próprio narrador fazendo uma autocrítica e soltando várias piadas um tanto preconceituosas. 


Viejo Calavera (dir. Kiro Russo – Bolívia/Qatar) Muitos críticos torceram o nariz para este filme boliviano, realizado em coprodução com o Doha Film Institute do Qatar. Mas, ele foi muito elogiado em festivais e com razão. Situado entre a ficção e o documentário, narra o cotidiano dos mineiros no povoado de Huanuni e a história de Elder, cujo pai mineiro veterano morreu e ele tem de morar com a avó. Elder está sempre bêbado e metendo-se em encrenca. Os próprios mineiros atuam no filme, que tem uma fotografia deslumbrante. A cena final, ao som de um adágio barroco executado por uma clarineta, é belíssima. 

Vigília (dir. Julieta Ledesma – Argentina/Uruguai) Um filme diferente com toques de realismo fantástico. Contado em tom de fábula, Santiago retorna à casa do pai, com quem não se dá bem. Além do pai agressivo (Ernesto) e a esposa disfuncional, a família sofre com uma grande seca. A relação entre pai e filho se deteriora, o pai mata cruelmente o cão de Santiago e o cão retorna em aparições que abalam a sanidade de Ernesto. Todos estes acontecimentos irão desestabilizar cada vez mais a família. 

Link para o artigo sobre o Festival de Buenos Aires (BAFICI)
http://www.grupocinemaparadiso.com.br/2017/05/bafici-festival-internacional-de-cinema.html

Link para o artigo sobre o Festival de Curitiba (Olhar de Cinema)
http://www.grupocinemaparadiso.com.br/2017/06/um-olhar-renovado-sobre-o-cinema.html

Link para o artigo sobre o Festival do Rio de Janeiro
http://www.grupocinemaparadiso.com.br/2017/10/festival-internacional-de-cinema-do-rio.html

Link para o artigo sobre a Mostra de São Paulo
http://www.grupocinemaparadiso.com.br/2017/11/mostra-de-sp-da-sinais-de-cansaco.html

Link para o artigo sobre o Festival del Nuevo Cine Latino Americano de Havana
http://www.grupocinemaparadiso.com.br/2018/01/festival-de-cinema-arrasta-multidoes-em.html

1 comentários:

CARLOS HENRIQUE disse...

O cinema latino-americano sempre produziu bons e ótimos filmes, teve a década de 60 como seu auge de penetração e relevância no mundo, mas a partir daí perdeu essa condição muito por conta do trabalho contínuo de desprezo realizado pelos críticos a serviço do pensamento hegemônico da cultura norte-americana em nossa imprensa.
Sonho que todos estes filmes entrem em cartaz ou, ao menos, sejam exibidos em uma das Mostras alternativas deste ano. E que sejam escolhidos pelos membros deste Grupo para discussão.

Carlos Henrique Vicente