Ecos Da Discussão de 12.06.2011
por Cláudia Mogadouro
Em pleno dia dos namorados, um domingo de muito frio, discutimos muito animadamente o filme argentino O Homem Ao Lado. Não tivemos muitas divergências, porque todos os presentes gostaram demais do filme. Aliás, muitos amigos do grupo haviam se manifestado, por e-mail ou por telefone, lamentando não poder ir à reunião, pois tinham adorado o filme.
Iniciamos a discussão transmitindo algumas informações de que O Homem Ao Lado foi premiado como melhor filme de 2010 pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas da Argentina, depois de ter vencido melhor fotografia em Sundance e melhor filme em Mar Del Plata. Detalhe: a obra da dupla quase iniciante em longas – Mariano Cohn e Gastón Duprat – também agradou ao público argentino, o que tem sido raro nos últimos tempos. O filme atingiu 250 mil espectadores, o que é considerado um bom público, pois, consta que os argentinos não gostam de seus próprios filmes, tão apreciados por nós, brasileiros. E nós? Gostamos dos nossos filmes?
Muitos comentaram que durante a exibição foram “mudando de lado”, ora achavam que o “vilão” era Leonardo, ora que era Victor. Mas essa preferência variou muito. Uns viram em Victor imediatamente um sujeito sincero... Outros o acharam horroroso, mas depois mudaram. O designer Leonardo agradou a alguns, mas outras pessoas do grupo antipatizaram com ele desde o início (como esta que vos escreve). O que foi unânime é que o roteiro não nos permitia relaxar em nenhum momento, pois nos desafiava a pensar uma saída para aquela negociação que poderia ser tão banal, mas que a cada vez se complicava mais... A complexidade do filme não estava na história, mas na condução do impasse que colocava o espectador diante de seus próprios preconceitos.
Victor, com todo estereótipo do sujeito grosseiro e ignorante, era o mais afetivo e cordato, o que abriu a janela para o outro, o que buscou uma aproximação. Ao contrário, o “civilizado” designer Leonardo, um artista premiado em Milão, representava a burguesia que parou no tempo (na estética modernista de Le Corbusier?) e que, se em algum dia almejou alguma transformação social, atualmente se mantém fechada em seu meio hipócrita e insosso.
Entendemos que a casa (a única obra de Le Corbusier na América Latina) é um personagem importante do filme. A casa modernista que outrora priorizou a convivência social ao conforto individual e, por isso mesmo, é totalmente aberta, se vê hoje vulnerável aos perigos do mundo. Mas essa burguesia intelectualizada e arrogante vê o perigo no lugar errado: tudo faz para fechar a janela aberta pelo vizinho, mas deslumbra-se com os tantos observadores que não param de admirar a casa. A vaidade cega.
A casa é linda, mas tem sua funcionalidade deturpada. A proposta de arquitetura modernista visava à integração das pessoas, com rampas e espaços abertos. Mas aquela família sofria com a incomunicabilidade (especialmente o protagonista Leonardo). Uma estética “de vanguarda” para um casal careta, sem sexo, que não se integra e que não consegue se comunicar com a única filha, enquanto esta se diverte com o teatrinho do vizinho “brega”.
Discutimos também os enquadramentos refinados do filme. Muitas cenas emolduradas, como a própria janela que é o mote da discórdia, mas também com aproveitamento dos espaços da casa, com espaços cênicos cuidadosamente construídos como a cena em que os amigos ouvem música, enquanto a batida da reforma do vizinho se mistura ao som “de vanguarda”.
Foi notado que Victor é sempre apresentado de frente, com nitidez, o que representa sua franqueza. Leonardo e sua mulher, em contraponto, estão sempre com seus rostos sem nitidez - como na cena em que o sogro pega a filmadora e não consegue achar o foco para filmar sua filha; ou na cena em que Leonardo prepara uma comida e o armário impede que vejamos seu rosto. Também na cena em que ele tenta conversar com a filha (num discurso horroroso) e ela prefere ouvir música, o rosto do pai aparece multifacetado nos espelhos do quarto. É comum que ele apareça de perfil, também. Nossas amigas psicólogas lembraram que em testes psicológicos o mais normal é que a criança sempre se represente frontalmente. O adulto que se representa de perfil pode estar tentando esconder um lado obscuro, até pra ele mesmo.
O grupo também discutiu um pouco se seria direito de Victor abrir a tal janela. A maioria achou que não, que é como abrir uma janela dentro da casa do outro. Em todo caso, sentimos que a transgressão deu um ótimo mote para a reflexão sobre a convivência e a intolerância tão presente na vida contemporânea.
Pedi ajuda ao nosso “consultor de arquitetura”, Márcio Torres (diretamente do Rio de Janeiro) que me contou que a casa, situada em La Plata, foi apenas projetada por Le Corbusier que aceitou a encomenda de um médico cirurgião, admirador do arquiteto suíço, que transformou o imóvel em residência e consultório. Ainda segundo Márcio, o terreno é pequeno e o médico desejava vista para o parque. Possivelmente daí veio a ideia de uma “casa transparente”.
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