Tomboy, de Céline Sciamma

Ecos da Discussão de 05.02.2012
Por Cláudia Mogadouro


No dia 5 de fevereiro, iniciamos nossas atividades de 2012. Estávamos saudosos. De início, discutimos algumas questões “administrativas”. Não vão estranhar! Eu sempre falo que o grupo não se leva a sério e é verdade! Mas, um mínimo de organização se faz necessária, caso contrário não resistiríamos há mais de 16 anos de existência. Resolvemos retomar o nosso fundo financeiro, de forma permanente. Ele existia para custear o jornal, porém, com a internet, isso não tinha mais sentido e nós o desativamos. Mas outras despesas surgem, especialmente na época do nosso aniversário, no meio do ano. Vamos transformar nosso site em blog, mas precisaremos de algum dinheiro pra fazer isso. Então, vamos manter a nossa conta de poupança e nossa “tesoureira” continuará sendo a Esther. Vamos divulgar a cada edição a conta e as contribuições serão voluntárias. Os amigos do grupo optam por depositar ou pagar pessoalmente na reunião. 

Outra mudança: pretendemos exibir, antes de cada reunião, um curta metragem. Os curtas são um formato importante e temos pouco hábito de assisti-los. Vamos tentar incrementar essa novidade. Vamos ver o que vai dar... Essa decisão teve muita influência do Marcos Paulino que sugere algo assim há muito tempo... 

A discussão sobre Tomboy foi muito interessante. No início, discutimos o significado do título. É um termo de origem britânica que indica uma menina moleca (em Portugal, “maria rapaz”). São meninas que brincam com os meninos, jogam futebol, não correspondem à feminilidade esperada de uma menina. Comentamos que as sinopses anunciadas estragam a intenção da diretora, pois imaginamos que ela gostaria de ter causado surpresa no espectador, mostrando só depois de uns 15 minutos de filme que se trata de uma menina (a cena da banheira). 

Todos os presentes gostaram do filme, acharam-no delicado, singelo, com o mérito de discutir a indefinição da identidade sexual da criança em uma família muito amorosa e equilibrada. Seria muito fácil – e raso – dizer que a menina queria se passar por menino como revolta em relação a uma família desestruturada. 

Apesar de muito equilibrada, entendemos que o filme sugere que o pai gostaria de ter tido um filho menino (o que se concretiza, no final do filme). Várias cenas revelam essa impressão: a cena em que o pai ensina Laure a dirigir, quando ele lhe dá cerveja na garrafa e sustenta que ela se daria muito bem no pôquer. Esse mesmo pai a carrega no colo, quando ela está chateada. Muitos pensaram na possibilidade de Laure se comportar como um menino para atender às expectativas do pai. 

A mãe, ao contrário, muito sutilmente, demonstra um desejo de que a filha se mostre mais feminina. Uma manifestação disso é que Laure conhece várias crianças no novo bairro, porém, ao contar para a mãe, enfatiza o fato de ter conhecido uma menina (Lisa). A mãe fica contente, embora surpresa (ela também quer atender às expectativas da mãe). 

As psicólogas do grupo comentaram que é comum a bissexualidade até uma certa idade. Laure está exatamente na fase em que essa ambiguidade deixa de acontecer... (os peitos vão crescer, ela irá menstruar, desejos surgirão). O limite da realidade (em contraposição à fantasia e à mentira) é o início das aulas, que a obriga a acabar com a farsa. Muitos entenderam que essa não seria a primeira vez que Laure se finge de menino, mesmo porque, a irmã não se surpreende com o fato. 

Falamos sobre o fato da diretora ser homossexual assumida, porém ela afirma não levantar essa bandeira. Alguns acharam que essa informação nos levaria a pensar que a menina Laure tem inclinação para ser homossexual. Mas, ao contrário, parte do grupo achou que a opção da diretora foi mostrar a infância, o mundo infantil, com toda a sua ingenuidade, criatividade e crueldade. Foi lembrado que nossa análise parte da visão do adulto; no entanto, o filme deixa a câmera na altura das crianças. 

Outra discussão, que dividiu o grupo, foi a de que alguns acharam incoerente a mãe ter forçado a barra para que Laure colocasse o vestido e fosse à casa dos amigos. A família parecia compreensiva e complacente com a situação. O tapa dado pela mãe foi impulsivo (perdoável), mas a atitude do dia seguinte, quando ela poderia ter esfriado a cabeça, refletido, conversado com o pai... foi desmedida. Outra parte do grupo achou positiva a atitude da mãe, pois a brincadeira extrapolou, ela bateu em um menino e mentiu. Para essas pessoas, na educação dos filhos, muitas vezes cometemos exageros, mas é preciso dar o limite. 

Por último, foi abordada a História da Sexualidade de Foucault, comprovando que a educação diferenciada para meninas e meninos é sempre uma construção social, cultural e opressora.

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