Ecos da Discussão de 23.09.2012
Por Cláudia Mogadouro
A reunião de 23/09/2012, sobre o mais recente filme de Ugo Giorgetti, Cara ou Coroa, foi quente. Durou quase 4 horas, especialmente porque o filme estimulou uma série de depoimentos incríveis dos participantes, sobre o período ditatorial. Logo no início, discutimos o título do filme. Para Elisa Pitombo, “cara ou coroa” reflete os antagonismos da época, mostrados bem na cena inicial: ou você é homem, ou é mulher; ou é de direita, ou de esquerda; se usa cabelos longos, é roqueiro e rebelde. Para Rianete, o título mostra as faces de uma mesma moeda. Mônica lembrou que era um tempo de mocinhos e bandidos. Dias depois da nossa discussão, vi Giorgetti dizer em uma entrevista que o título “cara ou coroa” falava da sorte. Naquela época, acreditava-se muito na sorte de se ganhar na loteria (ou nos cavalos), assim como no azar de se deparar com a pessoa errada. Se alguém fosse preso, poderia dar sorte de ser liberado logo, sem passar por tortura (como é o caso, no filme, da crítica de teatro). Mas podia dar azar... E se dar muito mal!
Todos concordaram que o forte do filme é justamente o não maniqueísmo, as nuances dos personagens. O general e o taxista são super conservadores, mas não crápulas. O diretor de teatro tem atitudes corajosas e libertárias, mas está longe de ser um herói. O dirigente comunista tem uma visão estreita da arte, no entanto, ele não é mostrado como um vilão.
Leonor achou que, em algumas cenas, houve um pouco de didatismo, mas entendeu como necessário para as gerações mais novas. Marcos não concordou com o termo didatismo, talvez por ele pertencer a essa geração mais nova, achando justa essa contextualização. Glória disse que o suspense sobre os prisioneiros a deixaram com o coração apertado, como naquela época.
Elogiamos a direção de arte que ambientou muito bem o filme em 1971. O figurino, os cartazes na porta do teatro e no bar, pessoas lendo “O Pasquim”, a passeata da TFP, tudo isso nos fez viajar pra aquela época. Muitos – não apenas eu – não gostaram da atuação de Geraldo Rodrigues, o rapaz que interpreta Getúlio. Alguns acharam que o problema foi sua inexperiência em meio a um elenco de alta qualidade. Foi consenso que o filme aborda um período triste com ternura e delicadeza.
Falamos também do quanto as pessoas “sentiam” a pressão de um tempo autoritário, mas nem sempre entendiam o que estava acontecendo realmente. Se a pessoa morasse no interior ou se não tivesse alguém da família envolvida com a resistência, não teria como saber, porque a censura era forte.
Aí começaram as nossas histórias de vida relacionadas àquele período. Rianete contou o que aconteceu com Carlos, um amigo dela e do marido, que não era militante, mas tinha uma namorada da alta sociedade envolvida com um grupo de guerrilha urbana. Certa vez, a moça participou de um assalto a banco, um rapaz foi ferido e tiveram que escondê-lo na casa do Carlos. Mesmo sem ser militante, ele se envolveu até a tampa e teve que passar longos anos fora do país. Esther contou que no dia do golpe militar, seu marido sofreu um enfarto (porque o clima do golpe o fez reviver os horrores do campo de concentração). Ela teve que ir buscar ajuda médica sozinha, em um trajeto que passava pela Av. Tiradentes, onde se encontrava o movimento dos militares.
Minha mãe – Maria Elza – incomodou-se muito com o personagem de João Pedro, o diretor de teatro, que lhe trouxe tristes lembranças do tempo em que meu pai atuava no Teatro de Arena e nunca recebia o pagamento. A situação descrita por Mara, ex-mulher de João Pedro – aluguel atrasado, aviso de corte da luz, sufoco total – fez parte de sua rotina por muitos anos de casada. Assim mesmo, ela sempre nos contou isso em tom pitoresco, como uma aventura (cultural e política) que o casal resolveu encarar. E outro depoimento engraçado foi o da Elisa, que contou que andava com a turma de Mário Masetti (posteriormente, diretor de teatro e cinema) e depois lemos uma entrevista de Giorgetti contando que foi em uma história de Masetti que ele se inspirou, pois ele escondeu dois militantes em sua casa e sempre teve a impressão que seus pais sabiam, mas nada disseram. Muita coincidência.
Mas o depoimento mais forte foi o da Rianete, sobre as peripécias que ela passou com o marido e os filhos. Pedi que ela escrevesse sobre isso e ela o fez no artigo denominado “Faz tanto tempo e eu ainda me comovo”. Tocante!
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