Cinema Gaúcho

22.10.2015
Elaboração: Profª Drª Cláudia Mogadouro


Tenho constatado que o público (incluindo professores) desconhece a maioria dos filmes produzidos no Brasil nos últimos 20 anos. O cinema nacional ganhou fôlego. As leis de incentivo à cultura têm permitido a produção de MUITOS filmes, para todos os gostos: filmes de baixo, médio e alto orçamento, filmes de temas e formatos diversos. Porém, boa parte dessa produção não chega às salas de cinema, não são divulgados. Então, partilho com você, neste artigo, a produção recente do cinema gaúcho. 

No início do século XX, a produção nacional de cinema se deu em diferentes regiões do Brasil, de maneira isolada. Foram os ‘ciclos regionais de cinema’. No sul, a cidade de Pelotas/RS foi um polo importante. Ali foi produzido o filme O Crime dos Banhados (1914), considerado o primeiro longa metragem de ficção no Brasil. Dirigido por Francisco Santos, a obra seguia uma onda de reconstituição de crimes impactantes e famosos. Nos anos posteriores, as produções locais perdem fôlego, porque o cinema dos EUA passa a dominar as salas de cinema, até nas cidades menores. A partir dos anos 1960, o cinema gaúcho tem uma nova onda de produções. 

O Rio Grande do Sul é um estado que valoriza sua cultura regional. As músicas e danças tradicionais gaúchas são cultivadas por várias gerações, assim como suas histórias de resistência política bem traduzidas na literatura. Com o cinema não foi diferente. Os filmes de sucesso no estado, já que nem sempre a distribuição era feita para todo o Brasil, eram os que reforçavam a identidade gaúcha nas imagens reconhecidas por todos: o homem do pampa, ligado à terra, montado num cavalo. Esse gosto foi reforçado pelos 12 filmes rodados entre 1967 e 1981 pelo ator e cantor conhecido como Teixeirinha. As narrativas ingênuas e estereotipadas como Coração de Luto; Ela tornou-se freira; Carmen, a cigana; Gaúcho de Passo Fundo, entre outras, fizeram enorme sucesso. 

Nos anos 1970 o cinema gaúcho vive um novo movimento, graças a dois marcos importantes. De um lado a criação do Festival de Cinema de Gramado, no auge da ditadura militar, em 1973, trouxe para o estado um evento de esfera nacional, que chega a 2015, à sua 43ª edição. De outro, o movimento cineclubista gaúcho garantiu a formação de um público importante e ‘antenado’. A criação do Grupo de Cinema Humberto Mauro (1976-1980), o primeiro cineclube do Brasil a só exibir filmes brasileiros, é mais um marco na cultura cinematográfica do Rio Grande do Sul. 

A produção de cinema sempre foi muito cara, numa época em que não existia o vídeo nem as tecnologias digitais. Alguns jovens gaúchos encontraram no Super-8 o meio mais barato de produzir filmes, na bitola 16 e 35 mm de então. Foi em Super-8 que foi produzido o filme Deu Pra Ti, anos 70 (1981). De Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, dois jovens cineclubistas que, ao lado de Carlos Gerbase (diretor assistente do filme), serão fundamentais para a geração seguinte. O filme foi premiado em Gramado, o que raramente ocorria com um filme feito em Super-8. Este foi considerado o momento da "virada". 

Outro momento fundamental foi a premiação no Festival de Gramado de 1984, como Revelação, do filme Verdes Anos, dirigido por Giba Assis Brasil e Carlos Gerbase (em 35 mm). Essa nova geração transformou o cinema gaúcho, tanto na temática como na estética. Os gaúchos dos pampas saem de cena, o cinema gaúcho adquire linguagem ágil e dialoga muito mais com a juventude urbana contemporânea. A montagem garante a agilidade, principalmente aquela realizada por Giba Assis Brasil, roteirista e diretor que se se tornou um dos grandes montadores do cinema brasileiro. 

Os curtas metragens adquirem muita importância no Rio Grande do Sul, fomentadas pela "Lei do Curta", que garantia a exibição de um curta metragem antes de um longa, nos cinemas. Outros profissionais surgem a partir de 1984 e vão se juntar a essa nova geração: Jorge Furtado e José Pedro Goulart assinam direção e roteiro dos curta Temporal (1984) e O dia em que Dorival encarou o guarda (1986, plano de aula no link...), ambos bastante premiados. Em 1988, Furtado junta-se a Ana Luíza Azevedo, assinando roteiro e direção de Barbosa. Em 1989, a consagração do que se chamou a "Primavera dos Curtas" foi a premiação de Ilha das Flores como melhor curta metragem no Festival de Berlim. 

No final de 1987, onze cineastas dessa nova geração fundaram a Casa de Cinema de Porto Alegre, para trabalharem em projetos comuns, da produção até a exibição de filmes e séries de TV. Transformada em produtora independente em 1991. A Casa de Cinema de Porto Alegre já produziu dezenas de filmes e vídeos, programas de televisão (especiais e séries), cursos de roteiro e de introdução à realização cinematográfica, fórums de debates e programas eleitorais para TV. Especialmente os longas dirigidos por um dos sócios, Jorge Furtado, contratado pela Globo logo depois do sucesso de Ilha das Flores, tornaram o cinema moderno gaúcho nacionalmente conhecido. Poucos filmes voltados para o público jovem têm a criatividade e o frescor dos filmes de Furtado, que é um especialista em diálogos inteligentes e ágeis. Acaba de estrear seu mais recente longa metragem Real Beleza, com Vladimir Brichta, Adriana Esteves, a estreante Vitória Strada e Francisco Cuoco. Um pouco diferente de seus filmes anteriores, por não ter o humor como chave principal, é um filme que dialoga com público amplo, com fotografia esplendorosa.


No site da Casa de Cinema de Porto Alegre pode ser encontrada a relação de todos os filmes produzidos, a história completa da instituição e muitos artigos sobre cinema.


Vale citar alguns deles: Tolerância (2000), Sal de Prata (2005), 3 EFES (2007), O Corpo de Flávia (1990, curta-metragem), todos de Carlos Gerbase; Houve Uma Vez Dois Verões (2002), O Homem que Copiava (2003), Meu Tio Matou um Cara (2004), Saneamento Básico, o filme (2007), O Mercado de Notícias (2013) e Real Beleza (2015), O Sanduíche (2000, curta-metragem); Veja Bem (1994, curta-metragem), Velazquez e a Teoria Quântica da Gravidade (2010, curta), de Jorge Furtado; Antes que o Mundo Acabe (2010), Ventre Livre (1994, documentário) e Doce de Mãe (telefilme, com co-direção de Jorge Furtado); Dona Cristina Perdeu a Memória (2002, curta-metragem), de Ana Luíza Azevedo.


Outras produções recentes que valem ser mencionadas são os dois longas com temática da Revolução Farroupilha Anahy de las Misiones (1997), dirigido por Sérgio Silva, com roteiro de Tabajara Ruas, Gustavo Fernandez e Sérgio Silva e Netto perde sua alma (2002), dirigido por Tabajara Ruas e Beto Souza. Ruas realiza, em 2008, Netto e o Domador de Cavalos, com o mesmo personagem, interpretado pelo mesmo ator, reconstituindo eventos anteriores ao primeiro filme. O ator em questão é Werner Schünemann, que teve uma carreira importante no Rio Grande do Sul como ator, produtor, roteirista e diretor, tendo participado também da fundação da Casa de Cinema de Porto Alegre.

Depois de 20 anos de intensa atuação no estado é que Werner Schünemann tornou-se conhecido nacionalmente como ator de telenovelas e minisséries.

Os educadores não podem deixar de conhecer outros dois filmes dessa região. Os Famosos e os Duendes da Morte (2010), de Esmir Filho, dirigido para adolescentes, e As Aventuras do Avião Vermelho (2014), de Frederico Pinto e José Maia, animação baseada no livro homônimo, de Érico Veríssimo (plano de aula no link).


Já os educadores gaúchos têm um consistente Programa de Alfabetização Visual, que vem sendo realizado no Rio Grande do Sul desde 2008, articulando Secretarias da Cultura, da Educação, Faculdade de Educação da Universidade Federal do RS e o Programa Mais Educação do MEC. Envolvendo formação de professores, oficinas de produção audiovisual para crianças e adolescentes em inúmeras escolas públicas, o programa já realizou seminários nacionais, internacionais e a publicação do livro Escritos de Alfabetização Audiovisual, sob a coordenação de Maria Carmen Silveira Barbosa e Maria Angélica dos Santos. 

Outra vitória recente foi a inauguração da Cinemateca Capitólio, no prédio do antigo Cine-Theatro Capitólio. O imóvel, construído em 1928, finalmente foi entregue à população de Porto Alegre após longo processo de restauração. Hoje, além da cinemateca com sessões de filmes alternativos para o público, é lá que acontecem os cursos de formação de professores do Programa de Alfabetização Audiovisual.

''Artigo escrito e publicado no Portal NET Educação: www.neteducacao.com.br"

Para saber mais:

► O site da Casa de Cinema de Porto Alegre é: http://www.casacinepoa.com.br/
► Site do Programa de Alfabetização Audiovisual: http://alfabetizacaoaudiovisual.blogspot.com.br/
► Livro: Escritos de Alfabetização Audiovisual, organizado por Maria Carmen Silveira Barbosa e Maria Angélica dos Santos, Porto Alegre: Libretos, 2014. 356 p.
► Texto de Giba Assis Brasil, encontra-se no link: http://www.casacinepoa.com.br/as-conex%C3%B5es/textos-sobre-cinema/cenas-do-cinema-ga%C3%BAcho
► Artigo de Miriam de Souza Rossini Cinema gaúcho: construção de história e de identidade, disponível em https://nuevomundo.revues.org/3164

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