29.06.2016
por Profª Drª Cláudia Mogadouro
Em junho de 2014, foi aprovada a lei 13.006/2014 que complementa a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, obrigando a exibição de, no mínimo, duas horas de cinema brasileiro nas escolas, como complemento às atividades curriculares.
A lei reconhece o cinema como parte da cultura brasileira, o que demanda a sua inserção no currículo ao lado de outras linguagens artísticas como a literatura e as artes. Já falamos sobre a importância e as possibilidades de inserção do cinema no currículo em vários artigos publicados no NET Educação. Em 2012, quando ainda era um projeto de lei do senador Cristovam Buarque e, depois, em 2014, logo após a sua aprovação.
Em 2015, houve um esforço para regulamentar esta lei e enfrentar todas as dificuldades que esta novidade traz para as escolas. Para isso foi criado pelos Ministérios da Educação e da Cultura um grupo de trabalho com a participação de diversos representantes, atuantes na área de cinema e educação: integrantes das Secretarias de Educação e Formação Artística e Cultural, do Audiovisual e da Agência Nacional de Cinema; professores e pesquisadores de universidades; profissionais atuantes em projetos como o programa de Alfabetização Audiovisual de Porto Alegre, a Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis, o Programa de Educomunicação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, a RedeKino, o Conselho Nacional de Cineclubes e o Congresso Brasileiro de Cinema.
Eu estava lá, representando a Escola de Comunicações e Artes da USP e o programa de formação de professores da Prefeitura do Município de São Paulo. Foi uma experiência riquíssima participar desse grupo. No encontro mensal, realizado em Brasília, discutíamos as dificuldades que envolviam a regulamentação da nova lei. Em cada reunião, percebia o desafio imenso que são as políticas públicas, num país tão grande e com tantas desigualdades e diferenças.
No primeiro encontro, ocorrido em agosto de 2015, estabelecemos três eixos com desafios a serem trabalhados, em subgrupos. O primeiro debruçou-se sobre o fomento às produções voltadas para a infância, que é escassa se comparada aos títulos voltados para jovens e adultos. O segundo subgrupo voltou-se para a distribuição e a acessibilidade do audiovisual brasileiro nas escolas, o que envolve tanto a infraestrutura (equipamentos, conectividade para acessar aos filmes pela internet) como os problemas de liberação dos direitos autorais para a exibição dos filmes nas escolas. E o terceiro do qual participei, teve como eixo o desafio da formação de professores para o uso pedagógico dos conteúdos audiovisuais. Os subgrupos trabalhavam separadamente e, no final do dia, se reuniam para partilhar questões e avanços. Ao final do ano fechamos um documento, com propostas de ações a curto, médio e longo prazo, que foi encaminhado aos dois ministérios.
Ainda teremos que esperar um pouco para ver publicada essa regulamentação, já que estamos vivendo um momento político delicado. Mas não é possível ficar de braços cruzados, pois a lei já está valendo e precisa ser cumprida. Por isso compartilho aqui elementos trazidos por essa discussão, para auxiliar as ações que já estão ocorrendo.
Vamos falar de acessibilidade, direitos autorais e analisar se os cineclubes são uma opção para cumprimento da lei.
A indústria do cinema brasileiro passa por uma séria crise. Embora as leis de incentivo favoreçam a produção de filmes, eles não chegam ao público, por conta da precária estrutura de distribuição e exibição, tema que já abordei num artigo. Apresentar esses filmes nas escolas seria um bom meio de tirá-los da invisibilidade. Porém, como obtê-los? Alguns estão disponíveis em DVDs, formato em vias de ficar obsoleto, muitos já estão online, mas o acesso virtual estável não é uma realidade para todas as escolas. Por isso um programa nacional de acessibilidade do cinema brasileiro tem que prever vários formatos, inclusive DVD, e as plataformas digitais.
Em 2007, foi criado o projeto Programadora Brasil, que disponibilizava 700 DVDs de cinema brasileiro, licenciados para exibição sem fins lucrativos, em pontos de exibição associados. O conjunto era rico e abrangente, contemplando formatos e temas variados, de 600 diretores diferentes, produzidos em todas as regiões do Brasil. Vários deles vinham com a opção de audiodescrição (para cegos) e legendas em close caption (para surdos). O projeto, infelizmente, foi desativado. Nosso grupo de trabalho propôs a reativação da Programadora Brasil. Vai ser maravilhoso se isso acontecer!
Outro programa que pode contribuir para a acessibilidade é a TV Escola, projeto que vem produzindo obras interessantes para o processo educativo. Essa ideia considera que a lei pode também ser cumprida com produções televisivas de conteúdo educativo, estendendo a ideia de cinema brasileiro para audiovisual brasileiro, desde que seja preservado o conceito de veicular obras relevantes da cultura brasileira.
Já o problema dos direitos autorais esbarra em problemas legais, pois temos leis que se contradizem. Uma obriga as escolas a exibirem filmes brasileiros e outra exige o pagamento dos direitos autorais aos distribuidores. Porém, um advogado consultado pelo grupo de trabalho não vê este tipo de exibição como descumprimento da lei. Ele colocou que o artigo 46 da Lei 9.610/98 entende que não se constitui ofensa aos direitos autorais a representação teatral e execução musical, quando realizadas no recesso familiar (ambiente privado) ou para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo qualquer intuito de lucro, podendo ser realizadas sem prévia autorização ou pagamento.
Também, completou dizendo que estamos tratando da utilização de qualquer obra e não só a musical ou teatral. Para ele, os fins didáticos explicitados na lei podem ser entendidos como fins educativos. O que se pode discutir é a extensão da exibição: se será aberta a todo o público, apenas à comunidade escolar (pais, funcionários, etc) ou ainda se será restrita aos alunos matriculados. Esta situação ainda exigirá um amadurecimento do debate. Mas para os alunos de uma sala de aula ou em atividades voltadas para os alunos de toda a escola, está fora de questão o pagamento de direitos autorais. E tenho recomendado aos professores que busquem usar DVDs originais, e não cópias piratas.
Outras dúvidas que têm surgido versam sobre a criação de cineclubes. Os cineclubes, em geral, são atividades livres, optativas e muitas vezes acontecem no contraturno das aulas. Neste caso, exibir filmes brasileiros no cineclube não atende ao que pede a lei, já que ela prevê que os filmes brasileiros exibidos dialoguem com a proposta pedagógica da escola e garantam as duas horas de exibição para todos os estudantes da unidade escolar.
Seria possível considerar os cineclubes como uma maneira de cumprir a lei em situações como a de um professor chamar de cineclube uma atividade periódica com cinema ou, ainda, no caso das escolas que aderem ao programa de educação integral, com longa permanência dos alunos na escola, escolher o cineclube como uma atividade integrante do horário estendido. Nos dois casos, se atividade abranger todos os alunos da unidade escolar, a lei estará sendo cumprida.
Finalmente vale lembrar que não é necessário que as duas horas ocorram numa só sessão, podendo ser programados vários filmes de curta metragem em dias diferentes. Nesses dois casos os cineclubes podem contribuir sim para o cumprimento da lei.
Voltaremos ao debate sobre a regulamentação da lei que garante a exibição de filmes brasileiros nas escolas. Há muito a construir neste projeto.
- Planos de aula de cinema e educação
- O Cinema Nacional nas Escolas
- Filmes brasileiros no currículo escolar
- O tradicional cineclube
"Artigo escrito e publicado no Portal NET Educação: www.neteducacao.com.br"
- O Cinema Nacional nas Escolas
- Filmes brasileiros no currículo escolar
- O tradicional cineclube
"Artigo escrito e publicado no Portal NET Educação: www.neteducacao.com.br"
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