27.03.2017
por Fernando Machado
Confesso que fui assistir ao filme mais pela curiosidade de ver uma produção que se passa no centro da cidade de São Paulo, pela qual tenho interesse histórico, do que pela polêmica temática abordada, que é a ocupação de imóveis.
Meu interesse inicial aumentou por ser o local do antigo Hotel Cambridge, um edifício de 15 andares e 119 apartamentos, que funcionou da década de cinquenta a 2004, e que chegou inclusive a ser declarado, pelo Decreto 51.237/2010 a Prefeitura, como “de interesse social, para ser desapropriado judicialmente ou adquirido mediante acordo, pela Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB/SP”.
O filme trata, essencialmente, da precária situação de um grupo heterogêneo de pessoas que se encontram, em suas próprias palavras, na condição de “refugiados”, sejam estrangeiros fugindo de conflitos como os que ocorrem na Palestina/Israel e a guerra em países como a República Democrática do Congo, quanto brasileiros que não conseguem lograr um mínimo sucesso econômico em seu próprio país de origem.
Foi esclarecedor conhecer um pouco mais sobre o mecanismo da ocupação de imóveis, seus métodos e estratégias. Há, porém, alguns aspectos que poderiam ser mais aprofundados ao longo do filme, como as ligações político-partidárias dos integrantes da ocupação e seus líderes, os critérios de escolha de quem será ou não morador, bem como quem está pagando pelos ônibus utilizados na ocupação, pela luz e pela água dos imóveis invadidos, quem está lucrando politicamente com essa situação de incerteza jurídica, etc.
Também poderiam ser melhor realizados os enquadramentos dos personagens em algumas cenas no interior do edifício, evitando-se closes que algumas vezes não mostraram todo o rosto do personagem em destaque; ou ainda evitando que a câmera acompanhasse, de forma desnecessariamente desajeitada e tremida, algumas das cenas da nova ocupação. Como pontos positivos, destacam-se as performances de José Dumont e dos atores recrutados no próprio conjunto de moradores.
O filme inova ao mostrar a realidade vivida por muitos estrangeiros no Brasil, com cenas tocantes, como as conversas entre os irmãos congoleses pelo Skype e o sonho relativo à mineração do valioso Coltan (mistura de minerais da qual se extraem o nióbio e o tântalo, utilizados na indústria eletrônica e aeroespacial).
Outra inovação é mostrar a questão dos refugiados palestinos. Um dele até já tinha a sua “lojinha” no prédio, embora fosse mostrado em uma cena bebendo álcool com os outros moradores, o que contraria a fé muçulmana. Nesse caso, não ficou claro se a intenção foi mostrar a mudança do personagem depois que mudou para o Brasil, ou se houve, simplesmente, uma falha na pesquisa para o filme.
Infelizmente, o colombiano não convenceu, pois seu espanhol não tinha a fluência necessária para dar credibilidade ao personagem, mas destaca-se a cena em que a sua amiga que está no México canta pelo Skype, chamando a atenção de todos os que estão na sala. Por fim, senti falta de personagens haitianos e bolivianos, que já representam minorias importantes em São Paulo.
Como pano de fundo do filme também nota-se uma atualização do ”sonho de vencer em São Paulo”: vindos de várias partes do País (e do globo), as pessoas vêm em busca de uma vida melhor, e para isso estão dispostas a enfrentar as adversidades que aparecerem. Uma das formas que encontraram para isso, polêmica em vários aspectos, é participar de grupos de ocupação de imóveis.
No fim, trata-se do sonho de prosperar, que moveu tantos outros que aqui chegaram em tempos passados, quando muitos ocuparam terrenos, públicos ou particulares, para construir suas moradias, que hoje constituem muitos bairros consolidados do município.
Mas será que São Paulo ainda é realmente o ímã econômico de outrora? Será o sonho apenas uma miragem, uma ilusão? A cidade vem passando há décadas por transformações dramáticas, e atravessa no momento grave crise combinada à mudança do seu perfil econômico. Nesse cenário, a decadência do próprio centro, em geral, e do edifício do Hotel Cambridge, em particular, fazem parte desse fenômeno de mudança.
Como São Paulo já atingiu um tamanho próximo ao seu máximo possível, então o futuro pode não oferecer o trabalho que os “refugiados” tanto precisam, dentro de suas qualificações. O sonho, infelizmente, pode se transformar em amargo pesadelo...
Há, portanto, a necessidade de discussão sobre as mudanças necessárias, não apenas restritas à metrópole paulistana, mas que também estendem-se ao Brasil, e que possibilitem uma vida melhor para as próximas gerações, dentro do arcabouço republicano, democrático e com respeito à livre iniciativa e às necessidades sociais: qual será a nossa inserção na nova Economia do Conhecimento? Quem e como vai gerar os recursos necessários? E como os recursos gerados devem ser distribuídos? Qual será o papel do governo? E do setor privado? Como lidar adequadamente com o déficit habitacional?
Cada um terá uma resposta diferente para essas questões, mas o importante é podermos discuti-las para sermos atores, e não meros espectadores, desse processo inexorável de mudança pela qual estamos passando.
Fica, então, como sugestão para a diretora de Era o Hotel Cambridge, Eliane Caffé, a ideia de um novo filme, a ser realizado daqui a alguns anos, contando o que aconteceu com os personagens que foram mostrados nessa obra, e quais dos seus sonhos foram transformados em realidade.
(*) Fernando T.H.F. Machado é economista e admirador da Sétima Arte.
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