28.06.2017
Por João Moris
O Festival Olhar de Cinema convida os espectadores a
experimentar novas maneiras de ver filmes
O Festival Internacional Olhar de Cinema, de Curitiba, vem despontando como um dos melhores do País. Atualmente em sua 6ª edição, o festival prima por trazer filmes realmente independentes, alternativos e experimentais do Brasil e de vários lugares do mundo.
O Olhar de Cinema é um festival enxuto, avesso a badalações e muito bem organizado. Em 2017, teve apenas 125 títulos divididos em 11 mostras, entre longas e curtas metragens da competição, clássicos, exibições especiais, retrospectivas, filmes para crianças e filmes paranaenses. Foram ao todo nove dias de festival, entre 7 e 15 de junho, e os filmes foram exibidos em média duas vezes em cinco confortáveis salas.
Cabe ressaltar o esforço dos curadores em aguçar o olhar do público trazendo filmes que não fazem concessão ao cinema comercial e que tendem ao experimentalismo. Portanto, a maioria dos filmes do Olhar de Cinema tem estética e estrutura narrativa não-linear, o que exige mais reflexão, atenção e, muitas vezes, paciência por parte do espectador. São filmes que nos tiram da zona de conforto, por vezes incomodam, mas nunca saímos indiferentes da experiência. É essa a maior riqueza do festival curitibano.
Assim, houve documentários como 300 Milhas, do sírio Orwa Al Mokdad, em que o diretor e sua sobrinha Nour, de 10 anos, decidem diminuir as 300 milhas que os separam entre Daara e Aleppo, ao sul e ao norte da Síria, através de gravações pessoais de vídeos trocados entre eles no caos da guerra. Em El Mar La Mar, os americanos Joshua Bonnetta e J.P. Sniadecki realizam um poema épico e pictórico sobre a arriscada travessia dos imigrantes na fronteira entre o México e os EUA. Este filme inquietante foi o grande vencedor do festival. O documentário indiano Máquinas, de Rahul Jain, mostra de forma igualmente poética e contundente um dia de trabalho numa gigantesca fábrica têxtil do estado de Gujarat, na Índia, e as condições às quais os trabalhadores estão submetidos.
Um dos filmes de ficção mais cortejados do festival Olhar de Cinema deste ano foi o turco Grande Grande Mundo, de Reha Erdem, uma fábula moderna sobre um jovem órfão que, depois de ter cometido um crime, foge com sua irmã adolescente e ambos se escondem numa floresta nos confins da Turquia. Um filme relevante e nada conciliatório sobre a vulnerabilidade de muitos jovens no mundo hoje.
O filme turco Grande Grande Mundo foi um dos destaques da programação do Festival Olhar de Cinema
Entre os brasileiros, o Olhar de Cinema também não decepcionou, exibindo um leque de filmes que fogem dos padrões estéticos do cinema nacional. O filme que encerrou o festival, Baronesa, da mineira Juliana Antunes, é um potente documentário sobre o cotidiano da periferia de Belo Horizonte visto sob a perspectiva feminina. Já Rifle, do premiado diretor gaúcho Davi Pretto e que estreou no Festival de Berlim deste ano, é um faroeste às avessas ambientado nos pampas e protagonizado por um jovem imprevisível e solitário. O filme brasileiro que ganhou o prêmio de público e foi muito prestigiado é Fernando, de Igor Angelkorte, Julia Ariani e Paula Vilela, que fazem um filme semidocumental sobre a vida do arte-educador e ativista carioca Fernando Bohrer, cuja trajetória é mostrada de forma cativante e nunca piegas. Outro documentário ganhador do Prêmio Olhares Brasil no festival é Meu Corpo é Político, de Alice Riff, que aborda o cotidiano de quatro transgêneros na cidade de São Paulo e sua luta por dignidade e visibilidade numa sociedade que os exclui e os nega.
O filme Fernando foi um dos mais prestigiados do Olhar de Cinema 2017 e recebeu o prêmio do público
A mostra Olhar Retrospectivo trouxe cópias restauradas dos filmes do diretor expressionista alemão F. W. Murnau (1888-1931), que morreu no auge de uma carreira que inclui filmes clássicos mudos como Nosferatu (1922), Tabu (1931) e Aurora (1927), considerado pelo cineasta francês François Truffaut o filme mais brilhante da história do cinema. A mostra contou com 10 dos 12 títulos remanescentes da filmografia de Murnau. Ver estes filmes restaurados na tela grande é um presente dos deuses a qualquer cinéfilo!
A mostra Olhares Clássicos também trouxe filmes restaurados de várias épocas e diretores, como o deslumbrante filme de ficção científica Ikarie XB1 – Viagem ao Fim do Universo (1963), do diretor tcheco Jindrich Polák. Todo filmado em preto e branco, o filme é uma jornada pelas galáxias do universo para encontrar vida no planeta Alfa Centauri. Apesar da tecnologia incipiente da época, influenciou filmes notórios da ficção científica, como 2001, Star Trek, Guerra nas Estrelas e O Planeta dos Macacos.
Outros clássicos restaurados que a mostra brindou os espectadores foram o assombroso Viagem à Lua (1902), do precursor do cinema Georges Méliés, Boudu, Salvo das Águas (1932) de Jean Renoir, Anatahan (1953) do diretor alemão Josef von Sternberg, curtas do premiadíssimo animador escocês-canadense Norman McLaren (1914-1987), além de raridades do cinema marginal brasileiro como Conversas no Maranhão (1963), de Andrea Tonacci, Longo Caminho da Morte (1971), de Julio Calasso, e Os Inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de Andrade.
A ficção científica tcheca Viagem ao Fim do Universo, de 1963, foi um dos clássicos restaurados exibidos no festival
O festival Olhar de Cinema também inclui seminários e mesas redondas sobre cinema e produção audiovisual. Entre os debates deste ano, houve a mesa Cinema de Invenção, que trouxe três gerações de cineastas brasileiros (o veterano ator e diretor Julio Calasso, Paulo Sacramento, que dirigiu o longa-metragem O Prisioneiro da Grade de Ferro, e o jovem cineasta cearense Guto Parente, que dirigiu Estrada Para Ithaca) para falar sobre o Cinema de Invenção (também chamado de Cinema Marginal, Experimental ou Udigrudi), que floresceu no País entre a década de 60 e 70. Com estética e proposta diferentes das do Cinema Novo, o Cinema de Invenção foi um movimento anárquico, debochado e provocador, que lançou vários diretores criativos que estavam à margem do Cinema Novo, entre eles Jairo Ferreira (1945-2003), cujo livro clássico “Cinema de Invenção” está sendo relançado, Rogério Sganzerla, Julio Bressane, Luiz Rosemberg Filho, Neville de Almeida e Maurice Capovilla.
Durante o festival, também houve uma mesa composta por integrantes do coletivo de mulheres críticas de cinema (Elviras): a pesquisadora e roteirista Amanda Aouad, a jornalista Maria do Rosário Caetano, a ativista cultural Emanuela Siqueira e a jornalista Neusa Barbosa. As Elviras formam um grupo de reflexão sobre o papel da mulher no cinema e na sociedade. O grupo existe desde 2016 e tem quase 100 participantes em todo o Brasil. Além de se reunir periodicamente e promover discussões pelo whatsapp, o grupo participa de mesas redondas e palestras sobre a questão de gênero. Durante a mesa, o grupo relatou que, embora a participação feminina no cinema brasileiro tenha melhorado nos últimos anos, no Brasil há apenas 20% de mulheres cineastas. No Cinema Novo, não havia uma única mulher dirigindo filmes, apenas atrizes e produtoras. Durante o debate, o grupo lançou um desafio: entre seus 10 diretores de cinema favoritos, quantas são mulheres? É uma pergunta extremamente pertinente, num momento em que as mulheres ocupam mais espaço no universo do cinema brasileiro e mundial, ainda dominado por homens e, muitas vezes, com um viés claramente machista.
As Elviras em ação durante o 6º Festival Olhar de Cinema de Curitiba
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