20.11.2018
Por João Moris
O Rio de Janeiro celebrou a 20ª edição do seu Festival Internacional de Cinema entre 1 e 11 de novembro. Contrariando a tradição, este ano o Festival do Rio aconteceu após a Mostra Internacional de SP (18 a 31 de outubro), principalmente por motivo de falta de patrocínio e do caos político em que o Brasil se encontra, que estão levando a um desfalque generalizado da Cultura no país e fazendo com que muitos festivais de cinema sejam cancelados ou remanejados.
Com esta mudança de datas, vários filmes que passaram na Mostra de SP também foram exibidos no Rio de Janeiro, e muitos filmes nacionais, cuja estreia se davam invariavelmente no Rio, foram exibidos antes em SP. Com o Festival do Rio mais enxuto, a safra deste ano teve filmes de excelente qualidade, sendo que muitos foram premiados ou tiveram destaque nos principais festivais de cinema no exterior (Cannes, Berlim, Veneza, Rotterdam, Sundance, Locarno e Toronto).
Destaco abaixo alguns dos meus filmes favoritos do Festival do Rio, que ainda não estrearam em circuito comercial.
Os brasileiros
Os filmes brasileiros têm no Festival do Rio uma vitrine importante de exibição e premiação, visto que o evento só premia filmes nacionais (Troféu Redentor) exibidos nas mostras Premiére Brasil e Felix, para filmes com temática LGBT.
DESLEMBRO (direção de Flávia Castro)
Retrata uma família de exilados políticos na França (pai chileno, mãe brasileira e dois filhos), que decide retornar ao Brasil no período da abertura política em 1979. O filme é centrado nos sentimentos da filha adolescente Joanna (interpretação impressionante da atriz Jeanne Boudier), que a contragosto volta ao país e se esforça para se adaptar à cidade, no caso o Rio de Janeiro, que ela foi obrigada a deixar quando pequena. Um filme acima de tudo amoroso que, sem relegar a questão social e política, mostra um país em plena efervescência e agitação do início dos anos 80 e com muitas feridas abertas.
A atriz Jeanne Boudier em cena de Deslembro (Foto: Divulgação)
O jovem órfão Pedro (Shico Menegat) vive em Porto Alegre com a irmã. Com um passado nebuloso e respondendo a um processo criminal, Pedro faz bico se exibindo na internet, dançando nu com o corpo coberto de tinta fluorescente para clientes pagantes, sob o pseudônimo de Garoto Neon. Quando sua irmã decide mudar para outra cidade, Pedro encontra um rapaz que, como ele, também se exibe na internet com o corpo coberto de tinta. A relação entre os dois irá aflorar um turbilhão de emoções represadas por Pedro. Um filme sensível e delicado sobre a invisibilidade, criminalização e exclusão, sem nunca resvalar para o moralismo. Melhor longa de ficção no Festival do Rio e premiado em vários festivais no Brasil e no exterior, estreia em 6/12.
O Garoto Neon no filme Tinta Bruta (Foto: Divulgação)
Este filme do Ceará é uma celebração da diversidade e da riqueza humana. O filme se passa em um bar na periferia de Fortaleza, cuja dona, uma trans de meia idade chamada Deusimar, se apaixona por um marinheiro itinerante que quer se assentar no local. O filme traz uma divertida galeria de personagens que trabalham e circulam pelo bar, quase todos trajando algum tipo de vestimenta incomum. Sem medo de ser feliz, o filme é uma surpreendente alegoria social e política da realidade brasileira.
Cena do filme Inferninho (Foto: Divulgação)
Realizado em coprodução entre Brasil, Alemanha e França, o novo filme do celebrado diretor cearense Karim Ainouz (Madame Satã, O Céu de Suely, Praia do Futuro) é um docudrama sobre a crise de refugiados na Europa. Centrado em famílias de origem síria e mais especificamente na figura de um jovem refugiado sírio, o filme mostra o dia a dia destas pessoas abrigadas nas dependências do aeroporto desativado de Tempelhof, no centro de Berlim, enquanto aguardam uma resposta sobre sua situação. Apesar da boa infraestrutura do local, não deixa de ser chocante ver estas pessoas com um presente e futuro incertos, instaladas nos hangares do aeroporto e confinadas em seu perímetro.
Cena do filme Aeroporto Central (Foto: Divulgação)
Uma comédia portuguesa em coprodução com o Brasil e a França, o filme é uma viagem alucinante pelo mundo globalizado, tendo Portugal como microcosmo. Temas como o culto à celebridade, escândalos financeiros, a superexposição às mídias, diversidade de gênero, abuso de poder, entre outros, dão o tom à esta afiada e nada sutil sátira sobre o mundo do futebol, numa óbvia alusão aos mega jogadores de hoje (Cristiano Ronaldo, Neymar...) e a forma como vendem sua imagem.
O ator português Carloto Cotta em Diamantino (Foto: Divulgação)
Adaptação para as telas da peça testamento do dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho (1938-1974), o filme é uma oportuna e necessária releitura para os duros tempos que vivemos atualmente no Brasil, visto que trata de ideologia, militância política, autoritarismo, tortura e o embate de gerações. Jorge Furtado é um excelente diretor de atores, mas a adaptação falha na atualização da trama, dando um enfoque excessivo e verborrágico para relação entre os pais e o filho único, diminuindo, assim, o impacto político e social da obra.
Os atores Drica Moraes e Marco Ricca em Rasga Coração (Foto: Divulgação)
A QUEDA DO IMPÉRIO AMERICANO (La Chute de L’Empire Americain – Canadá – direção de Denys Arcand)
O mais recente filme do visionário diretor canadense Denys Arcand, que nos deu clássicos como O Declínio do Império Americano, Jesus de Montreal e As Invasões Bárbaras, volta a tocar em temas espinhosos, como o mal estar civilizatório, os efeitos da globalização e o conformismo/domesticação da sociedade ocidental. Aqui, ele usa o dinheiro como metáfora central para a situação contemporânea e suas implicações éticas. Pierre-Paul Daoust tem 36 anos, é PhD em filosofia e está insatisfeito com seu lugar no mundo. Endividado, ele trabalha como entregador de mercadorias e um dia se depara com duas bolsas cheias de dinheiro roubado. Um grande filme.
Os atores canadenses Alexandre Landry e Maripier Morin em A Queda do Império Americano (Foto: Divulgação)
O filme queridinho do público na Mostra de SP e no Festival do Rio deste ano é uma deliciosa e bem sacada comédia sobre o tema da “cura gay”. Ambientado em 1993, a jovem Cameron Post é enviada a um centro cristão de conversão após ser flagrada transando com a amiga dentro do carro. O centro fica num lugar isolado e é coordenado por um pastor “ex-gay” e uma psiquiatra responsável pela “cura”. Apesar da seriedade do tema, pois os jovens internados são submetidos à lavagem cerebral cristã para rejeitar sua identidade sexual, o filme consegue mostrar de forma irônica e debochada todo o absurdo da situação.
Cena do filme O Mau Exemplo de Cameron Post (Foto: Divulgação)
ELPEPE, UMA VIDA SUPREMA (ElPepe, Una Vida Suprema – Uruguai, Sérvia, Argentina – direção de Emir Kusturica)
Documentário sobre o ex-presidente uruguaio, José “Pepe” Mujica, realizado pelo veterano diretor sérvio Emir Kusturica. O filme é uma celebração da vida, pensamento e obra de Mujica, hoje com 83 anos e considerado um dos grandes pensadores de esquerda da América Latina e do mundo por sua humildade, posições ponderadas e ativismo. O documentário mescla cenas do cotidiano de Mujica, que vive num sítio no interior do Uruguai juntamente com sua esposa, e momentos de descontração e humor entre o diretor e ElPepe. A vida de guerrilheiro tupamaro e da prisão e tortura de Mujica nos anos 70 está no excelente filme de ficção Uma Noite de Doze Anos, recentemente lançado no Brasil.
José Mujica no documentário El Pepe, Uma Vida Suprema (Foto: Divulgação)
A desigualdade social onipresente na América Latina é retratada neste pequeno mas potente filme mexicano, que conta a história da introvertida e zelosa jovem camareira Eve, limpadora de quartos de uma luxuosa cadeia de hotéis na capital mexicana. Moradora da periferia e mãe de uma filha pequena, Eve se desdobra para trabalhar corretamente e obter a tão almejada posição de camareira supervisora. Mas, no sistema meritocrático falso e viciado das grandes corporações, Eve irá aprender a duras penas que ser uma funcionária honesta e dedicada não basta.
A atriz mexicana Gabriela Cartol em A Camareira (Foto: Divulgação)
Mais um filme do imprevisível diretor malaio radicado em Taiwan, Ming-liang Tsai, o mesmo dos insólitos O Rio, O Buraco e O Sabor da Melancia. Neste filme de natureza experimental, Ming-liang filma closes fixos do rosto de taiwaneses de todas as idades, principalmente idosos. Sem som, música e com diálogos ocasionais, os closes do rosto, que duram em média 4 a 5 minutos, revelam muito da personalidade dessas pessoas, que ora envergonhadas, ora sorridentes, ora trêmulas, ora maliciosas, olham fixamente para a câmera. Um filme sobre a passagem do tempo e a natureza humana, que ao mesmo tempo instiga e incomoda o espectador.
Cena do filme taiwanês Seu Rosto (Foto: Divulgação)
Este filme colombiano tem o grande mérito de contar a história sob o ponto de vista de uma comunidade tradicional do país, o povo Wayuu. Assoladas pelo desenvolvimento desenfreado, pela especulação imobiliária e pelo narcotráfico, que invadem suas terras e provocam muitas tensões, as comunidades tradicionais colombianas estão desaparecendo ou sofrendo mudanças irreversíveis. O filme busca afirmar a cultura, os costumes e o lado mítico do povo Wayuu de uma maneira respeitosa. É belíssimo na forma e duríssimo no conteúdo e, nesse paradoxo, padece de certos exageros.
A atriz colombiana Natalia Reyes em Pássaros de Verão (Foto: Divulgação)
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