Renato Brandão, diretor de Quando as Luzes das Marquises Se Apagam – A História da Cinelândia Paulistana,
conta sobre seu filme com exclusividade para o Grupo Cinema Paradiso
conta sobre seu filme com exclusividade para o Grupo Cinema Paradiso
31.07.2019
Por João Moris
De jeito tímido e fala mansa, o jornalista Renato Brandão é um jovem obstinado. Seu filme Quando as Luzes das Marquises Se Apagam – A História da Cinelândia Paulistana, selecionado para a celebração do 24º aniversário do Grupo Cinema Paradiso, levou 12 anos para ser finalizado. Quando idealizou o filme, a partir de seu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP sobre os cinemas antigos do centro de São Paulo, Renato não tinha ideia do que o esperava. Foram anos e mais anos trabalhando na elaboração, realização, edição e finalização do filme, com muito investimento pessoal e, para finalização do filme, uma campanha financeira via crowdfunding. Apesar dos percalços, Renato levou a cabo seu projeto de resgatar a história da Cinelândia Paulistana, para o deleite de cinéfilos e aficionados da história da cidade de São Paulo. Abaixo, a entrevista exclusiva do diretor para o site do Grupo Cinema Paradiso.
Cinema Paradiso - Qual foi sua motivação para fazer um filme sobre os cinemas antigos do centro de São Paulo?
Renato Brandão - Gosto muito de cinema e tenho uma relação afetiva com o centro de São Paulo. Nasci na periferia, na Zona Norte, e o centro da cidade, para mim, representava um lugar diferente e diversificado de onde nasci. Lembro que quando era pequeno, minha mãe me levou numa sala de cinema do centro para assistir a um filme dos Trapalhões. Foi um deslumbre! Quando descobri a história da Cinelândia, para o meu trabalho de TCC em 2007, fiquei motivado a contar a história de um centro da cidade que já não existia mais. A minha geração apenas conhece aqueles cinemas que restaram como exibidores de filmes pornôs. Quando eu era uspiano, eu atravessava a cidade - da Vila Sabrina à Cidade Universitária - e, pelo trajeto, passava em frente a esses cinemas pornôs e ficava pensando, “qual seria a história por trás destas salas?”. Pensei, então, em fazer um filme a respeito. Mas então, descobri que além daqueles cinemas pornôs havia muitos outros que desapareceram, e assim decidi contar a história da Cinelândia. Como eram muitas salas, conteúdo que daria para fazer até uma série, decidi realizar um longa-metragem documentário.
Cinema Paradiso - Qual a maior dificuldade que você enfrentou para fazer o filme?
Renato Brandão – Quando comecei, não tinha noção de quanto trabalho daria para fazer um filme. A maior dificuldade foi viabilizar o filme financeiramente. Eu não tinha recursos para licenciar o conteúdo com direito autoral. Tive de tirar dinheiro do próprio bolso para comprar imagens de arquivos. Pessoalmente, eu gastei praticamente a mesma quantidade de recursos arrecadados com o crowdfunding. Eu banquei toda a produção e a compra de material de arquivo do filme até 2014. No ano seguinte, já sem recurso algum, decidi tentar o caminho do crowdfunding. Para mim, mesmo com todas as dificuldades e limitações materiais, era uma uma questão de honra terminar o filme. Entre 2011 e 2015, nos períodos em que não havia grana, eu era forçado a interromper o processo de montagem do filme e ficar esperando juntar novamente algum dinheiro para comprar mais imagens. Ou seja, a realização do documentário não foi um processo contínuo, tendo passado por diversas interrupções. Fui modificando os cortes ao longo dos anos. Foram, ao todo, sete cortes editados entre 2010 - ano em que entreguei o primeiro corte do filme para a apresentação do meu TCC na USP - e 2018 - ano em que cheguei à versão final. Foi muito desgastante para mim fazer esse filme. Mas, valeu a pena. Mesmo que eu não esteja mais por aqui um dia, pelo menos ficará um filme sobre a Cinelândia Paulistana como um pequeno legado e contribuição à memória do cinema.
Cinema Paradiso - Você, como cineasta, pretende fazer mais filmes?
Renato Brandão - Gostaria muito. É muito difícil fazer filmes. São poucas pessoas que vivem de cinema no Brasil. Por enquanto, eu ainda não me considero um cineasta, porque só fiz um filme até aqui. Posso construir uma trajetória, mas por enquanto sou apenas um jornalista que realizou um documentário.
Cinema Paradiso - Quantas horas de filme você rodou?
Renato Brandão - Cerca de quarenta e seis horas. Umas 40 horas na primeira fase do filme entre o outono de 2009 e o verão de 2011 com depoimentos e seleção de imagens. E o restante nas gravações finais, realizadas no inverno de 2016.
Cinema Paradiso - Ficaram muitos cinemas antigos ou muitas histórias de fora de seu filme na edição?
Renato Brandão – A Cinelândia teve muitos cinemas. Como um filme, mesmo sendo longa-metragem, não pode ser muito longo, eu tive de priorizar determinadas salas em detrimento de outras. Foi um critério que se baseou tanto nos depoimentos dos entrevistados, daquilo que eles mais falaram sobre algumas salas, como também em tudo aquilo que eu havia lido e reunido durante todos esses anos mergulhados em pesquisas sobre os cinemas. Pesquisas essas feitas em acervos do Arquivo do Estado, Biblioteca Municipal, Centro Cultural São Paulo. No processo de montagem do filme, tinha a todo momento que tomar decisões e fazer escolhas. Dentre essas, deixar de fora cines como o Metrópole ou o Windsor. Mas fiz um esforço para citar todos os cinemas, ao menos com alguma informação textual e uma foto de época. Foram muitas pesquisas durante a realização. Nos dois primeiros anos, por exemplo, elas serviram para entender o que era a Cinelândia, para que eu pudesse me envolver com aquela história esquecida e apagada da cidade de São Paulo, e estruturar o argumento do filme, concluído em 2009. Foi a partir dessa pesquisa que escolhi os personagens e elaborei as perguntas para as entrevistas.
Cinema Paradiso - Quando você mencionou o cine Coral, depois da segunda metade filme, como um centro de filmes cults/de arte da época, você não mencionou dois cinemas de arte importantes do centro da cidade nas décadas de 60/70: o Bijou e o Cine Arouche (antigo Pigalle). Algum motivo?
Renato Brandão – Esses cinemas, na minha concepção, não faziam parte da chamada Cinelândia. Geograficamente, nunca foi muito claro o que era a Cinelândia Paulistana, mas é sabido que seu núcleo era composto pelo eixo Ipiranga/São João. Ciente disso, eu tive de decidir o que seria Cinelândia no meu filme. Por exemplo, o Cine Eden, apesar de ficar na Av. São João, ficava muito fora do eixo, já em outro bairro, Santa Cecília. A Cinelândia, para mim e no filme, está localizada na República, que é o centro novo. No primeiro corte do filme, havia três cinemas da avenida Rio Branco citados. A partir do segundo corte, eu decidi retirá-los, deixei de considerá-los como parte da Cinelândia. O Bijou e o Arouche, por exemplo, nunca foram considerados como parte da Cinelândia. Geograficamente, não fazem parte do centro novo, da região da República. Os dois cinemas de "arte" dali eram o Jussara, que exibia filmes europeus e elitizados, e mais tarde o Coral, que se tornou um marco na cidade para este nicho de filmes "cabeças".
Cinema Paradiso - Como foi feita a escolha dos entrevistados para o filme?
Renato Brandão - Eu e a Amanda Ferreira, produtora do filme, discutimos quantos personagens o filme teria. Queríamos espectadores dos filmes daquela época ou pessoas que tinham trabalhado naqueles cinemas. Queria também contar com depoimentos de arquitetos. Levantamos em conta alguns nomes e algumas pessoas toparam, outras não.
Cinema Paradiso - No seu filme, você não incluiu nenhum(a) diretor(a) ou ator/atriz de cinema da época que frequentou os cinemas do centro nos tempos áureos? Você chegou a pensar nisto?
Renato Brandão - Eu tentei priorizar as pessoas comuns, que trouxessem histórias ricas. As pessoas que eram celebridades na época, era muito difícil conseguir contato e agendar entrevistas. Aí pensamos no Ignácio Loyola Brandão, que é uma pessoa que fala sobre cinema em seus artigos. E, assim, escolhemos os personagens que falavam de cinema em artigos ou que a gente descobriu pela Internet, que comentavam alguma coisa sobre a Cinelândia.
Cinema Paradiso - No filme, você menciona que o público dos cinemas do centro da cidade, a partir dos anos 70, mudou radicalmente. Você pensou em entrevistar algumas pessoas das classes mais populares, dessas que passaram a frequentar os cinemas do centro a partir da década de 70, quando eles perderam o glamour, mas continuaram atraindo público por pelo menos mais uma década?
Renato Brandão - É uma boa pergunta. Chegamos a entrevistar dois projecionistas, do Cine Olido e do Cine Marabá, mas as entrevistas não renderam. Acabamos priorizando as pessoas que vivenciaram a parte áurea da Cinelândia e não as pessoas que vivenciaram as fases posteriores. Após o primeiro corte do filme, dei falta de um personagem justamente que fosse esse espectador das décadas de 70 e 80 nas entrevistas realizadas entre 2009 e 2010. Aí convidamos o Edu Santos para uma gravação em 2011. Por ser mais novo que a maioria dos outros entrevistados, ele costurou muito bem essa questão do público desta época. Fiquei satisfeito com os depoimentos do Edu e não fiquei com vontade de ir atrás de outras pessoas, pois talvez não rendessem boas entrevistas. E o material filmado que eu tinha já estava ótimo para dar prosseguimento à edição do filme. Na época em que fiz as primeiras pesquisas, havia pensado em conversar com algumas prostitutas que costumavam frequentar as salas pornôs, mas não rolou, pois achei que estaria saindo da narrativa do filme, que era sobre a Cinelândia Paulistana. A fase dos cinemas pornôs representou apenas um momento da Cinelândia, já na década de 1980, e que está relacionada a não mais que metade das salas (Metro, Ipiranga, Comodoro, Marabá, por exemplo, jamais aderiram à onda pornográfica). Enfim, não estava fazendo um filme sobre as salas pornôs, mas sobre a Cinelândia.
Cinema Paradiso - Tive a impressão que você não dedicou muito tempo ao porquê da decadência dos cinemas do centro, que se transformaram em igrejas, estacionamentos ou cines pornôs, ou simplesmente fecharam. Você pensou em dedicar um pouco mais de tempo aos motivos da decadência?
Renato Brandão - Para esmiuçar todos os pontos que são abordados no filme – pornochanchadas, concorrência com a TV, arquitetura, glamour da época, as histórias de cada cinema – não haveria tempo. Não dentro de um longa metragem. Como eu disse anteriormente, eu tinha a todo momento que tomar decisões e fazer escolhas. Para cada escolha, algumas renúncias. Não pude me alongar sobre as pornochanchadas, por exemplo. Porque são muitas décadas contadas, então fiz uma pequena apresentação do tema durante o filme. Só o início da Cinelândia daria um filme inteiro. Quando o filme vai se aproximando do fim, há conteúdos sobre a decadência dos cinemas, os deslocamentos da cidade etc. O Nabil Bonduki, por exemplo, comentou sobre como a elite saiu do centro da cidade e se deslocou para a área da Paulista nos anos 70.
Cinema Paradiso - Não sei se você se deu conta que, quando você mostrou as imagens da reabertura do Cine Marabá em 2009, você colocou trechos curiosos de um padre católico fervoroso abençoando o cinema que iria reabrir, com um discurso de tom um tanto moralista como se ele estivesse “exorcizando” o cinema, que até o fechamento se tornara um templo de filmes pornôs. Por que você fez questão de incluir vários trechos com esse padre?
Renato Brandão - O Marabá foi um desses cinemas que foi até o fim passando filmes do circuito comercial. Já quando a Cinelândia mostrava seus primeiros sinais de declínio, a sala se fidelizou à pornochanchada e conseguiu resistir à queda de público geral. O mesmo não aconteceu com o Cine Ipiranga, que passava outros tipos de filme. Quando vi aquela cena de um padre na reabertura do Marabá em 2009, pensei que aquilo daria um bom começo para o meu filme. Era comum os padres abençoarem a abertura dos cinemas, as cabines de projeção etc. No livro do Inimá Simões, ele conta que os padres faziam a benzeção de cinemas da cidade.
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