MEMÓRIAS DE UM JOVEM NOS CINEMAS DE RUA

06.08.2019
Por Cazão

A cada filme que assistia, ia des-assistindo o templo onírico dos cines de rua... 

A antiga ‘era’ do cinema de rua, no meu caso, concentrou-se no período de 1979, quando vi Alien aos 12 anos, até 1991, com Silêncio dos Inocentes. Nesse período, eu dispunha de um Agora-libertário para ‘brincar’, do que quer que fosse e, como o que mais gostava era o cinema, esse era o tempo/espaço onde eu era o ‘dono onipotente para o meu ludicar’. 

Pensando apenas na década de 80, os filmes mais conhecidos que vi quando lançados foram: E.T., Faça a Coisa Certa, Mulheres À Beira de um Ataque de Nervos, Hannah e Suas Irmãs, The Wall e algumas reprises, como Laranja Mecânica (1984), O Expresso da Meia Noite (1983), 2001- Uma Odisseia no Espaço (1987), dentre outros. Hoje sei que não tinha maturidade para senti-los/entendê-los, em sua elevada-profundidade ou sua enlevada-funduridade, mas certamente esses filmes adentraram por minha pele: ainda hoje o que mais gosto é cinema. 

A expectativa do evento, a ansiedade na fila para comprar o ingresso - será que vou conseguir? – o tempo na sala de espera antes de, finalmente, perfurar hiatos corporais de tantos à minha frente para garantir meu lugar estratégico: central e na última fileira, tudo isso fazia parte do indescritível prazer de ir ao cinema. E ali, naquele ambiente mágico, eu dava vazão ao diletantismo, ao qual me converti e é meu sentido de existência. Vale dizer que, de acordo com o Dicionário Houaiss, ‘diletante’ é que ou quem mantém uma atitude imatura, de amador, em relação a normas de ordem intelectual ou espiritual (risos que serão compreendidos). 

No Cine Gazeta, era-me possível chegar à porta do cinema sem a interferência comercial que hoje existe, não precisava passar em frente a tantas lojas ou de um shopping center, por exemplo. Na sala de espera, eu ia me inserindo no clima cinematográfico, potencializado por alguns sons que vinham do filme. Era uma acontecência caseirosa: além do pipoqueiro na rua, tinha também o indivíduo com a “mala” de doces e salgados pendurada em suas costas, aberta para escolhermos, lembram do dadinho? Quanto aos extintos lanterninhas, eu gostava de ser assistido por eles na repentina escuridão ao abrir a cortina, mas não me causava o mesmo gosto quando ele assistia outras pessoas depois de a película ter iniciado: a pequena luz realmente incomodava! 

Muitas vezes a construção dos cinemas era mais ‘artística’, artesanal, lapidada, em contraste com um cinema ‘que não se vê os contornos’ dentro de um shopping. Também não haviam tantas informações chamativas, sobretudo para consumir diversos produtos gastronômicos, brindes e outros. Contudo nas salas renomadas do século atual, houve o ótimo acréscimo de livrarias como no Reserva e Itaú, ou ótimos cafés como o Fellini, Cinearte e Cinesala. 

As escadarias do Gemini, do Gazetão e do Astor me arrebatavam através de um buraco negro colorido, transportando-me a um inédito universo, talvez para a dimensão de minha unicidade na existência. Certa vez incrementei a viagem, tive a coragem de levar uma garrafa de Cidra Cereser e um Bigmac dentro de uma sacola vermelha ‘Tiger’ da 25 de março. Alguém me disse que deve ter exalado um cheiro desagradável, mas eu, que tenho rinite, não percebi; para mim essa vivência foi um bálsamo. 

A cada semana, a expectativa de comprar o jornal na 6ª, ler a respeito, olhar os anúncios, decidir o que ver e depois procurar as salas naqueles minúsculos quadradinhos era inebriante... O fácil era decidir o horário, a cada 2 horas a partir das 14:00, com raras exceções; além disso, podia rever a sessão seguinte bastando continuar na poltrona, o que já por vezes levava pessoas dos horários seguintes a sentarem nas escadas. Certa vez, estranhei um determinado filme sem referência, chamado ‘fechado para reforma’, não me atrevi a vê-lo. 

Academicismo: fui em um cinema pornô na Praça da República (1988), passando qualquer porcaria envolvendo cavalinhos sorridentes. Local sarnento; o que mais me chamou a atenção, eram pessoas se masturbando ou se ‘pegando’. Meu interesse espiritual foi satisfeito e em cerca de 20 minutos desencarnei do recinto. 

Com minha ‘espetacular liberdade de 18 anos’, já podia ver filme de mulher pelada (que nunca vi no cinema, apenas procurei anos depois em vídeo), ou Mad Max 1; fui instigado por conhecidos de mais idade a ir em um cinema na Av. Rio Branco. O ingresso tinha valor democrático: para ver 3 películas seria hoje algo como 20 reais. Escolhi para ver um filme qualquer de ação, mas o insólito me acompanhou: 1) um gato pulou na tela; 2) nas fileiras finais, distintos cavalheiros ingeriam energia vaporosa de ervas de aroma ayhuasca e; 3) na porta do banheiro haviam travestis blasées. Como gosto do que eu chamo de ‘curiosidade sociológica’, louvei a experiência, mas tive medo de entrar do banheiro... 

Aos 13 anos, eu era uma criança (em maturidade), lembro de ter apoiado meu braço na poltrona para resvalar no braço da minha prima, percebi os pelos se ouriçarem na estática; o filme era Flash Gordon, em 1980, o que mais gostei foi a música do Quenn. Não tenho certeza, mas creio que naquela época casais usavam o cinema para namorar, que acham? “Acenderam as luzes - Cruzes! - Que flagra!”. Outra pergunta: os coisos inumanos falavam menos durante a sessão; ou, hoje aos 52 anos, mas relativamente infante, estou menos tolerante? 

Conciliando lançamento de filme, com cinema de rua e com o grupo, vi 3 vezes no Belas Artes (apenas ‘Belas Artes’, quando haviam enormes cartazes pintados) Cinema Paradiso, em 1990, foi a 1ªx que revi uma película mais de duas vezes no cinema; amei, me devotei e o consegui em vídeo, camiseta e em CD em 1992, só faltou o pôster. Contudo, gostaria de ter ido à exibição de Paradiso ao ar livre com o Tornattore, em Campinas. Magicalidade: agora, o ponto alto, depois de 29 anos, conheço o Grupo Cinema Paradiso.


Três Vendedores
São Luís MA, 2012
Autor: Cazão


2 comentários:

Anônimo disse...

Olá, amigos (as) do Grupo Cinema Paradiso!
Inicialmente, gostaria de parabenizá-los pelos 24 anos de existência. Eu sou um fã incondicional.

Adorei o artigo : )... A recíproca é verdadeira.
Ao lê-lo recordei do filme que marcou a minha vida, em 1982: o icônico filme "E.T.: O Extraterrestre".

Um forte abraço,
Ricardo Almeida.

Ana Rosa disse...

A-do-rei, simplesmente.