Decameron

FILME: Decameron
(Il Decameron, Itália/França, 1971, 112 min)

Reunião dia:
12.04.2020 (virtual)
Nota atribuída pelo grupo:
8,62

Direção: Pier Paolo Pasolini

 

Roteiro: Pier Paolo Pasolini, baseado em 9 contos do livro homônimo escrito por Giovanni Boccaccio

Elenco: Franco Citti, Ninetto Davoli, Angela Luce, Gianni Rizzo, Guido Mannari, , Giuseppi Zigaina, Jovan Jovanovic, Patrizia De Clara, Pier Paolo Pasolini (discípulo de Giotto), entre outros.

Sinopse: Giovanni Boccaccio (1313 – 1375) foi, com Petrarca e Dante Alighieri, um dos inventores da literatura italiana e, quiçá, ocidental. Era um homem instruído que viveu em Florença, filho de um abastado comerciante, recebeu instrução esmerada, sabia latim e grego. Era copista, aquele profissional que passava as obras clássicas, muitas das quais traduzidas por ele mesmo, para a prancha que faria surgir o texto impresso. Um precursor da imprensa, portanto. Trabalhava também como diplomata, conhecia muita gente numa cidade que, em sua época, já era uma República próspera e, como o nome diz, florescente.
Essa obra, cujo título significa dez dias, é como As Mil e uma Noites, um conto/novelo, isto é, contos dentro de um conto-moldura. Uma epidemia de cólera ameaçava a cidade, em 1348, e Boccaccio imaginou a seguinte situação hipotética: dez jovens – sete moças e três rapazes – teriam se refugiado nos arredores da cidade e, para se distraírem da morte que os ameaçava, resolvem contar histórias. A cada dia, um deles se tornava “rei” ou “rainha” e determinava o tema a partir do qual cada um dos participantes tecia uma história, formando assim, após os dez dias de jornada, cem contos diferentes. Essa foi a principal obra de Boccaccio e traz todos os seus conhecimentos sobre o conto popular, sobre os costumes da época e uma visão crítica da sociedade e de suas instituições. É considerada um marco da passagem do medievalismo para a Renascença, quando o humanismo abriu caminho para uma sociedade mais materialista, naturalista, individualista e tendo o ser humano como seu principal tema e objeto.
Os contos são todos, como nas obras de William Shakespeare, reveladoras do ser humano em sua própria natureza, sem idealizações ou disfarces, cheia de erotismo, humor, vilanias e safadezas, bastante crítica em relação à religiosidade, especialmente da Igreja Católica, ao poder e aos desejos, impulsos e interesses humanos. Escritos em meio a um comércio florescente, as histórias abordam também as relações que passam a se estabelecer do ser humano com o dinheiro.
A obra foi proibida pela Igreja Católica e diz-se que foi Petrarca quem impediu que ela fosse queimada e, assim, chegasse até hoje a nós. Boccaccio era um homem de letras e uma das melhores críticas que se faz a Il Decameron é a de que ele conseguiu, sobre histórias populares, sem moralismo ou ética, com cenas de sexo explícito, construir um texto impecável e belíssimo. Essa dicotomia é o charme desse livro, hoje publicado no mundo todo.
O filme de Pier Paolo Pasolini apresenta uma transcriação, ou seja, preservando o espírito da época em que o texto foi criado, o criador, tradutor e diretor, atualiza as principais propostas que reconhece no original. Assim, Pasolini utiliza toda a poesia da imagem para transcrever nove dos contos do livro, nos quais se percebe a riqueza da cultura popular, a sagacidade do saber cotidiano, a beleza da natureza humana, sem enfeites, retoques ou idealizações. Há uma belíssima reconstituição de época, música inebriante e uma força vital que parece, realmente, fazer frente à peste negra que atinge Florença e ao moralismo obscurantista da Igreja. Mas, Pasolini, não está preocupado com a peste ou com a Igreja Católica, mas com outros obscurantismos que em 1971 ameaçavam, igualmente, a sociedade florescente. Assistam ao filme e procurem descobrir contra quem Pasolini, inspirado em Boccaccio, utiliza a arte como forma de resistência.

Sobre a Diretor: Pier Paolo Pasolini nasceu em Bolonha, Itália, em 5 de março de 1922. Era filho de um militar e de uma professora primária. Já escrevia poemas aos sete anos de idade. Graduou-se em Literatura pela Universidade de Bolonha. Foi professor, escreveu livros de poemas, novelas e peças de teatro. Filiou-se ao Parido Comunista Italiano, mas foi expulso quando assumiu sua homossexualidade e foi acusado de corrupção de menores. Em 1950, mudou-se para Roma com sua mãe. Em 1961 dirigiu seu primeiro longa, Accattone – Desajuste Social, retratando a vida marginal de um cafetão. Dirigiu 28 filmes, entre longas, curtas, documentários, entre eles: Mamma Roma (1962); o episódio “A Ricota” do longa Rogopag – Relações Humanas (1963) foi considerado blasfemo e Pasolini chegou a ser preso; O Evangelho Segundo São Mateus (1964), ganhou o Leão de Prata no Festival de Veneza; Gaviões e Passarinhos (1966); Édipo Rei (1967); Teorema (1968); Decameron (1971), ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim; Os Contos de Canterbury (1972), ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim; As Mil e Uma Noites (1974), recebeu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes; Saló, ou os 120 Dias de Sodoma (1975), baseado em obra do Marquês de Sade, um dos filmes mais polêmicos e censurados da história do cinema. Foi assassinado em circunstâncias ainda não esclarecidas em 2 de novembro de 1975. No filme Pasolini (2014), Abel Ferrara mostra as últimas horas da vida do diretor, com Willem Dafoe no papel-título. Este filme sobre ele foi discutido pelo Grupo Cinema Paradiso, em 2015, quando aproveitamos para conversar um pouco sobre sua obra, mas esta será a primeira vez que o grupo vai discutir um filme de Pasolini.


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