Notas sobre o filme Destacamento Blood

16.08.2020 
Por Fernando Machado (*)

Cena de Destacamento Blood, de Spike Lee - foto divulgação

Há muito a ser falado sobre o Vietnã, país que foi uma colônia francesa (desde o século XIX até 1954), sofreu ocupação japonesa durante a Segunda Guerra Mundial, foi dividido em dois (na altura do Paralelo 17, entre 1954 e 1976) e enfrentou terrível guerra contra os Estados Unidos (entre 1965 e 1973) e horrenda guerra civil (até a unificação em 1976).

Atualmente é membro da ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), com taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) superior a 7% em 2018.

Por outro lado, também há muito a ser falado sobre a intervenção dos EUA no Vietnã nas décadas de 60 a 70 do século XX, num conflito que chegou a mobilizar mais de meio milhão de militares estadunidenses naquele país ao mesmo tempo e que deixou cerca de 2 milhões de mortos, sendo aproximadamente 58.200 destes soldados americanos.

No exército dos EUA, destacou-se a participação dos afro-americanos, que compunham 11% da população daquele país, mas representaram cerca de 12,4% das referidas 58.200 mortes no conflito.

Esse número não é suficiente para mostrar que esse contingente sofria grande discriminação racial, tinha mais probabilidade de ser mandado à frente de combate e subia menos no ranking de promoções. Isso sem falar nos inúmeros feridos, além dos afetados, após a volta para casa, por sequelas como a Síndrome do Estresse Pós-Traumático.

A ideia de um filme sobre quatro membros de um esquadrão afro-americano que lutou na Guerra do Vietnã (um deles com Síndrome do Estresse Pós-Traumático) e volta aquele país para resgatar o corpo de seu carismático líder (e, de quebra, recuperar um tesouro em barras de ouro que roubaram e enterraram secretamente há cerca de 50 anos) prometia muito!

Especialmente com a direção do renomado Spike Lee, que dirigiu o excelente Infiltrado na Klan, discutido pelo Grupo Cinema Paradiso há menos de dois anos.

Infelizmente, o filme é muito longo (154 minutos), tem um enredo muito básico, com diálogos que pouco acrescentam à estória. Os personagens, que após 5 décadas deveriam estar perto dos 70 anos, são apresentados nas cenas de flashbacks sem o devido “rejuvenescimento”, o que torna a película risível nessas cenas.

A atriz que faz a prostituta que teve uma filha com um dos soldados, parece jovem demais para retratar uma senhora de 60 a 70 anos de idade, e por aí vai...

A cantora Lê Y Lan que interpreta a ex-prostituta Tiên

A forma como o ouro é finalmente achado é de um ridículo e escatologia só vistos em filmes da categoria “B” para baixo...

Como contraponto positivo, há diversos painéis com explicações sobre a guerra e sobre a questão racial americana. Infelizmente, alguns deles passam tão rápido que não há tempo suficiente para a leitura adequada das informações mostradas.

Também deve ser elogiada a locução, em flashback, pela apresentadora vietcongue, dos relatos destinados a desencorajar as tropas americanas a lutar no conflito.

Justamente o soldado com Estresse Pós-Traumático tem um boné MAGA (Make America Great Again – “Faça a América Grande Novamente”, em tradução livre), o lema da campanha do Presidente Trump em 2016 – uma ótima sacada, provavelmente a única do filme todo.

Os veteranos fazem as contas e calculam que as barras de ouro, enterradas num local isolado e acidentado, devem valer 17 milhões de dólares. Pela cotação recente do ouro (em torno de 62 dólares por grama), temos aproximadamente 274 quilos de ouro em barras.

É inacreditável que esse pesado fardo é facilmente transportado a pé, por quilômetros a fio em terreno acidentado, por 4 idosos (mais o filho de um deles, que se junta à aventura), sendo que um dos veteranos tem um problema sério que dificulta visivelmente a sua locomoção.

Mesmo quando perdem um membro do grupo, vítima de uma mina terrestre, os quatro restantes não têm nenhuma dificuldade em continuar a transportar a pé, em suas costas, toda a preciosa carga...

No decorrer do filme os espectadores podem ficar na dúvida se o que está sendo assistido é uma aventura dos anos 80 do tipo “Bradock” com personagens afro-americanos, uma versão bem piorada do “Tesouro de Sierra Madre” passada no Vietnã, uma tentativa de documentário com pontas de comédia que deu muito errado, ou simplesmente um filme muito, muito ruim. Eu fico com a última opção.

Após suportar corajosamente esse enredo simplista e totalmente previsível, que desperdiçou bons atores com falas pra lá de sofríveis - a exceção é o personagem do ator francês Jean Reno que retruca a uma provocação de um dos veteranos, quando se encontram pela primeira vez: “obrigado por essa versão ignorante e parcial da Segunda Guerra Mundial” - vem o final. Será que compensará o resto?

Quem aguardava uma redenção vai ficar de mãos vazias: o corpo do líder do esquadrão finalmente volta aos EUA com honras militares, e os sobreviventes do grupo dividem o butim: com o guia da expedição, com a viúva de um dos veteranos falecidos e com os membros de uma ONG que retira minas terrestres, que se juntaram à trupe durante a fatídica caçada ao tesouro.

E assim é mostrado, de forma totalmente simplista e maniqueísta, o Movimento “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam, em tradução livre) e a ONG contra as minas terrestres recebendo uma parte do dinheiro roubado pela turma. Fim de papo! Quem esperava mais ou menos, pode solicitar um pedido de desculpas por parte do diretor. Quem esperava isso, recebeu o que merecia...

(*) Fernando T.H.F. Machado é economista e admirador da Sétima Arte. 

Esse artigo também contou com a revisão, “palpitagem” e colaboração da querida Ana Lúcia Machado

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