VIAJANDO COM A MÚSICA DE GAROTO

16.09.2020 
Por Cláudia Mogadouro

Comentários entusiasmados acerca do documentário GAROTO – VIVO SONHANDO, de Rafael Veríssimo (2020), disponível no Festival In-edit Brasil 2020 [+], de documentários musicais, apenas até dia 20/09 próximo.


Foram três jovens que idealizaram um documentário para fazer chegar a toda a gente quem foi Aníbal Augusto Sardinha, mais conhecido como Garoto. Esses três “garotos” se propuseram a mostrar a modernidade do violão que influenciou “apenas” Baden Powel, Raphael Rabello, Tom Jobim, Carlos Lyra, Roberto Menescal, João Gilberto, Dori Caymmi, Paulo Belinatti e muitos outros.
No início de 2014, os três amigos Henrique Gomide, Lucas Nobile e Rafael Veríssimo tinham respectivamente, 26, 30 e 29 anos. Voltando juntos de um show começaram a conversar sobre o gênio das cordas e constataram que não havia nenhum documentário que mostrasse a importância de Garoto para a música brasileira, inclusive a atual. “Bora fazer?” provocou Rafael, talvez sem imaginar que aquela era a semente de sua primeira produção como cineasta. Henrique já um excelente pianista, finalizava sua pesquisa de mestrado sobre Garoto, realizada na Holanda. Lucas, formado em jornalismo, já se destacava como pesquisador e crítico musical. 

Qual a dificuldade maior? Garoto era (e é) uma lenda. Todos que o conheceram ou ouviram suas gravações diziam ser o maior gênio do violão brasileiro, mas não havia cenas dele tocando, apenas gravações. Os três jovens tinham pouca idade, mas muita intuição. Ao decidirem transformar a pesquisa em documentário, a primeira providência foi procurar Zé Menezes, violonista que tocou por muitos anos com Garoto e que estava, à época, com 92 anos. Na mesma semana, Rafael e Lucas foram para o Rio de Janeiro e o entrevistaram. Zé Menezes é quem pontua todo o documentário, tocando e contando causos. E que bom que deu certo, pois Zé Menezes morreu meses depois. Depois, foram muitos anos buscando patrocínio, participando de editais, para conseguirem viabilizar a produção, que só foi finalizada neste ano de 2020. Vivo Sonhando é também título de uma das lindas composições de Garoto – composta em 1945 e gravada em 1950 – que já é apresentada no início. E o universo onírico sugerido na música permeia o filme: Garoto vivia em outro mundo. E nós vamos juntos com seus sonhos, na linda fotografia e principalmente no som. A única cena de imagem em movimento encontrada é dele tocando com Carmen Miranda nos EUA (por sinal, o único registro colorido). Se há ausência de filmagens, há fartura de lindas gravações e de detalhes do seu cotidiano, registrado meticulosamente em seu diário. ... Quantas composições lindíssimas! Apesar de apresentar tanta gente importante falando dele, o documentário prioriza as execuções do próprio Garoto.


Com relatos do seu diário, o filme faz perguntas: por que um gênio como ele se limitou a tocar na rádio Nacional e ainda se obrigava a tocar em bailes para pagar as contas? Por que ele não conseguiu seguir os passos de seu amigo Laurindo de Almeida que ficou nos EUA, sendo reconhecido internacionalmente? E algumas hipóteses são levantadas como o fato dele não querer ser coadjuvante de Carmen Miranda. Mas não é possível concluir nada, até porque não houve tempo: Garoto morreu um pouco antes de completar 40 anos, de infarto fulminante.

Rafael Veríssimo está estreando com louvor como realizador de um longa-metragem. É formado em jornalismo pela USP, estudou documentário na Universidade Lumière Lyon 2 (França). Desde 2010, exerce a profissão de técnico de som direto. Nos últimos anos, colaborou com diversos documentários sobre música, os premiados O PIANO QUE CONVERSA e MÚSICA PELOS POROS, ambos de Marcelo Machado (que também assina o roteiro deste documentário) e WORK IN PROGRESS: OSESP, de Diego de Godoy. Também colaborou com o documentário de Renato Brandão, que o Grupo Cinema Paradiso celebrou em seu aniversário em 2019, no CineSesc QUANDO AS LUZES DAS MARQUIZES SE APAGAM. Embora muito jovem, estreia com maturidade.

O filme GAROTO – VIVO SONHANDO faz jus a uma profunda pesquisa, musical e biográfica e reconhece o trabalho do biógrafo de Garoto Jorge Mello como uma das fontes do filme. 

A montagem de Pedro Watanabe também merece destaque e dá ritmo ao filme, mesclando os registros fotográficos com a música e as entrevistas. 

Com direção musical de Henrique Gomide, o filme se esmera em “explicar” (sem ser chato) o que seria a tal modernidade do violão de Garoto que tanto encantou os músicos da época e de todas as gerações seguintes. Muitas são as entrevistas com excelentes artistas como Henrique Cazes, Yamandu Costa, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Paulo Belinatti (um dos responsáveis por tirar Garoto do esquecimento, gravando um CD duplo só com músicas de sua autoria). Uma fala de Menescal é muito significativa: ele diz que “no início da Bossa Nova, tinha aquela juventude festiva, mas se você encontrasse alguém que conhecia Duas Contas, de Garoto, você já olhava diferente, esse aí sabe das coisas, pensava...”. Segundo ele, “Duas Contas” tornou-se um ícone da Bossa Nova. Além desta linda canção (cuja letra também é de Garoto e tem a curiosidade de não ter nenhuma rima), Gente Humilde é sua música mais conhecida, pois recebeu letra de Vinícius de Moraes e Chico Buarque, consagrada por tantos intérpretes. O documentário surpreende ao contar como Garoto sugeriu a letra de Gente Humilde, mas isso eu não conto. Recomendo fortemente que assistam GAROTO – VIVO SONHANDO, de Rafael Veríssimo.

Parabéns a esses jovens que idealizaram e em especial Rafael Veríssimo que realizou um lindo filme que fará chegar a muita gente, de todas as idades, “o Brasil mais bonito que poder haver” (fala de Yamandu Costa).

O filme também estará em breve no Festival “É Tudo Verdade”, mas com apenas uma exibição, então, vamos prestigiar no In-edit.

Veja o Trailer: https://br.in-edit.tv/film/44 e veja o filme:

No Festival In-edit Brasil, é preciso pagar apenas R$ 3,00 (três reais) para ver o filme:

E uma entrevista com Rafael Veríssimo pode ser vista no link: https://www.youtube.com/watch?v=YPOfEO85als

Como complemento deste meu artigo, apresento o Trio Caixa Cubo, que traz Henrique Gomide ao piano, João Fideles na bateria e Noa Stroeter no baixo, só pra comprovar como Garoto ainda encanta essa moçada.

https://www.youtube.com/watch?v=vfQ6onxCMXk

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