Sinopse: Rashomon é ambientado no Japão do século 11 e conta uma
história brutal: num bosque, um bandido famigerado, Tajomaru (Toshiro Mifune),
ataca um nobre samurai (Masayuki Mori) e sua esposa (Machiko Kyo), estuprando a
mulher e assassinando o marido. Esse evento é narrado alternadamente por quatro
pessoas diferentes: o bandido, a mulher estuprada, um lenhador que testemunhou
parte da cena (Takashi Shimura) e o espírito do samurai morto, este último por
meio de uma feiticeira em transe mediúnico. Cada um dos relatos difere dos
outros. Mais que isso: são versões contraditórias e excludentes. O que é narrado
depende do olhar de quem narra, de seu ângulo de visão – de seu “lugar de fala”,
para usar uma expressão corrente. (sinopse extraída do artigo de José Geraldo
Couto, publicado neste site)
Sobre o Diretor:
Akira Kurosawa nasceu em
Tóquio, em 23 de março de 1910 e faleceu em Setagaya, em 6 de setembro de 1988
(com 78 anos). Filho caçula de uma família grande, viveu sua infância com
simplicidade, num misto de educação rigorosa (do lado do pai) e muito gentil (do
lado da mãe). Relatava que seus professores de Arte e de Literatura foram
fundamentais para que ele descobrisse seu gosto por literatura e por pintura. Um
de seus irmãos foi responsável por apresentá-lo ao cinema. Este irmão se
suicidou ainda jovem, fato que o marcou para toda a vida. Embora não passasse
por grandes dificuldades financeiras, com 25 anos entendeu que precisava ter
independência financeira. Ele tentou ser pintor, mas percebeu que ganharia muito
pouco como artista plástico. Não imaginava trabalhar com cinema, mas viu um
anúncio de jornal dos Estúdios PCL, procurando pessoas que quisessem tentar a
carreira de assistente de direção. Lembrou das conversas sobre cinema com seu
irmão e resolveu se arriscar na disputada seleção. O cineasta Kajiro Yamamoto
foi quem o selecionou e contou que, embora ele não tivesse nenhuma experiência,
impressionou-se com sua cultura geral, especialmente de literatura. Kurosawa foi
sempre apaixonado por Dostoiévski, Tolstoi e Hamlet. Yamamoto foi seu primeiro
mestre na arte da direção e dos roteiros.
Aos poucos, Kurosawa foi trabalhando como assistente de direção, como roteirista
e finalmente em 1943, aos 33 anos, estreou como diretor no filme Sanshiro
Sugata. O Japão estava em plena guerra e o controle sobre os temas dos
filmes por parte do governo japonês era intenso. Tratava-se da adaptação de um
romance que envolvia artes marciais, tema “muito japonês”, como o governo
queria. Ele realizou um filme de entretenimento, com roteiro aparentemente
simples, mas pôde exercitar sua primeira experiência na direção, dando
complexidade aos personagens e inovando no tratamento estético. O filme foi
bem-sucedido e teve uma segunda parte, em 1945.
Uma das maiores dores de Akira Kurosawa era não ser apreciado pela crítica em
seu próprio país. No início de sua carreira, seus filmes fizeram boa bilheteria
nos cinemas japoneses, mas a crítica quase sempre o destruía. Até que em 1950,
seu filme Rashomon não foi apreciado pelo público e nem pela
crítica, no Japão. Por um acaso, uma organizadora italiana do Festival de Veneza
estava no Japão, viu Rashomon e o indicou para o festival. O filme
ganhou o Leão de Ouro, depois ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro (na
época, foi chamado de Oscar Honorário) e até hoje é considerado uma obra prima.
Desde então, muitos dos seus filmes ganharam prêmios significativos, quase
sempre fora de seu país.
Akira Kurosawa é reconhecidamente um dos maiores diretores de cinema no mundo,
foi mestre da maioria dos grandes cineastas. Considerado perfeccionista na
escrita dos roteiros, composição de personagens, direção de atores, realização
de storyboards (ele mesmo os desenhava e pintava), ainda assim, durante
toda a sua vida profissional, Kurosawa passou inúmeras vezes por dois tipos de
tensão: (1) a pressão dos estúdios para equilibrar os orçamentos dos filmes (que
costumeiramente extrapolavam o previsto, tanto no valor, como no tempo de
realização) e (2) na acusação de abandonar a cultura japonesa, realizando
filmes excessivamente ocidentais. Inúmeras vezes seus filmes iam mal de crítica
e de
bilheteria no Japão, mas ganhavam os principais prêmios internacionais.
Em 1970, Kurosawa lançou o filme Dodeskaden (uma maravilha de
filme) que não obteve bom resultado de bilheteria no Japão. Sentindo-se
pressionado e sem condições de voltar a filmar, porque não conseguia mais
financiamento para seus filmes, ele tenta o suicídio em dezembro de 1971.
Felizmente, a tentativa foi malsucedida. Segundo seu biógrafo Donald Richie ,
não é incomum que intelectuais e artistas japoneses ajam dessa forma ao sentir
que chegaram ao fim de seu tempo de produtividade artística. Kurosawa estava com
61 anos e sentia-se exausto com essas tensões e incompreensões da indústria
cinematográfica que tolhia sua criatividade.
O que consta é que, após essa crise profunda, Kurosawa mudou bastante seu jeito
de ser e passou, inclusive, a ser menos avesso à imprensa, à mídia em geral,
tornando-se mais complacente em suas relações profissionais. É, após essa crise
pessoal, ele atendeu a uma oferta de realizar um filme na União Soviética
(estamos em 1972, portanto, ainda existia a URSS), já que ele não encontra
espaço para filmar novamente no Japão. Foi assim que filmou o belíssimo
Dersu Uzala.
Filmografia do Diretor:
1943 — Sugata Sanshiro
1944 — A Mais Bela
1945 — Sugata Sanshiro - segunda parte
1945 — Aqueles que pisaram na cauda do tigre
1946 — Os que constróem o amanhã
1946 — Não Lamento Minha Juventude
1947 — Um Domingo Maravilhoso
1948 — O Anjo Embriagado
1949 — Duelo silencioso
1949 — Cão Danado
1950 — Escândalo
1950 — Rashomon (ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza e o Oscar)
1951 — O Idiota
1952 — Viver
1954 — Os Sete Samurais (ganhou o Leão de Prata no Festival de Veneza)
1955 — Crônica de um Ser Vivo
1957 — Trono Manchado de Sangue
1957 — Ralé
1958 — A Fortaleza Escondida (ganhou o Urso de Prata, no Festival de
Berlim)
1960 — O Homem Mau Dorme Bem
1961 — Yojimbo
1962 — Sanjuro
1963 — Céu e Inferno
1965 — O Barba Ruiva (ganhou o prêmio OCIC no Festival de Veneza)
1970 — Dodeskaden
1975 — Dersu Uzala (ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro)
1980 — Kagemusha - A Sombra de um Samurai (teve produção e George Lucas e
Francis Ford Coppola, ganhou dois prêmios Bafta, o prêmio César e a Palma de
Ouro em Cannes)
1985 — Ran (ganhou o Cesar, o Bafta, além da indicação ao Oscar de Melhor
filme estrangeiro)
1990 — Sonhos
1991 — Rapsódia em Agosto
1993 — Madadayo
Sua carreira como um todo foi premiada no Oscar honorário (1990) e com o Leão de
Ouro, no Festival de Veneza.
Diálogo com a Literatura
Kurosawa era apaixonado por literatura, especialmente a literatura russa, sendo
Dostoiéviski seu autor predileto. Muitos dos seus filmes tiveram seus roteiros
adaptados da literatura. Alguns exemplos: Duas de duas obras foram baseadas em
Macbeth, de William Shakespeare: Os Sete Samurais (1954) e
Trono Manchado de Sangue (1957) Rashomon (1950), baseado em 2 contos de
Ryunosuke Akutagawa; O Idiota (1951), baseado em Fiódor
Dostoiéviski; Ralé
(1957), baseado numa peça de Máximo Gorki; O Barba Ruiva (1965),
baseado em pequenas histórias de Shugoro Yamamoto e incorporando elementos do
romance “Humilhados e Ofendidos” de Dostoiévski; Ran (1985),
baseado em “O Rei Lear”, de William Shakespeare.
0 comentários:
Postar um comentário