Algumas notas sobre o Filme “Oppenheimer” (2023)

 14.08.2023
Por Fernando T.H.F. Machado


Como deve ser julgado alguém capaz de mudar tão radicalmente o mundo a ponto de criar algo que pode chegar a destruir a própria humanidade? Para tentar responder a esta pergunta, fui assistir ao filme “Oppenheimer”, do diretor britânico Christopher Nolan (lançado em 2023).

Por um lado, há a frase do próprio físico no filme admitindo que se tornou a própria morte, a destruidora de mundos. Essa famosa citação baseia-se no clássico literário indiano anterior à Era Cristã chamado “Mahabharata (Grande História dos Bharata, em sânscrito), mais precisamente o Capítulo 11, verso 32 (Bhagavad Gita”- a canção dos abençoados).

Ou devemos vê-lo como Prometeu, que roubou o fogo dos deuses e o trouxe à humanidade, sendo penalizado eternamente por isso?

Para entendermos Oppenheimer, deve-se levar em consideração a época em que viveu, marcada por conflitos geopolíticos que provocaram fissuras tectônicas na ordem mundial vigente, com a luta contra o Nazismo unindo transitoriamente ideologias diametralmente opostas, representadas pelos EUA e a União Soviética, em oposição a um inimigo comum.

A própria Física transformava-se: pouco antes da época de Oppenheimer, o modelo clássico Newtoniano tradicionalmente aceito para se referir ao movimento e a gravidade foi chacoalhado pelas novas teorias de Einstein sobre a relação entre o espaço, o tempo, a matéria e a gravidade, abrindo assim um novo e desafiador mundo para a Ciência.

Como já havia estudado na Europa e conhecia os principais físicos nucleares de sua geração, foi mostrado no filme que Oppenheimer percebeu que a nova Física trazia enormes possibilidades, principalmente militares, para o aproveitamento do incrível poder do átomo e suas partículas.

E a Alemanha já havia largado na frente nesta inédita corrida armamentista. O próprio Einstein escreveu uma carta ao Presidente Roosevelt alertando-o sobre os riscos de Hitler conseguir uma bomba com poder explosivo sem precedentes na História, o que poderia pender o curso da própria II Guerra Mundial a seu favor.

Para evitar essa terrível possibilidade, surgiu o Projeto Manhattan em Los Alamos, no Novo México, com custo até o final da II Guerra estimado em US$ 2,2 bilhões (cerca de US$ 37,36 bilhões em valores atuais). Por falar em valores, a aposta que Oppenheimer fez no filme com o colega, no valor de 10 dólares, equivaleria a cerca de US$ 169,83, atualmente.

Também deve ser levado em conta que o próprio Oppenheimer, nomeado chefe do Projeto Manhattan (muito bem interpretado pelo ator Cillian Murphy), era filho de um judeu alemão que imigrou para os EUA e fez fortuna através do comércio de têxteis tendo, portanto, testemunhado a perseguição contra seus patrícios que continuaram na Alemanha de Hitler e nos países por ordem dele ocupados.

Uma curiosidade: Oppenheimer parece ser um sobrenome toponímico, ou seja, relativo a antigos residentes na localidade de Oppenheim, uma pequena cidade no sul da Alemanha distante cerca de 590 km de Berlim, com população atual de aproximadamente 7.000 pessoas e área de cerca de 10 km².


O Projeto Manhattan foi concebido inicialmente para criar uma arma atômica para deter a Alemanha Nazista, não o Japão. Mas só poucos meses após a rendição alemã foi finalmente concluído o trabalho e testada a primeira bomba atômica (spoiler: literalmente, com estrondoso sucesso). Imediatamente, os militares americanos apropriaram-se dos dois outros artefatos fabricados em Los Alamos e o resto é História...

Nesse ponto, deve ser questionado se realmente era necessário lançar as duas bombas atômicas sobre um país que já estava, na prática, vencido, mas que ainda continuava a lutar fanaticamente contra os EUA e seus aliados.

Tendo lido bastante sobre a II Guerra Mundial em várias fontes e em várias épocas, aprendi que o povo japonês considerava o seu imperador uma figura sagrada (a primeira vez que ouviram sua voz foi no anúncio oficial de rendição), e que as pessoas foram convencidas por todos os meios possíveis de que o solo japonês deveria ser defendido a qualquer custo, independentemente das perdas materiais e humanas. 

Cidade de Hiroshima

Entre abril e junho de 1945, os EUA finalmente invadiram o sul do Japão, no arquipélago de Okinawa, e encontraram maciça resistência, com enorme mortandade de ambos os lados. Houve quem achasse que a guerra só acabaria em 1946, com um enorme custo adicional de vidas americanas e japonesas.

Por outro lado, lançar armas de destruição em massa sobre civis indefesos, sem qualquer aviso prévio que lhes possibilitasse fugir, não deve ser condenado? De repente, me vem à mente o poema “A Rosa de Hiroshima”, de Vinícius de Moraes, e penso com tristeza na rosa atômica e nas crianças...

Voltando ao filme, há constantes idas e vindas entre o período anterior ao Projeto Manhattan, a época do Projeto e os anos 50, o que chega a cansar um pouco os espectadores e espectadoras, com informações exaustivas e uma certa profusão de personagens e falas, que vão e vem, tornando o filme desnecessariamente longo. Mas essa foi a escolha do diretor, que não considero a mais acertada.

A película mostra um Oppenheimer mulherengo, genial e, ao mesmo tempo, interessado em temas sociais, a exemplo de quando se envolveu em política na Universidade de Berkeley nos anos 30 do século XX. Esse envolvimento político, principalmente a proximidade naquela época com membros do partido comunista americano, seria fartamente explorada por seus adversários quando os EUA e URSS deixaram de ser aliados e se envolveram na chamada “Guerra Fria”.

Também é abordada no filme a questão da possibilidade de vazamento das informações do Projeto Manhattan por espiões soviéticos, notadamente através do físico teórico alemão Klaus Fuchs. Como era uma tecnologia decisiva para a supremacia militar e havia o risco de monopólio das armas nucleares por apenas uma única potência, é compreensível que outros países tenham procurado maneiras de adquiri-la.

Aliás, o primeiro nome de Oppenheimer era Julius, assim como um outro famoso Julius, Rosenberg. Há uma produção americana interessante de 1974, sobre o casal Julius e Ethel Rosenberg, que foi julgado e condenado à morte por fornecer os segredos nucleares americanos para a URSS (com Allan Arbus e Barbara Colby interpretando os papéis principais).

Oppenheimer morreu de câncer em 1967, aos 62 anos (se isto está relacionado à exposição à radiação nos anos do Projeto Manhattan, nunca saberemos). Sua esposa Katherine - “Kitty” (muito bem interpretada pela bela Emily Blunt), faleceu em 1972, também aos 62 anos.

Afinal, Oppenheimer é um destruidor de mundos ou um Prometeu moderno? E quem deve ser julgado: quem construiu as bombas atômicas ou quem as lançou?

Para mim, assistir ao filme me fez pensar sobre a relatividade das coisas, não só na Física como em nossas próprias vidas: nem tudo é bom ou ruim, nem tudo é 8 ou 80, a radiação tanto pode salvar vidas em tratamentos oncológicos quanto trazer a morte em explosões nucleares...

Enfim, há uma miríade de possibilidades que apenas começamos, lentamente, a perceber e, mais lentamente ainda, a compreender.

Fernando T.H.F. Machado é Economista e admirador da Sétima Arte.

0 comentários: