Dicas do Hirao para a 47a Mostra Internacional de
Cinema em São Paulo

30.10.2023
H.Hirao

No texto anterior sobre a Mostra, há uma lista de filmes recomendados “por currículo”, ou seja, de diretores conhecidos, filmes premiados em festivais e os que representam seus países no Oscar do ano que vem. Agora, quero indicar alguns filmes que eu assisti, a maioria de diretores que fizeram o seu primeiro ou segundo longa. Descobrir filmes é um dos principais propósitos da Mostra e, para mim, um dos maiores prazeres.

Começo com Palimpsesto (Palimpsest. Direção de Hanna Västinsalo. Finlândia, 2022, 109 min.) Uma impressionante ficção científica passada num futuro próximo (ou talvez no presente próximo). Octogenários são selecionados para participarem de uma experiência: um revolucionário tratamento de rejuvenescimento, sem alterar a memória. Tellevu e Juhani são os personagens principais. A princípio, eles adoram ficar mais jovens. Quem não gostaria de ter o corpo de 20 ou 30 com a maturidade de 80? Ter uma segunda chance de realizar algum sonho, de estudar, de fazer sexo sem a repreensão de 60 anos atrás? Porém, ser um jovem de 80 anos não é tão simples. Primeiro longa da diretora, foi selecionado no programa Biennale College – Cinema, do Festival de Veneza, que oferece oficinas e um micro-orçamento para a produção do filme.

Cena de Palipsesto. Foto: Divulgação

Outro filme com idosos é Presente de Deus (Tenirberdi ou God’s Gift. Direção de Asel Zhuraeva. Quirguistão, 2022, 75 min.) Uma raríssima obra do Quirguistão e só por isso já merece ser visto. Um casal de idosos, Burul e Mambet, não tiveram filhos, vivem em uma vila remota nas montanhas. Ele está muito debilitado, sofrendo de uma doença terminal. Certa noite, um bebê é abandonado na porta da casa deles. Eles pensam em avisar as autoridades, a polícia, a assistência social, mas ouvem rumores alarmantes e desistem de entregar o bebê para outras pessoas. E agora, o que fazer? Como dois idosos vão cuidar de um bebê? Primeiro longa da diretora, é um filme delicado, simples na forma mas complexo no conteúdo, humanista e cheio de esperanças.

Cena de Presente de Deus. Foto: Divulgação

Parece que a Mostra selecionou diversos filmes com personagens idosos esse ano. Uma Vila sem Filhos (A Childless Village. Direção de Reza Jamali. Irã, 2022, 81 min.). Há 20 anos, o cineasta Kazem tentava realizar um documentário sobre uma aldeia onde as mulheres não engravidavam. Não terminou o filme pois elas se revoltaram e o expulsaram do vilarejo. Agora, uma médica realiza uma pesquisa para provar que os inférteis são os homens e que não há nada de errado com as mulheres. E Kazem volta para realizar outro documentário, ou melhor, para refazer o mesmo documentário. O cinema iraniano normalmente retrata dramas sérios, mas aqui há um humor incomum. E ainda há a metalinguagem do filme dentro do filme, coisa que eu adoro. A obra levanta a questão do machismo, da religião e também o problema do uso de pesticida nas lavouras.

Cena de Uma Vila sem Filhos. Foto: Divulgação

Dois filmes da Bulgária com co-produção alemã. O primeiro é Lições de Blaga (Urotcite na Blaga. Direção de Stephan Komandarev. Bulgária/Alemanha, 2023, 114 min.), também traz uma idosa como protagonista. Blaga é uma professora de literatura aposentada, dá aulas particulares para ganhar algum dinheiro. Seu marido acaba de falecer e ela quer usar as economias de uma vida para comprar um jazigo duplo. Ela passa por um momento emocionalmente difícil, então, apesar de ser uma mulher inteligente, acaba caindo em um golpe por telefone. Além de perder todo o dinheiro, Blaga é ridicularizada pela imprensa e pelos amigos. A expressiva atriz Eli Skorcheva conduz todo o filme, no primeiro momento enquanto vítima frágil e depois, enfrentando dilemas morais para recuperar o dinheiro. Ela foi premiada no festival de Karlovy Vary.

Cena de Lições de Blaga. Foto: Divulgação

O outro filme búlgaro é Armadilha (Klopka. Direção de Nadejda Koseva. Bulgária/Alemanha, 2023, 95 min.). Yovo é um homem que vive integrado e em harmonia com a natureza, mora à beira do rio Danúbio, em uma região de floresta densa. Ele mantém uma espécie de santuário para animais selvagens, pois gosta mais do convívio com os bichos do que com os humanos. Há uma ilha desabitada no meio do rio, para onde um grande javali foi levado para ser caçado por um empresário estrangeiro. Só por diversão. Só porque ele tem dinheiro. Obviamente, Yovo será contra e passa a boicotar essa caçada, de forma inteligente e simples.

Cena de Armadilha. Foto: Divulgação

Desde a consagração de Parasita (2019) o cinema da Coreia do Sul está em alta. Máscara de Ferro (Iron Mask. Direção de Kim Sung-hwan. Coreia do Sul, 2023, 100 min.) se apropria de uma arte marcial japonesa, do tempo dos samurais, o kendô. Aqui não há nenhum samurai ancião. Trata de um jovem que entrou para a equipe sul-coreana de kendo e treinará para o campeonato mundial do esporte. Uma curiosidade é que o Brasil tem grandes praticantes de kendô, o país já foi sede de campeonatos mundiais e temos muitos campeões. Muito se deve aos imigrantes japoneses que trouxeram essa atividade.


Cena de Máscara de Ferro. Foto: Divulgação

Quem se encantou com A Felicidade das Pequenas Coisas (2019) do Butão, certamente vai gostar de Se Eu Pudesse Apenas Hibernar (Baavgai Bolohson. Direção de Zoljargal Purevdash. Mongólia / França / Suíça / Catar, 2023, 99 min.). Também traz a educação como um tema importante. Aqui, três irmãos são deixados na cidade para estudarem, enquanto a mãe volta para o campo, tentar um trabalho melhor. O irmão maior, Ulzii é um aluno brilhante. Seu professor o incentiva a participar da Olimpíada de Física, que pode lhe dar uma bolsa para qualquer universidade do mundo. Mas ele precisa cuidar dos irmãos menores.


Cena de Se Eu Pudesse Apenas Hibernar. Foto: Divulgação

Os membros do Grupo sabem que eu adoro animações. A Mostra selecionou algumas, e quero recomendar duas O Sonho da Sultana (El Sueño de la Sultana. Direção de Isabel Herguera. Espanha / Alemanha / Índia, 2023, 83 min.) e Robot Dreams (Direção de Pablo Berger. Espanha / França, 2023, 101 min.). O primeiro é belíssimo, as imagens são pintadas em aquarela, com muitas imagens difusas, transparências, cores fortes, muitas sombras. Inés é uma artista espanhola, que se encanta por um livro de ficção escrita por uma indiana, em que descreve uma sociedade comandada por mulheres. E ela parte para uma viagem de descobertas pela Índia. A segunda animação é mais tradicional, mas a história é muito bem narrada. A novidade é que não tem diálogos! E por isso, pode ser perfeitamente entendido por crianças ou adultos que não leem legendas. É uma fábula moderna, em que um cão solitário compra um robô para ser seu amigo. Lembram dos cachorros-robôs Aibo da Sony? Só que ao contrário.


Cena de O Sonho da Sultana. Foto: Divulgação

Cena de Robot Dreams. Foto: Divulgação

Atrás das Montanhas (Oura el Jbel. Direção de Mohamed Ben Attia. Tunísia / Bélgica / França / Itália / Arábia Saudita / Catar, 2023, 98 min.) é um filme intrigante, com toques de realismo fantástico. Rafik é um homem que passou quatro anos preso. Ele se jogou duas vezes de lugares altos, mas seu objetivo não era de se matar. Depois de solto, ele sequestra seu filho, Yassine, e partem para as montanhas, onde quer provar uma coisa impossível: ele pode voar. Começa como um drama familiar e social, vira um road-movie, e termina como um suspense. Só acho que poderia deixar o final sem explicitar tanto.

Cena de Atrás das Montanhas. Foto: Divulgação

E antes que a Cláudia reclame, é verdade, não falei de nenhum filme brasileiro. É porque dou prioridade aos filmes que provavelmente nunca mais teremos chande de assistir. E os brasileiros, mais cedo ou mais tarde, podem entrar em cartaz ou participar de outros festivais. Por enquanto, só assisti ao documentário Peréio, Eu te Odeio (Direção de Allan Sieber e Tasso Dourado. Brasil, 2023, 90 min.) sobre esse ator controverso, rebelde, raivoso, intratável, alcoólatra, mau-cheiroso, mau-educado, machista, mas simplesmente adorável. O filme traz depoimentos de diretores, atores, amigos e familiares. Todos o odeiam! Hilariante e imperdível!


Cena de Peréio, Eu te Odeio. Foto: Divulgação

Boa Mostra para todos.
H.Hirao


1 comentários:

Oziris disse...

Fiquei com vontade de ver TODOS!!