BREVE PANORAMA DO CINEMA IRANIANO

 18.03.2025
Por João Moris

“Sonhar talvez seja a coisa mais necessária da vida. Se alguém um dia me disser que é preciso escolher entre sonhar e ver, eu provavelmente escolherei sonhar. Eu penso que a cegueira é mais fácil de aceitar se pudermos manter a imaginação e os sonhos. Sem os sonhos, a vida não seria fácil. Então, viva os que sonham acordados! E, sem dúvida, por isso que o cinema é uma passagem para os sonhos humanos e esta é a razão pela qual o cinema merece ser adorado.”
Abbas Kiarostami



Uma pergunta que sempre me vem à cabeça quando acabo de assistir a um filme iraniano é: Como o Irã consegue fazer filmes tão bons e tão diversos, mesmo sob rigorosa censura e tamanha opressão contra seus artistas? A resposta, talvez, esteja na retrospectiva abaixo...

Primórdios do Cinema Persa

Primeira sessão de cinema no Irã: 1904 – Um filme exibido em praça pública em Teerã retratando a visita do rei da Pérsia à Europa, dirigido pelo primeiro cineasta iraniano, o fotógrafo Mirza Ebrahim Akkas Bashi.

Outro diretor pioneiro da época: Khan Baba Motazedi, que foi o fotógrafo e cineasta oficial das dinastias persas até o clã dos Palhevi. 

O Irã foi um dos primeiros países do mundo a ter salas de cinema.

A primeira sala de cinema no Irã foi inaugurada em 1905 em Teerã, tendo Akkas Bashi como proprietário.

A primeira escola de cinema e fotografia foi inaugurada em 1925 pelo cineasta armênio-iraniano Ovanes Ohanian

Até o começo dos anos 1930, havia pouco mais de 25 salas de cinema em todo o Irã.

Décadas de 1930 e 1940 

Em 1930, Ovanes Ohanian dirigiu o primeiro longa metragem mudo iraniano chamado Abi e Rabi, uma comédia que contava a história  de dois amigos, um alto e outro baixinho, e suas peripécias.

Em 1933, foi lançado o primeiro filme sonoro (Lor Girl), que também foi o primeiro filme com uma atriz no papel principal (Roohangiz Saminejad). Dirigido pelo grande cineasta da época, Abdolhossein Sepanta, o filme catapultou a atriz para a fama repentina, que também foi a sua ruína, visto que sofreu assédio sexual e cancelamento por se expor publicamente numa tela de cinema. O filme ganhou uma nova versão nos anos 70, com o título de Jafar-o-Golnar.

Durante a década de 30, Sepanta dirigiu e roteirizou filmes de grande sucesso junto ao público iraniano, que não parava de crescer. Filmes como Ferdowsi (1934), que retrata a vida do mais célebre poeta épico iraniano, Shirin e Farhad (1935), uma história de amor clássica iraniana, Olhos Negros (1936), que conta história da invasão da India pelo xá persa Nader Afshar no século 18, e Laili e Majnoon (1937),  a versão persa de Romeu e Julieta.

Outros dois precursores do cinema iraniano, que floresceram nos anos 40, foram Esmail Koushan e Farrokh Ghaffari. Juntos, esses cineastas fundaram a Sociedade Nacional do Filme Iraniano em 1949.

Período Pré-Revolucionário (1950 a 1979)

Nos anos 40 e 50, os cinemas no Irã praticamente só exibiam filmes estrangeiros, principalmente americanos. Mas, o grande salto do cinema iraniano se deu entre 1950 e 1965, quando foram produzidos quase 325 filmes iranianos, que cairam no gosto do público. Nessa época, havia quase 300 salas de cinema no país.  

O filme que inaugurou a Nova Onda (Cinema Motefävet) do cinema iraniano, na década de 1960, foi Ganj-e Qarun (“O Tesouro de Creso”) de 1965, dirigido por Siamak Yasemi. Em 1968, o filme Shohare Ahoo Khanoom ("O Marido da Senhora Ahou”) revolucionou o cinema nacional ao retratar o papel das mulheres na sociedade iraniana tendo como protagonistas duas atrizes.  Foi dirigido pelo cineasta Davoud Mollapour. O expoente da Nova Onda foi o filme Gav (“A Vaca”) de 1969, dirigido por Dariush Mehrjui, que se tornou um divisor de águas da indústria cinematográfica iraniana moderna. Juntos, esses filmes tinham um forte conteúdo político e social e formaram a espinha dorsal do primeiro festival de cinema iraniano, Sepas Film Festival, criado em 1970. 

Além disso, a Escola de Artes Dramáticas, fundada em Teerã em 1963, foi um celeiro de grandes atrizes e atores da época. E, ainda na década de 60, vários estúdios de cinema se espalharam rapidamente pelo país, formando uma nova geração de cineastas independentes. 

O prestigiado Festival Internacional de Cinema de Teerã foi criado em 1973, reforçando ainda mais os filmes da Nova Onda e criando laços com produções internacionais.  Durante os anos 70, vários filmes iranianos de cunho “artístico” passaram a fazer parte da programação dos principais festivais de cinema do mundo. 

O filme Ragbar (“Tempestade”), dirigido por Bahram Beyzai, foi lançado internacionalmente no Festival Internacional de Chicago em 1972. Outro filme iraniano que marcou época na década de 70 foi Tabiate bijan (“Natureza Morta”), de 1974, dirigido por Sohrab Shahid-Saless, que ganhou o Urso de Prata do Festival de Berlim. Um dos últimos filmes lançados antes da Revolução Iraniana de 1979 foi Gozaresh (“O Relatório”), dirigido pelo aclamado cineasta Abbas Kiarostami, cuja obra começou a despontar na década de 70.

Cinema Pós-Revolução (1980 a 2000)

Após a tomada de poder pelo líder islamita Ruhollah Khomeini em 1979, vários diretores e atores iranianos se exilaram do país ou foram censurados e a emergente indústria cinematográfica iraniana ficou desorganizada. Nos dois primeiros anos do governo islâmico, os cinemas permaneceram fechados, só reabrindo em 1982 por pressão popular. 

Ainda nesse ano, foi criado o Fajr Film Festival que financiava filmes, juntamente com a Farabi Film Foundation, que ironicamente se tornou o órgão oficial de censura. O governo iraniano também passou a financiar filmes e uma nova geração de cineastas foi formada, sendo seus filmes criteriosamente escolhidos por uma banca.

Com a chancela oficial, muitos dos filmes feitos entre 1980 e 1995 tinham um forte apelo comercial. Eram filmes exaltando a revolução de 1979, filmes de guerra, que retratavam a guerra Irã-Iraque, que durou de 1980 a 1988, ou comédias românticas e ingênuas. 
Paralelamente a isso, havia um cinema de resistência oriundo dos diretores da Nova Onda, que faziam filmes minimalistas de cunho mais social e político e faziam oposição ao regime, buscando burlar a censura, seja de dentro do Irã, seja no exílio. 

Houve, também, um movimento chamado “Cinema de Arte Popular” dentro do Irã, cujos filmes buscavam um público iraniano educado, mas não tão elitizado ou internacional como no caso dos filmes dos diretores da Nova Onda.

A partir da década de 1990, três diretores iranianos exponenciais passaram a ganhar prêmios internacionais e ajudaram a perpetuar o nome do cinema iraniano no mundo. 
O principal foi Abbas Kiarostami, que inicialmente gozava de prestígio junto ao regime islâmico, mas com o reconhecimento internacional, seus filmes passaram a ser censurados no Irã, principalmente após ganhar a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1997 com o filme O Gosto da Cereja, que aborda o suicídio.      

O diretor Jafar Panahi foi assistente de direção de Kiarostami e ganhou a Camera D’Or do Festival de Cannes com seu filme de estreia, O Balão Branco (1995). Mas, a partir dos anos 2000, seus filmes se tornaram cada vez mais críticos do regime islâmico e ele passou a ser implacavelmente perseguido pela censura.

Outro diretor iraniano de prestígio internacional, igualmente perseguido pelo regime dos aiatolás, é Mohsen Makhmalbaf. No início da carreira, era o diretor queridinho do regime islâmico, mas a partir de 2000 tornou-se um feroz opositor do governo e seus filmes foram todos censurados no Irã.  

A propósito dos filmes de Abbas Kiarostami, que foi introduzido no Brasil na década de 90 pelo criador da Mostra de Cinema de São Paulo, Leon Cakoff, quem não se lembra das sessões do filme Através das Oliveiras (1994), que ficou um ano em cartaz no Cine Belas Artes, com calorosas discussões de “ame-o ou deixe-o” entre os cinéfilos da época?  Com sua estética neorrealista, minimalista e extremamente apurada, e filmes de narrativa mais lenta e contemplativa, Kiarostami de uma certa forma ajudou a propagar a ideia de que os filmes iranianos que começaram a inundar as telas brasileiras na segunda metade da década de 1990 eram chatos ou soporíferos....  e que a História ajudou a desmentir!

Cinema Iraniano Contemporâneo (2001 até o presente)

Hoje, além da produção de filmes exibidos em circuito internacional e que são invariavelmente censurados, o cinema iraniano contemporâneo destaca-se por uma forte produção doméstica, composta de comédias, filmes de arte, filmes feitos por mulheres, animação e documentários, que são incentivados (leia-se liberados) pelo regime e exibidos no país. 

Com uma história cinematográfica tão rica e extensa, não é à toa que o cinema iraniano seja tão aclamado pelo mundo afora, seja em grandes festivais, seja em diferentes países, como o Brasil. Ainda que em pequena escala, diria que são lançados mais filmes iranianos anualmente no circuito comercial brasileiro do que filmes latino-americanos... 

O cinema iraniano que chega às telas do mundo hoje é um cinema marcadamente autoral, tendo como pano de fundo os grandes dilemas éticos e morais que permeiam a sociedade iraniana, mas que tem um enorme apelo universal. 

Não são poucos os relatos estarrecedores sobre cineastas, atores, atrizes e equipes cinematográficas iranianos perseguidos, silenciados ou presos pelo rígido regime teocrático do Irã. Ainda assim, com ou sem ajuda internacional, todos os anos, o país continua a produzir filmes excepcionais de altíssima qualidade. Isso reforçaria a máxima “a censura aguça ou incentiva a criatividade”?

PRINCIPAIS DIRETORES E CINEASTAS IRANIANOS CONTEMPORÂNEOS
       
          
(Todos os filmes abaixo foram lançados no Brasil) (Filmes estão por ordem cronológica) (Não cobre toda a filmografia dos diretores) 

Abbas Kiarostami 1940-2016 (Onde Fica a Casa do Meu Amigo?, Lição de Casa, Close-up, E a Vida Continua, Através das Oliveiras, Gosto de Cereja, E o Vento nos Levará, ABC África, Dez, Cada um com seu Cinema, Shirin,  Cópia Fiel, Um Alguém Apaixonado)

Jafar Panahi (O Balão Branco, O Espelho, O Círculo, Ouro Carmim, Fora do Jogo, Isto Não é um Filme, Taxi Teerã, 3 Faces, Sem Ursos)   

Asghar Farhadi (Quarta-feira de Fogos de Artifício, Procurando Elly, A Separação, O Passado, O Apartamento, Todos Já Sabem, Um Herói

Bahman Ghobadi (Tempo de Embebedar Cavalos, Exílio no Iraque, Tartarugas Podem Voar, Antes da Lua Cheia, Ninguém Sabe dos Gatos Persas, O Último Poema do Rinoceronte)  

Mohsen Makhmalbaf (Tempo de Amor, Salve o Cinema, Gabbeh, Um Instante de Inocência, O Silêncio, A Caminho de Kandahar, Um Dia Muito Especial, O Grito das Formigas, O Presidente

Samira Makhmalbaf (A Maçã, O Quadro Negro, 11 de Setembro, Às Cinco da Tarde, O Cavalo de Duas Pernas

Mohammad Rasoulof (Manuscritos não Queimam, Não Há Mal Algum, A Semente do Fruto Sagrado) 
Marjane Satrapi (Persépolis, Frango com Ameixas, As Vozes)

Majid Majidi (O Pai, Filhos do Paraiso, A Cor do Paraíso, Baran, Entre Luzes e Sombras, A Canção dos Pardais, Crianças do Sol

Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha (O Perdão, Meu Bolo Favorito)
 Ali Abbasi (Border, Holy Spider, O Aprendiz)                                            

Fontes de consulta: iMDB, Wikipedia, Internet

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