Algumas notas sobre o filme "A Vida de Chuck" (2024)

 16.09.2025
Por Fernando Machado *

Annalise Basso e Tom Hiddleston em A Vida de Chuck (Foto: Divulgação)

Gosto de muito de filmes de terror e fiquei bem entusiasmado com a escolha de um filme baseado em uma obra de Stephen King, autor de inúmeras obras do gênero como “Carrie, a Estranha” (de 1974 e que foi lançado no cinema em 1976 com Sissy Spacek no papel principal), "O Iluminado” (de 1977, que virou filme homônimo em 1980 com Jack Nicholson), “Cemitério Maldito” (de 1983 e imortalizado na tela em 1989 com a música-tema dos Ramones).

O filme “A Vida de Chuck” faz parte de uma coletânea de quatro “novelas” (obras com tamanho intermediário entre um conto e um romance), a qual foi lançada em 2020. Uma das “novelas” da coletânea, chamada “O Telefone do Sr. Harrigan”, também virou um filme muito interessante em 2022, com o ator Donald Sutherland no papel principal.

O diretor do filme “A Vida de Chuck” é Mike Flanagan, que dirigiu o filme para TV “A Maldição da Casa Hill” em 2018, bem como “Doutor Sono” (2019) e a nova série sobre “A Queda da Casa de Usher” (2023). Aliás, a esposa do diretor, Kate Siegel, fez uma pequena mas importante ponta no filme “A Vida de Chuck” como a professora de inglês que revelou ao então menino a frase “Eu contenho multidões”, do poema “Canção de mim mesmo” (de 1892) do poeta americano Walt Whitman.

O elenco também tem nomes como Mark Hamill (o “Luke” de “Guerra nas Estrelas”) e Mia Sara (a eterna “Sloane Peterson”, namorada do personagem “Ferris Bueller” no clássico “Curtindo a Vida Adoidado”, de 1986).

Mark Hamill, como Alvie Krantiz em A Vida de Chuck (Foto: Divulgação)

Fui assistir ao filme sem muitas expectativas e sem ler praticamente nada antes. Confesso que o resultado final me impressionou positivamente, apesar de conter relativamente poucos elementos de terror e suspense, que são a marca registrada de Stephen King.

“A Vida de Chuck” é uma estória em três atos, contada de trás para frente. Nessa ordem inversa, ficamos sabendo no Terceiro Ato (“Obrigado, Chuck!”), que o mundo vem passando há pouco mais de um ano por grandes desastres naturais, os quais estão ficando cada vez mais frequentes e violentos, ameaçando a própria existência humana. A internet e as tecnologias de comunicação apresentam falhas crescentes.

Nesse ato, numa cidade não identificada dos EUA, o professor Marty Anderson (Chiwetel Ejiofor) procura manter a normalidade como pode enquanto tenta uma reaproximação com sua ex-mulher, a enfermeira Felicia (Karen Gillan), antes do apocalipse iminente. Estranhamente, aparecem cartazes com a foto de um desconhecido homem engravatado chamado Charlie Krantz (Tom Hiddleston), com a frase: “39 anos incríveis! Obrigado, Chuck!”. As mesmas mensagens são vistas antes da perda de sinal das TVs, e a foto iluminada de Charles aparece à noite, de forma ubíqua e fantasmagórica, até nas próprias casas da cidade.

Em seguida, no Segundo Ato (“Artistas de Rua para Sempre”) é mostrado que o personagem principal irá morrer aos 39 anos de glioblastoma cerebral, um tumor maligno bastante agressivo.

Nove meses antes de morrer, ele está numa convenção de contadores e, enquanto passeia pela rua num intervalo, é tentado a dançar enquanto a artista de rua Taylor Franck (Taylor Gordon) toca a bateria. Em seguida, ele convida a jovem Janice (Annalise Basso) para juntar-se a ele na dança, que faz um enorme sucesso e atrai a atenção da multidão.

O Primeiro Ato é intitulado “Eu contenho multidões” e mostra a história de Chuck dos 7 aos 17 anos, período em que ele ficou órfão e foi cuidado pelo “zeyde” (vovô em iÍdiche) Albie Krantz (Mark Hamill) e pela ‘bubbe” (vovó em iídiche) Sarah Krantz (Mia Sara).

Albie é um contador circunspecto e conservador com problemas com o álcool, enquanto Sarah é uma pessoa expansiva e amorosa que ensina o pequeno Chuck a dançar. Aliás, a dança representará parte importante na vida do menino, pois através dela ele se destacará na escola.

Outra influência improvável é a professora de Inglês (Kate Siegel), que mostra ao menino a passagem “Eu contenho multidões” do famoso poema de Walt Whitman e lhe ensina como todo um universo pode caber na cabeça de cada pessoa.

Em termos gerais, o filme nos fala sobre a vida e morte de uma pessoa relativamente jovem e comum, que deixará para trás uma esposa e um filho adolescente. E, ao mesmo tempo, mostra a enorme importância das pequenas coisas, como o convívio com familiares e amigos, uma pausa para observar o universo ao nosso redor numa noite estrelada ou, simplesmente, um tempo livre dedicado à dança.

Nesse contexto, a dança poderia ser interpretada como a verdadeira liberdade, enquanto a carreira de contador de Chuck significaria os limites e responsabilidades impostas pela “vida adulta”?

No final, será que todo o universo como o conhecemos está em colapso no filme de Mike Flanagan? Ou o que está realmente em colapso é a “multitude” contida no cada vez mais deteriorado cérebro de Chuck? Para mim, essa segunda hipótese é a mais provável, embora haja espaço para outras teorias.

A progressão inexorável da doença parece entremear de forma crescentemente caótica tudo o que ele viu e ouviu nos seus 39 anos de vida, a exemplo da estória de Carl Sagan sobre o universo contido em um único ano, bem como o desejo do chefe da agência funerária de ser meteorologista. O que dizer, então, das “aparições” de Charlie Krantz sob diversas formas para pessoas que ele conheceu durante sua existência, como o professor Marty Anderson?


Carl Lumbly e Chiwetel Ejiofor em cena de A Vida de Chuck (Foto: Divulgação)

A película nos faz pensar sobre nossa pequenez e brevidade na escala cósmica e, ao mesmo tempo, como a consciência dessa nossa finitude pode nos impelir a aproveitar melhor o relativamente pouco tempo de que dispomos, e até fazer coisas maravilhosas enquanto estamos nesse plano.

Também foi interessante a forma como tudo isso foi engenhosamente colocado, até mesmo com um pequeno toque sobrenatural com a mansão vitoriana dos avós de Chuck e sua sempre trancada sala da cúpula, a qual teria o poder de revelar o destino de quem se atrevesse a olhar para o interior daquele cômodo sinistro. Aí temos um pequeno vislumbre da genialidade do mestre Stephen King.

Em resumo, temos um filme muito diferente da média, que consegue dialogar com os espectadores e espectadoras sobre coisas simples e complexas e, ao mesmo tempo, tem o potencial de nos fazer refletir até mesmo sobre nossos limites e possibilidades, bem como sobre cada uma das “multidões” que contemos em nossos universos particulares. Simplesmente fantástico!

*Fernando T.H.F. Machado é economista e admirador da Sétima Arte.

Agradeço também às observações atentas, dicas e correções da minha esposa Ana Lúcia.

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