Minha Mostra Internacional De Cinema 2016 – Parte 3

30.11.2016
por Marços Eça

Meu destaque da Mostra

Do Decálogo 

Kieslowski é um de meus diretores preferidos. O primeiro filme dele que vi no cinema foi A fraternidade é Vermelha (1994), seu último filme realizado. A partir de então, consegui assistir a vários de seus longas, inclusive a série O Decálogo (1989) em DVD. A série é composta por 10 episódios, realizada para a TV polonesa. Foi fundamental na carreira de Kieslowski porque o tornou conhecido em todo o mundo. 

Inicialmente, o projeto previa que cada episódio teria como responsável um diretor. Porém, Kieslowski se comprometeu a dirigir os 10 episódios. A partir da série, se originaram dois longas-metragens: Não Matarás e Não Amarás

O Decálogo dialoga com os 10 mandamentos, porém não o faz de maneira explícita. Na Mostra desse ano tivemos a possibilidade de assistir a todos os episódios que foram exibidos de dois em dois. Consegui assistir aos quatro primeiros capítulos. Eles não possuem um título específico. Na abertura, apenas temos Decálogo 1, Decálogo 2, Decálogo 3. O fio condutor é um conjunto habitacional de Varsóvia. Nos quatro episódios que revi, o frio intenso polonês se faz presente sempre. No episódio 1 temos a história de Pawel, um menino adorável, filho de um professor universitário totalmente racionalista. Para esse homem, a razão e os cálculos poderiam dar conta de toda a complexidade e questões da vida humana. Certa vez, o computador usado por eles calculou que o gelo que cobria um lago próximo ao condomínio não derreteria nos próximos dias. Pawel foi patinar nesse lago e aconteceu o inevitável: como lidar com essa razão, com nossas emoções, com nossos sentimentos e até com nossa fé diante de uma perda como a ocorrida?


Esteticamente belo e nos levanta diversos questionamentos filosóficos. 

O episódio seguinte continua nessa toada filosófica e ética ao trazer a história de Dorota, uma violinista, que está grávida de seu amante e com o marido à beira da morte. Seus dilemas são: abortar ou não abortar? Ter esperanças de que seu marido se recupere ou não? Investir no relacionamento com seu amante? Kieslowski apresenta essas questões de modo profundo e intenso nos colocando em filigranas éticas e filosóficas. 

No terceiro episódio temos um jogo de mentiras, uma espécie de círculo em que Ewa pede ajuda a Janusz, seu ex-amante, na noite da véspera de Natal para encontrar seu marido. Na realidade, essa busca passa a ser um pretexto porque não sabemos exatamente o que ela procurava. Talvez fosse afeto, cuidado, uma conversa, não estar sozinha... Janusz mente para sua mulher sobre estar com Ewa e as mentiras acabam contaminando a todos, como contagia a sociedade em geral. 

No decálogo 4, Anna é uma jovem estudante de artes cênicas. Michael é seu padrasto. Há uma tensão sexual entre ambos e existe uma carta deixada pela falecida mãe de Anna, que somente deveria ser lida após a morte de Michael. Abrir ou não abrir? Destruir ou não destruir a carta? Liberdade ou prisão eterna entre eles? Dúvidas e questões levantadas por Kieslowski para pensarmos sobre nossas escolhas na vida. 

Os quatro episódios a que assisti são belíssimos, especialmente pela trilha sonora. Além de serem belos não podemos deixar de dizer que em 1989 o regime comunista na Polônia ruía, o que se nota pela insatisfação e desesperança de vários personagens. Obra de um gênio! Exigindo mais Kieslowski para 2017. Sempre fundamental! 



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