DIÁRIOS DO FESTIVAL DE ROTERDÃ 3 (FINAL)

03.02.2019 
Por João Moris, de Roterdã

Terminou hoje o Festival Internacional de Cinema de Roterdã (IFFR). O ganhador do prêmio máximo do júri (Tiger Award) foi o filme chinês da jovem diretora Shengze Zhu, Present. Perfect. Um documentário sobre a indústria de videos online na China. Outro prêmio importante do júri é o Bright Future Award, que foi concedido à diretora japonesa naturalizada portuguesa, Aya Koretzky. Seu documentário A Volta ao Mundo Quando Tinhas 30 Anos é uma reconstituição das viagens que a diretora fez com o pai quando criança. Como não podia deixar de ser, o filme favorito do público do IFFR deste ano foi o drama libanês Capharnaum, da diretora Nadine Labaki, que já foi lançado no Brasil, concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro e está arrebatando as plateias por onde passa. Outro filme favorito do público do festival, que ganhou o prêmio Hubert Bals Fund Audience Award, é o improvável longa argentino La Flor, de Mariano Llinás, uma saga de quase 14 horas (!!) sobre quatro espiãs argentinas. O festival exibiu apenas a parte 2 deste filme neste ano, sendo que a parte 1 ganhou o mesmo prêmio no ano passado. Não tive a oportunidade de assistir a nenhum destes filmes. 

Entre os filmes de destaque que assisti na última semana do festival, quase todos abordam a questão de gênero. O longa mexicano Luciérnagas (Vagalumes, em tradução livre), da diretora iraniana naturalizada americana, Bani Khoshnoudi, é um tocante drama sobre um jovem gay iraniano que, ao ser banido do Irã, vai parar na cidade portuária mexicana de Veracruz dentro de um navio cargueiro. Ali, sem falar espanhol e sem entender a cultura local, ele irá experimentar muita solidão, machismo e desilusões, mas também solidariedade, carinho e entendimento.

O ator iraniano Arash Marandi em cena do filme mexicano Luciérnagas

Outro filme que aborda o universo machista latino-americano, aqui com uma pegada bem mais crua e realista, é o longa argentino Hombres de Piel Dura, do diretor José Celestino Campusano, conhecido por seus filmes de baixo orçamento, anárquicos e polêmicos. Neste filme, ele trata com naturalidade a relação de um padre católico com um jovem adolescente, de família abastada na zona rural, que passa a viver sua sexualidade com desenvoltura. As descobertas sexuais do adolescente trazem à tona um submundo onde nada é o que parece, principalmente as regras de comportamento que regem o universo masculino local. Um filme que dificilmente será lançado em circuito comercial no Brasil, ainda mais com os retrocessos conservadores do nosso país. 

Cena do filme argentino Hombres de Piel Dura

Como você reagiria se soubesse que está com uma doença terminal e tem dois meses de vida? A coprodução da Russia-Estonia, The Man Who Surprised Everyone, de Natasha Merkulova e Aleksey Chupov, trata deste tema. É uma curiosa adaptação contemporânea de um antigo conto siberiano no qual um homem consegue enganar a morte incorporando uma mulher. Aqui um guarda florestal, casado com uma jovem grávida do segundo filho do casal, se descobre com uma doença terminal. Após vários exames médicos e ao ser tratado por uma curandeira local, o homem muda de comportamento e passa a se vestir de mulher, para desespero de sua esposa e o horror da ultraconservadora comunidade local.

Cena do filme russo-estoniano The Man Who Surprised Everyone

O cinema dinamarquês parece estar passando por um bom momento. Além do ótimo Culpa, lançado recentemente no Brasil, e Sons of Denmark, lançado no IFFR deste ano e comentado no meu primeiro diário de Roterdã, o festival exibiu o potente drama Queen of Hearts, da diretora May El-Toukhy, sobre uma bem-sucedida advogada, mãe de duas filhas e com um casamento aparentemente feliz, que (re)descobre sua sexualidade e seduz seu enteado adolescente, com quem mantém uma tórrida relação. O filme tem desdobramentos inesperados e tece reflexões complexas sobre o poder de influência das mulheres. A destacar, a excelente atuação da grande atriz Trine Dyrholm, de Em um Mundo Melhor e A Comunidade.

A atriz Trine Dyrholm no filme dinamarquês Queens of Hearts

Já o filme canadense Harpoon, de Rob Grant, é uma bem sacada comédia de humor negro pós-moderna, baseada no romance de Edgar Alan Poe, A narrativa de Arthur Gordon Pym (1838). Três jovens amigos, dois homens e uma mulher, que estão sempre competindo entre si, ficam à deriva em alto mar na lancha de um deles. Ali, para além das disputas, algo muito mais sinistro ronda a amizade dos três, que culmina numa aposta para ver qual deles será devorado pelos outros dois e dá-lhe canibalismo. Pena que os diálogos não ajudam muito, mas o filme traz sangue e risada em profusão para nenhum aficionado do gênero botar defeito!

Cena da comédia canadense Harpoon

Por fim, um dos poucos filmes de diretor de renome que o IFFR deste ano exibiu foi Donbass, do celebrado cineasta ucraniano Sergey Loznitsa. O filme é um mosaico da Ucrânia contemporânea e mostra como a militarização do país e a degradação moral e ética da sociedade, em função de conflitos históricos, afetam os cidadãos e as relações humanas em vários níveis. Por meio de pequenos registros ficcionais do cotidiano no leste ucraniano, o filme é um testemunho vivo das atrocidades e insanidades decorrentes do desgoverno e da incapacidade de imprimir rumo ao país.

Cena do filme ucraniano Donbass

Meus próximos diários serão do Festival de Berlim (Berlinale), que vai do dia 7 a 17/2. Até breve!

Leia também:
► Parte 1 - DIÁRIOS DO FESTIVAL DE ROTERDÃ (IFFR), Por João Moris, de Roterdã [+]

1 comentários:

Ana Rosa disse...

Sempre um ótimo apanhado dos filmes escolhidos por onde passa. Bem que eu gostaria de ver o argentino Hombres de Piel Dura e o russo-estoniano The Man Who Surprised Everyone.