Cinema Brasileiro em 2016

02.01.2017
por João Moris

Foram lançados aproximadamente 120 filmes brasileiros nas telas do país em 2016. Embora alguns filmes tenham sido premiados em festivais e mostras no exterior, para mim o ano não foi tão rico e criativo para o cinema nacional quanto 2015.

Como sempre, houve filmes de excelente qualidade que passaram despercebidos da maior parte do público, tanto pela má distribuição e divulgação, como pela exibição em poucos horários e salas. Isto também acabou se refletindo nas escolhas do Grupo Cinema Paradiso: dos 25 filmes discutidos pelo nosso grupo este ano, apenas 4 foram brasileiros.

Mas, há de se considerar que, num ano difícil para o Brasil, tomado por um governo ilegítimo, conservador e retrógrado, houve filmes contundentes e de “resistência” que mostram como a arte articula-se ao político. Entre estes filmes, cito Aquarius, Boi Neon, Mãe Só Há Uma e Trago Comigo

Apesar disto, os filmes brasileiros que dão maior bilheteria continuam a ser as comédias globais ou filmes de cunho religioso. O maior sucesso comercial de 2016 foi Os Dez Mandamentos, ainda que paire no ar a dúvida se os supostos 11.2 milhões de ingressos, vendidos através da jogada de marketing da TV Record e tão alardeados pela mídia, correspondem realmente ao mesmo número de espectadores. Outros filmes nacionais que ultrapassaram a casa dos milhões em 2016 foram as franquias Até que a Sorte nos Separe 3 (3,3 milhões de pagantes) e Carrossel 2 (2,5 milhões de espectadores). Tudo indica que Minha Mãe é uma Peça 2, lançado em meados de dezembro, ultrapassará esse número. Mas, diante das dificuldades do Brasil, é improvável que em 2016 o número de espectadores de filmes nacionais ultrapasse os 22.5 milhões do ano anterior. 

Seguem abaixo os meus filmes brasileiros favoritos de 2016:

Aquarius (dir. Kleber Mendonça Filho) O filme brasileiro mais comentado do ano merece todos os prêmios e acolhida que tem recebido por onde passa. Aquarius virou um ato de resistência ao nefasto e vergonhoso afastamento da presidente Dilma Rousseff, com manifestações explícitas contra o impeachment em vários cinemas do Brasil à época do lançamento do filme em setembro. A coragem e a dignidade da personagem Clara, feita sob medida para Sônia Braga que aqui recupera sua condição de grande atriz, inspira muitos brasileiros que acreditam na construção de um país mais digno. O filme bateu a marca de quase 500 mil espectadores no Brasil (um recorde diante do boicote da mídia golpista ao filme) e está incluído nas listas de melhores filmes de 2016 publicadas nos principais órgãos da imprensa internacional e brasileira. O longa de Kleber Mendonça tem distribuição confirmada em mais de 60 países e, só na França, o filme foi lançado com 91 cópias. Assim sendo, muita gente ainda verá o filme em 2017 e há rumores de que concorrerá ao Oscar de 2018. Independente de toda a conotação política e a badalação em torno do filme, esta é, sem dúvida, uma obra de arte. Adorei!

Elenco de Aquarius protesta em Cannes

Ponto Zero (dir. José Pedro Goulart) Um filme brilhante em todos os aspectos (enredo, fotografia, narrativa, linguagem...). Trata do rito de passagem de um adolescente de 14 anos, filho de uma família disfuncional de Porto Alegre. Contado de maneira não convencional, o filme me pegou de surpresa logo nas imagens iniciais. O longo plano-sequência do garoto na chuva na segunda parte do filme é uma das mais belas cenas do cinema brasileiro recente. Não é para menos: o diretor gaúcho José Pedro Goulart foi um dos fundadores, juntamente com Jorge Furtado, da Casa de Cinema de Porto Alegre, importante polo cinematográfico do país. O filme foi discutido pelo Grupo Cinema Paradiso em junho.

Sandro Aliprandini em Ponto Zero

Mãe Só Há Uma (dir. Anna Muylaert) Palmas para a diretora Anna Muylaert, que teve a coragem de lançar um filme ousado e muito diferente do seu filme anterior, Que Horas Ela Volta?, que foi um grande sucesso de bilheteria. Este filme transgride os padrões vigentes ao contar a história do jovem Pierre, de 17 anos, que descobre ter sido raptado da maternidade ao nascer e foi criado por uma mãe “adotiva”. Pierre curte meninos e meninas, pinta as unhas, usa rímel, batom. Quando se muda para a casa da família biológica, passa a usar vestidos provocantes. Gosto da forma fragmentada como o filme se desenvolve, desafiando nossos pressupostos e causando incômodo, características de muitos filmes brasileiros dos últimos anos. Infelizmente, o filme não foi escolhido para discussão do Grupo Cinema Paradiso.

Cena do filme Mãe Só Há Uma

Campo Grande (dir. Sandra Kogut) Mais um grande filme brasileiro que cutuca nossas mazelas sociais com criatividade e sem clichês. Conta a história de duas crianças da periferia do Rio de Janeiro deixadas na porta de um prédio de Ipanema, portando um bilhete com o nome e telefone de uma moradora do edifício. A “casa grande” e a “senzala” se chocam nesse microcosmo, num filme nunca previsível, de grande carga emocional e complexidade. Há uma cena memorável com uma das crianças ouvindo um piano pela primeira vez ao som da música Love, de John Lennon. Filme emocionante!

A atriz Carla Ribas em Campo Grande

A Despedida (dir. Marcelo Galvão) Um filme seminal sobre um dia importante na vida de um idoso de 92 anos (num tour de force impressionante do ator Nelson Xavier), que decide sair sozinho pelas ruas de São Paulo e acertar contas com o seu passado, inclusive seu relacionamento com a mulher da sua vida, 55 anos mais nova do que ele. Com movimentos de câmera e iluminação impecáveis e com um tempo todo próprio, o filme emociona e inspira a reflexão sobre a passagem do tempo e a velhice. Pequeno grande filme!

Nelson Xavier e Juliana Paes em A Despedida

Para Minha Amada Morta (dir. Aly Muritiba) Um brilhante exercício de cinema, o filme retrata o drama de um introspectivo fotógrafo forense, que juntamente com seu filho buscam superar o trauma da morte precoce da esposa. Com um clima ora de tensão ora de suspense e mistério, o filme se revela aos poucos, sem nunca descambar para o óbvio. É acima de tudo um envolvente filme sobre vínculos (afetivo, sexual, de confiança, de interesse, de convivência...) que nos faz refletir sobre a precariedade das relações humanas. O filme também foi discutido pelo Grupo Cinema Paradiso.

Fernando Alves Pinto em Para Minha Amada Morta

Brasil S/A (dir. Marcelo Pedroso) Mais um filme autoral de um cineasta vindo do chamado Polo Pernambucano de Cinema, cujos diretores há 20 anos nos brindam com filmes provocadores e instigantes. Este filme experimental situa-se no limiar entre o documentário e a ficção para mostrar as transformações pelas quais passam o Brasil contemporâneo: a mecanização crescente do campo, a explosão urbana brasileira, o desenvolvimento a qualquer custo e como isto afeta as relações sociais. Com uma fotografia de tirar o fôlego, o filme conta a história do Brasil atual sem diálogos e em apenas 70 intensos minutos. Obrigatório!

Cena do documentário Brasil S/A

Sinfonia da Necrópole (dir. Juliana Rojas) O quê? Um filme musical passado num cemitério? O inusitado é a marca registrada desta comédia de humor negro paulistana muito bem bolada sobre morte, passagem do tempo e rito de passagem. As músicas melodiosas com letras inteligentes tornam-se um aporte interessante ao filme, sem nunca interferir na trama ou diminuí-la. Apesar da temática, o filme deixa uma sensação de leveza quando termina. A jovem diretora e roteirista, Juliana Rojas, foi a mesma que nos deu o diferente Trabalhar Cansa (2011). Uma promessa talentosa do cinema nacional, a ser observada de perto.

Paulo Jordão, Eduardo Gomes e Germano Melo em Sinfonia da Necrópole

Boi Neon (dir. Gabriel Mascaro) Depois de Aquarius, foi o filme brasileiro mais premiado em 2016. O roteiro parte de uma premissa muito peculiar: um vaqueiro viaja pelo Nordeste como ajudante das famosas vaquejadas e sonha em se tornar estilista de moda. No meio da rudeza do ambiente em que os personagens vivem, o filme tece muitas camadas sutis. Seu grande mérito é trazer matizes diferentes aos padrões sociais impostos pelo machismo, pelo autoritarismo e pela pobreza. A narrativa do filme busca fugir da linearidade. Não é um filme para todos os públicos, mas quem embarca na proposta se vê imerso num universo ambíguo e sedutor.

                            Juliano Cazarré em Boi Neon

Os filmes listados abaixo, também lançados em 2016, são dirigidos por cineastas brasileiros famosos, veteranos ou novatos, e não me agradaram tanto, seja pelo desenvolvimento do roteiro, pela narrativa convencional ou direção frouxa. Reconheço, contudo, suas qualidades, a importância destes filmes e o sucesso que alguns desfrutaram junto ao público. Vale, portanto, a recomendação:

A Frente Fria Que a Chuva Traz (dir. Neville de Almeida)
Big Jato (dir. Chico Assis) 
BR 716 (dir. Domingos de Oliveira) 
Elis (dir. Hugo Prata)
Fome (dir. Cristiano Burlan)
Nise, o Coração da Loucura (dir. Roberto Berliner) 
Mundo Cão (dir. Marcos Jorge) 
O Filho Eterno (dir. Paulo Machline) 
O Outro Lado do Paraíso (dir. André Ristum) 
O Silêncio do Céu (dir. Marcos Dutra) 
Prova de Coragem (dir. Roberto Gervitz) 
Trago Comigo (dir. Tata Amaral) 
Uma Noite em Sampa (dir. Ugo Giorgetti) 
Vidas Partidas (dir. Marcos Schechtman)

Uma Noite em Sampa, de Ugo Giorgetti

Cabe destacar, ainda, os longas brasileiros feitos por e para jovens lançados nos cinemas em 2016. São filmes autorais, experimentais ou de gênero que integram o chamado novo cinema brasileiro. Alguns são feitos em plataformas digitais usando câmera de celulares, webcams e tablets, com excelentes resultados. Além de retratar o universo adolescente e da geração dos 20-30 anos, estes filmes buscam lançar um olhar crítico sobre o cotidiano e a violência do Brasil através de novas narrativas e linguagens que fogem do convencional. A exemplo de Juliana Rojas e o seu já citado filme Sinfonia da Necrópole, creio ser preciso acompanhar mais atentamente o trabalho destes jovens e dar a eles a visibilidade e credibilidade que merecem:

A Bruta Flor do Querer (dir. Andradina Azevedo / Dida Andrade)
A Vizinhança do Tigre (dir. Affonso Uchoa)
Amores Urbanos (dir. Vera Egito)
Ela Volta na Quinta (dir. André Novais Oliveira)
Jonas (dir. Lô Politi)
Lua em Sagitário (dir. Márcia Paraíso)
O Diabo Mora Aqui (dir. Dante Vescio/Rodrigo Gasparini)

Dida Andrade e Diana Mota em A Bruta Flor do Querer

Em 2016, foram lançados menos documentários brasileiros nos cinemas em relação aos anos anteriores. A maioria continua sendo de estilo jornalístico ou biográfico e tenho a impressão que esta formula está se esgotando. Eduardo Coutinho, morto em 2014, era a grande força criativa por trás do cinema documental brasileiro contemporâneo e está fazendo falta. Ainda assim, alguns documentários se destacaram no nosso cinema em 2016 e merecem ser vistos:

Cinema Novo (dir. Eryk Rocha)
Curumim (dir. Marcos Prado)
Do Pó da Terra (dir. Maurício Nahas)
Espaço Além – Marina Abramović e o Brasil (dir. Marco Del Fiol)
Eu Sou Carlos Imperial (dir. Renato Terra / Eduardo Calil)
Exilados do Vulcão (dir. Paula Gaitán)
Menino 23 – Infâncias Perdidas no Brasil (dir. Belisario Franca)
O Futebol (dir. Sérgio Oksman)
Quanto Tempo o Tempo Tem (dir. Adriana Dutra),
Yorimatã (dir. Rafael Saar)


                    Cena do documentário Curumim

Também vale mencionar os filmes brasileiros feitos em coprodução com outros países e lançados nos nossos cinemas em 2016. Em alguns, há uma pequena participação de produtoras brasileiras, enquanto em outros os diretores são brasileiros e os filmes têm produção estrangeira. O resultado é irregular, mas curioso:

Histórias de Alice (dir. Oswaldo Caldeira) – Coprodução entre o Brasil e Portugal dirigida por um brasileiro.
Mate-me Por Favor (dir. Anita Rocha da Silveira) – Coprodução argentina em um filme de gênero dirigido por uma jovem brasileira sobre o universo teen ambientado na Barra da Tijuca. 
Onde o Mar Descansa (dir. André Semenza / Fernanda Lippi) – Curiosa produção britânica dirigida por um suíço e uma brasileira radicada em Londres, interpretada por duas atrizes/dançarinas brasileiras e falada em sueco.
Paulina (dir. Santiago Mitre) – Um dos grandes filmes do ano, é uma coprodução internacional liderada pela Argentina com participação da VideoFilmes, produtora de Walter Salles. 
Zoom (dir. Pedro Morelli) – Coprodução da 02 Filmes, de Fernando Meirelles, com o Canadá. O longa mistura animação com ficção em três histórias que se mesclam ao longo do filme, com algumas grandes sacadas.

Valentina Herzsage em Mate-me Por Favor

Por fim, é importante destacar o lançamento em 2016 do livro 100 Melhores Filmes Brasileiros, uma coletânea de críticas dos grandes filmes brasileiros, escritas por especialistas, críticos e estudiosos do cinema nacional, tais como Maria do Rosário Caetano, Luiz Zanin, Neusa Barbosa, Celso Sabadin, Humberto Pereira da Silva, Orlando Margarido, Sérgio Rizzo, Pedro Butcher, Christian Petermann, entre outros.

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1 comentários:

Cristina Guerreiro disse...

Adorei o artigo! Obrigada pelas indicações e comentários! Perdi a maioria deles, infelizmente e adoraria poder vê-los. Você pode me dizer onde consigo?